terça-feira, março 31, 2020

TV Calafrio #06 - Os psicopatas da vida real - Homenagem a Daniel Azulay

Titãs - a melhor série de super-heróis de todos os tempos?


Quando foram divulgadas as primeiras fotos não oficiais da série Titãs, o seriado recebeu uma enxurrada de críticas. Os fãs morderam a língua. Titãs é o melhor seriado de super-heróis de todos os tempos e melhor que 90% de todos os filmes de super-heróis já lançados.
Para quem não conhece quadrinhos, Titãs é baseado no grupo de parceiros mirins da DC Comics. Sim, durante um longo período todo super-herói tinha que ter um parceiro mirim. Batman tinha o Robin, Mulher Maravilha tinha a Moça Maravilha, Flash tinha o Kid Flash e assim por diante.
Na década de 60 a DC teve a ideia de reunir esses heróis mirins em uma revista, Teen Titans. Não deu muito certo. Os personagens usavam gírias da década de 40 ou 50, eram extremamente respeitosos com os heróis principais e tinham a metade do tamanho desses. Ou seja, não agiam como jovens.
Na década de 1980, o roteirista Marv Wolfman, que odiava o gibi quando era jovem, resolveu mostrar como se faz uma série para a juventude. Além de criar novos personagens, como Ravena, Estelar e Mutano, ele mudou a relação dos parceiros com os heróis. Robin, por exemplo, passou a ter uma relação de conflito com o Batman. Foi um sucesso tão grande que levou à criação de três animações (a mais recente voltada ao público infantil) e o live action, criado, entre outros pelo roteirista de quadrinhos Geoff Johns e lançado recentemente pela Netflix.
E o que Titãs tem de revolucionário?
Essencialmente a forma como é estruturado um seriado de super-heróis. Tirando os heróis urbanos da Marvel, como Demolidor, a maioria desses seriados é focada em heróis em uniformes coloridos lutando a cada episódio contra um vilão, em meio a uma grande quantidade de efeitos especiais meia-boca (o orçamento dos seriados é bem menor que o dos filmes).
Titãs quebra com esse esquema ao se estruturar como um seriado de mistério. O expectador não sabe quem são os personagens e, em alguns casos, nem eles mesmos sabem (como é o caso de Estelar e Ravena) e mesmo aqueles heróis que conhecemos como tal desde o início, a exemplo do Robin, têm algo a ser revelado. Além disso, há uma trama maior, que também se revela um mistério - quem quer matar Ravena?
Essa estrutura faz com que o seriado seja interessante não só para os fãs de quadrinhos, mas para os expectadores em geral.
Além disso, muda o foco da trama da ação e os efeitos especiais para o desenvolvimento dos personagens – e esses são muito bem desenvolvidos. Nesse sentido, a escolha de atores foi acertadíssima. Destaque para Teagan Croft, no papel de Ravena e Anna Diop, no papel de Estelar. Aliás, a criticada roupa usada por Anna Diop na série acaba fazendo todo sentido, dentro da proposta do seriado.
Os efeitos especiais, quando aparecem, são em momentos chave, e muitas vezes, nem exigem o famoso CGI. Há uma cena, por exemplo, em que Ravena usa seus poderes que é feita exclusivamente com maquiagem, interpretação e montagem.
Bons diretores já haviam mostrado que para fazer produções sobre seres super-poderosos não é necessário uma fortuna em efeitos especiais – basta uma boa direção, bom roteiro e bons atores. Scanners, filme de 1981, de David Cronenberg, é um exemplo. Mais recentemente, a trilogia de Shyamalan (Corpo Fechado – Fragmentado – Vidro) é outro.
Titãs parece mostrar que a DC aprendeu essa lição: Boa direção, efeitos especiais na medida certa, bons atores, bons roteiros e uma trama que vai num crescendo até o capítulo final.
Se não bastasse tudo isso, há o ótimo capítulo com a Patrulha do Destino (que o tradutor da Netflix rebatizou como Patrulha dos Condenados) e uma visão do Batman muito mais adequada que todos os últimos filmes da DC. A forma como o Homem-morcego - e Gothan - é mostrado na série (ou não é mostrado) é simplesmente genial e lembra grandes obras dos quadrinhos, como Asilo Arkhan.
O recente anúncio de que a Patrulha do Destino vai virar série parece mostrar que Titãs será o norte da DC na telinha. Tomara.

Marketing: comportamento do consumidor

O comportamento do consumidor é influenciado por vários fatores. Alguns deles são controlados pela empresa e podem ser resumidos nos 4 Ps: produto, preço, ponto de venda e promoção. Uma loja pode fazer o consumidor comprar mais baixando seus preços. Um produto pode aumentar suas vendas aumentando a distribuição. Mas existem outros fatores, que não são controlados pela empresa, mas podem fazer grande diferença. São as chamadas variáveis incontroláveis.
Uma dessas variáveis são as condições ambientais. Chuva, seca, frio, calor fazem o consumidor mudar de comportamento. Se chove demais, ele tende a comprar guarda-chuvas, capas. Se faz sol, compra protetor solar e óculos escuros. Os vendedores ambulantes já perceberam essa verdade: quando o tempo muda, eles mudam seus produtos. A mesma pessoa que ontem estava vendendo óculos escuros, hoje está anunciando sombrinhas. Acompanhar as tendências ambientais é importante até mesmo para uma loja de roupas. Num ano em que o inverno vai ser menos frio, é bom comprar pouca roupa de frio para não ficar com produto encalhado no estoque.
As variáveis tecnológicas também são essenciais. Afinal, inovações tecnológicas podem acabar com mercados. A invenção do mp3, por exemplo, está matando o mercado de CDs. Em alguns países, as empresas já estão ganhando mais com a venda de música por celular do que a venda de CDs. Da mesma forma, o surgimento dos computadores pessoais matou o mercado para máquinas de escrever. Em 2009, a Kodak cancelou a venda de filmes fotográficos Kodachrome por causa da concorrência das câmeras digitais.
A importância da variável tecnológica é facilmente percebida pelos gerentes das concessionárias de automóveis. No final do ano a maioria dos clientes simplesmente para de comprar para esperar o modelo do ano seguinte, com mais tecnologia. Por isso são tão comuns as promoções de final de ano.
Entre as variáveis econômicas, as que mais influenciam no comportamento do consumidor são a inflação, a facilidade de créditos e os juros. Na época em que o Brasil tinha inflação de três dígitos ao ano, os consumidores faziam compras enormes, para o mês todo, no mesmo dia em que recebia o pagamento. Hoje, com a inflação controlada, os consumidores fazem compras semanais. Isso aliou-se a um outro fator: a facilidade de crédito. Hoje é muito fácil conseguir um cartão de crédito ou conseguir crédito em uma loja, o que tem estimulado o consumo. Outro fator que estimula o consumo são os juros baixos, pois mais pessoas se sentem estimuladas a pegar dinheiro emprestado e gastar.
Da mesma forma que a economia, as questões políticas também influenciam. Um governo ecológico, por exemplo, irá estimular a compra de produtos orgânicos e naturais.
A importância da variável política foi sentida em 2003, quando os EUA invadiram o Iraque. O forte sentimento antiamericano fez com que o McDonald’s tivesse prejuízo pela primeira vez em sua história. Outro produto tipicamente norte-americano, a Coca-Cola, também sofreu com boicotes em vários países. Na França e na Alemanha, muitos restaurantes se recusavam a vender esse famoso refrigerante. Mesmo no Brasil esse fato político teve consequências. Estudantes invadiram lojas do McDonald’s com cachos de bananas tentando convencer as pessoas a pararem de consumir sanduíches e comerem algo mais saudável.
Os fatores legais também influenciam no comportamento do consumidor, embora nem sempre como os legisladores esperam. A lei seca nos EUA fez aumentar o consumo de bebidas alcoólicas e turbinou as atividades da máfia. O livro Versos Satânicos, proibido no mundo muçulmano, tornou-se um best seller mundial.
Em 2008, as autoridades iranianas proibiram a venda da boneca Barbie, vista como símbolo de valores ocidentais, naquele país. Embora a medida tenha de fato impedido a venda da boneca em lojas, ela também fez aumentar em muito o contrabando.
Outro fator relevante, de grande influência no comportamento do consumidor, são os meios de comunicação de massa. Novelas, filmes e histórias em quadrinhos ditam o consumo. Basta uma atriz global aparecer usando um brinco na novela que no dia seguinte o acessório vira o mais procurado nas lojas. As cabeleireiras sabem muito bem disso, pois costumam ter em seus salões revistas com fotos de famosas para que suas clientes escolham os cortes de acordo com a nova moda da TV.
Muitas empresas aproveitam essa força dos meios de comunicação de massa e dão um jeito de colocar seus produtos em novelas e filmes. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a Azaléia, que firmou um contrato com a Globo para que as atrizes usassem suas sandálias nas novelas.

 Um exemplo clássico foi o personagem Popeye, que fez aumentar em muito o consumo de espinafre nos EUA. A importância do personagem para as vendas desse vegetal foi tão grande que os produtores ergueram duas estátuas para o Popeye: uma em Crystal City, no Texas, e outra em Alma, no Arkansas.

Outro fator importante, que deve ser levado em consideração, é a religião. Sabe-se que líderes religiosos costumam direcionar o comportamento de seus fiéis, inclusive em termos de consumo, e as empresas precisam se adaptar a isso. É famoso o caso do McDonald’s que, na Índia, teve de criar um sanduíche sem carne para se adaptar aos hábitos vegetarianos pregados pela maioria das religiões indianas. No Brasil, um caso emblemático foi a campanha da Antarctica “Do jeito que o diabo gosta”, que precisou ser mudada para “Do jeito que a gente gosta” por causa do aspecto religioso. 

A maldade humana

Uma das questões mais antigas da filosofia é: o homem é bom? Existe uma bondade natural ao homem ou ele é, essencialmente mal? Durante anos acreditei que o homem era bom. Atualmente acredito que o ser humano não é intrinsicamente mau, mas a humanidade se inclina na direção da maldade.
Para explicar, preciso remeter aos comportamentos coletivos e à estrutura do cérebro. De maneira simplificada, podemos dizer que o cérebro é dividido em três partes: o complexo reptiliano, nosso cérebro mais antigo, responsável pelos instintos mais básicos do ser-humano (sobrevivência, sexo, comida). Depois dele temos o complexo límbico, um cérebro mais recente, que governa as emoções e o instinto de manada, a necessidade de pertencer a um grupo. Finalmente, temos a parte mais avançada de nosso cérebro, o neocórtex, responsável pelo pensamento lógico e pela linguagem.
Segundo a psicologia de massas, o complexo límbico está associado ao comportamento de massa, enquanto o neocórtex governaria o comportamento do público.
A maioria das pessoas não acordaria e daria um tiro no vizinho enquanto ele lhe dá bom dia.  Esse é um comportamento que se espera de psicopata. Entretanto, em vários momentos da história da humanidade temos visto grupos de pessoas agindo com extrema violência, como se fosse possível transformar em psicopatas toda uma comunidade – do Estado Islâmico ao nazismo passando pelo massacre em Ruanda. Como explicar isso?
A resposta está justamente na necessidade, imposta pelo complexo límbico, de fazer parte de um grupo. Pessoas escolhem seus grupos e se entrincheiram neles. Sejam igrejas, torcidas de futebol ou ideologia política. Grupos que se organizam em torno de uma liderança. Pessoas precisam de alguém que lhes diga como pensar, como agir, como decidir o que é certo e o que é errado. Não é à toa que religiões que estimulam o livre pensar não fazem sucesso (ou com o tempo se modificam no sentido de se tornarem modelos prontos).
Apesar de crescerem, as pessoas continuam sendo crianças, que necessitam de alguém a quem seguir. Fazer parte de um grupo lhes traz conforto e segurança. O grupo dá poder ao indivíduo. Exemplo disso é garoto que é valentão quando está com sua gangue, mas absolutamente covarde quando está sozinho.
Por outro lado, quem não faz parte do grupo passa a ser visto com desconfiança, como um potencial inimigo. E, quem não faz parte de nenhum grupo, ou de grupos minoritários, parece ainda mais perigoso. Costuma-se dizer que as pessoas têm medo do diferente, mas na verdade, elas têm medo de quem não faz parte de seu grupo.  A perseguição a quem não faz parte do grupo explica tanto a caça às bruxas quanto o buyilling. As bruxas eram mulheres “estranhas”, que não se encaixavam na sociedade da época. Portanto, eram uma ameaça ao grupo. O mesmo ocorre com as vítimas de buyilling nas escolas. É muito raro que sejam atormentado por alguém individualmente, a violência vem sempre de grupos que, no fundo, o consideram um inimigo.
Pode-se imaginar que esse comportamento violento com o outro seja uma exceção, mas dois episódios mostram que essa violência pode contaminar qualquer grupo.
O primeiro deles ocorreu quando um professor de uma escola secundária norte-americana em 1967, em Palo Alto, Califórnia, resolveu fazer uma experiência com seus alunos para recriar a atmosfera da Alemanha nazista. Ele os envolveu numa comunidade que dava valor à coletividade, em desfavor do indivíduo. Havia um símbolo, saudações, disciplina e um slogan: “Poder, Disciplina e Superioridade” A experiência, no entanto, acabou saindo do controle. O grupo, que começou apenas em uma turma foi se alastrando pela escola e logo seus integrantes estavam atacando quem não aderia a ele. O caso deu origem a um famoso filme “A onda”.

Outro episódio foi o experimento da prisão de Stanford, levado a efeito em 1971 em que voluntários foram divididos em dois grupos – um de prisioneiros, outro de guardas. O que começou como uma experiência normal logo saiu do controle, com os guardas humilhando, torturando e violentando os presos. Como na época vivia-se o auge da guerra do Vietnã, a maioria dos voluntários pretendia ser prisioneiros, levando os pesquisadores a escolherem no cara e coroa quem seria quem. E muitos daqueles que eram contra a guerra se viram transformados em guardas violentos e abusadores. No final, o experimento que deveria durar duas semanas durou apenas seis dias. Sabe Deus o que aconteceria se tivessem ido em frente.
Outro experimento, levado a cabo pelo por Stanley Milgran mostrava o quanto as pessoas podem ser cruéis quando obedecem a uma autoridade. Voluntários eram colocados diante de uma máquina de choques. Do outro lado supostamente havia outro voluntário, que deveria responder a algumas perguntas. Para cada resposta errada, o aluno levava um choque, que ia aumentando de gradação. Mesmo acreditando que poderiam estar matando a pessoa do outro lado, mais de 60% das pessoas continuou acionando o aparelho porque era isso que lhe era ordenado pela autoridade presente (o pesquisador). Alguns o faziam de forma constrangida, mas faziam. Poucos se recusavam a continuar torturando a pessoa do outro lado. O mesmo pode ocorrer com qualquer pessoa se o grupo á qual pertence lhe der uma ordem semelhante. O medo de não fazer parte do grupo faz com que obedeçam a um líder carismático, mesmo que a ordem seja prender, torturar ou matar alguém.
É por isso que sistemas totalitários são tão sedutores. Fazer parte de um grupo dá uma sensação de conforto. Nesse sentido, George Orwell em seu livro “1984” estava errado. O autoritarismo não é algo que é imposto às pessoas, mas algo pela qual elas anseiam, na necessidade de fazerem parte de um grupo.
A diferença entre um pai de família pacato e um carrasco nazista ou um terrorista do Estado Islâmico é uma só: alguém que lhe diga que o grupo está em perigo, alguém que aponte um inimigo do grupo. A maioria das pessoas estará disposta a perseguir, torturar e até mesmo matar outras pessoas se o líder do grupo à qual pertence assim ordenar e se alternativa for ser excluído do grupo. Os fanáticos religiosos que lincharam a filósofa Hipátia em Alexandria são um exemplo disso. Incitados por seus líderes religiosos, aqueles cristãos acreditaram que alguém que pensava diferente deles deveria ser eliminado por constituir uma ameaça, por mais irracional que isso pudesse parecer – que tipo de ameaça uma mulher poderia exercer sobre uma religião que já estava instituída e oficializada?
Outro exemplo perfeito disso temos cotidianamente nas brigas de torcidas. A maioria daquelas pessoas são absolutamente normais em seu cotidiano, mas se tornam violentas quando estão em grupo e esse grupo se encontra com o inimigo. Talvez aquelas pessoas convivessem lado a lado sem se agredirem caso se encontrassem no metrô e uma não soubesse a que grupo a outra pertencia.
Até mesmo grupos de minorias muitas vezes se deixam dominar pelo ódio ao inimigo. Assim, muitas vezes o movimento feminista se torna um movimento contra os homens, o movimento LGBT se torna um movimento contra os heterossexuais e o movimento negro se torna um movimento contra os brancos.
Da mesma forma, grupos religiosos ou recreativos podem rapidamente explodir em pura violência se forem direcionados a isso – e quanto mais comprometida com o grupo, mais radical a pessoa será e maior a chance de entrar na escalada de violência.
Por outro lado, os livres-pensadores são o público, são indivíduos que colocam o pensamento crítico e a individualidade acima do grupo. Podem até ter suas convicções, sejam religiosas, ideológicas ou de qualquer outro tipo, mas para elas pertencer ao grupo jamais é o mais importante.
Livres-pensadores costuma sofrer com a desconfiança, quando não com ataques diretos dos grupos. “Afinal, você é esquerda ou direita?” “Você precisa escolher uma religião”, são exemplos da pressão que sofrem cotidianamente. Em casos extremos, isso descamba na violência e morte, como nos casos em que regimes autoritários se instalam. Livres-pensadores são sempre os primeiros a serem perseguidos.
Essa conclusão, claro, lembra muito a ideia do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau, segundo o qual o homem é bom, mas a sociedade o corrompe. Essa frase pode ser reformulada: o homem não é necessariamente bom ou mal, mas a necessidade de fazer parte de um grupo na maioria das vezes o torna mau.
Talvez um dia o ser humano evolua e livres-pensadores sejam mais comuns que pessoas que fazem de tudo para serem aceitas por um grupo. Até lá estaremos sempre caminhando na direção do holocausto.

Guerra Secretas: o gibi que era ruim, mas fez sucesso

Em 1980, A Marvel recebeu a proposta de uma indústria de brinquedos de lançar uma linha de bonecos. Para ensinar as crianças a brincarem com os bonecos, Jim Shotter, editor-chefe da Marvel bolou uma história grandiosa divida em 12 partes . Para isso, ele bolou uma série em 12 partes que mostraria os principais heróis e vilões da editora se enfrentando. O nome surgiu de uma pesquisa de mercado que mostrou quais as palavras que mais chamavam atenção das crianças nas lojas de brinquedos: Guerras Secretas. 

Em Guerras Secretas, uma entidade super-poderosa, denominada Beyonder, cria um planeta e transporta para lá os mais importantes personagens da editora. E avisa: destruam seus inimigos e todos os seus desejos serão realizados. 
Os personagens dividem-se entre heróis e vilões e começam os conflitos. Entre os heróis, há estranhamento pela presença de Magneto, um notório vilão dos X-men. Entre os vilões, começam as brigas pela liderança.
Entre os heróis havia vários medalhões da editora, como o Homem-aranha, X-men,  Vingadores, Hulk, Coisa. Do lado dos vilões, peso-pesados, como Doutor Destino, Lagarto, Ultron e Galactus. A presença de Galactus no time de vilões tem causado, até hoje, controvérsias. Criado por Jack Kirby e Stan Lee em uma aventura do Quarteto Fantástico da década de 1960, ele é uma entidade cósmica super-poderosa, capaz de devorar planetas inteiros. Sua presença no time de vilões desequilibraria qualquer disputa.
Para desenhar a história foi chamado Mike Zeck, que vinha se destacando nas histórias do Mestre do Kung Fu com seu traço elegante.
A história fez grande sucesso e remodelou a vida de vários personagens da editora. O mais afetado foi o Homem-aranha, que ganhou um uniforme preto, fruto de uma simbiose com um ser alienígena. Posteriormente esse uniforme se transformaria no vilão Venon.
Guerra Secretas foi muito bem resumida por uma funcionária da Marvel responsável pelo mercado direto: “Guerras Secretas é ruim, mas vendeu muito bem!”.
Dizem que Jim Shotter pediu tantas mudanças nos desenhos que, ao terminar, mandou para o desenhista Mike Zeck uma garrafa de champanhe. Zeck abriu a garrafa e jogou todo o conteúdo na pia.
No Brasil a história foi lançada em 1986 para servir de divulgação para a linha de bonecos da Gulliver. Mas os heróis estavam atrasados em relação à cronologia americana e, para adequar essa inconsistência, a série foi cortada e mutilada. Até mesmo personagens, como Vampira e Capitã Marvel, foram apagados e o final da saga foi totalmente modificado para se adequar ao momento que a Marvel vivia no Brasil. Ou seja: o que já não era bom, ficou ainda pior.

FALCÃO - Você está certo, quem tá errado é o Papa.

Dissonância cognitiva


Em 1954 a paranormal norte-americana Dorothy Martin revelou que tinha sido alertada por extraterrestre que o mundo seria destruído. Segundo ele, à meia noite do dia 20 de dezembro, um alienígena surgiria para salvar seus discípulos. Todo o resto da humanidade seria extinto.
Mas quando deu meia-noite, nada aconteceu. Não surgiu nenhum extraterrestre salvador e a humanidade não pereceu. 
Dorothy Martin previu o fim do mundo
Dois psicólogos que haviam se infiltrado no grupo ficaram curiosos para saber o que aconteceria a seguir. Afinal, havia uma evidência inconstestável de que a profecia era apenas uma mentira bem contada. Era inevitável que deixassem de acreditar na paranormal. Entretanto, o que aconteceu foi exatamente o contrário. A médium anunciou que o fim do mundo havia sido cancelado por causa das orações de seus seguidores.
O grupo ficou em êxtase. Eles tinham salvo o mundo. Alguns seguidores começaram a ligar para a imprensa para anunciar a novidade.
Um dos psicólogos presentes ao evento, Leon Festinger, chamou esse fenômeno de dissonância cognitiva: quando os fatos contradizem aquilo que acreditamos, mudamos os fatos para adequá-los às nossas crenças. E não só isso: também ignoramos qualquer fato que contradiga essa crença.
Bom exemplo desse processo de adaptar à realidade às crenças tem ocorrido com relação à pandemia de coronavírus.
No dia 10 de março, o presidente do Brasil, em viagem aos EUA, afirmou em entrevista coletiva que o coronavírus não era tudo isso e que a pandemia era fantasia criada pela mídia (posteriormente ele diria que era só uma gripezinha).
Como resultado milhões de pessoas passaram a acreditar que a doença (que nessa época já estava fazendo vítimas na Itália) não oferecia risco nenhum. Era só uma gripezinha que, provavelmente nunca chegaria ao Brasil.
Quando a doença já estava instalada no Brasil e já havia até mortes, o discurso mudou, mas era de novo uma alteração nos fatos para adequá-los às crenças. Agora pegava-se as mortes durante todo um ano de H1N1 e comparava-se com as mortes de uma semana de coronavírus para argumentar que a H1N1 matava mais.
Depois, quando o número de mortes diárias se tornou grande demais para esconder, começaram a dizer que o ministério da saúde tinha orientado para que toda e qualquer morte fosse creditada como sendo provocada pelo coronavírus (por mais contraditório que isso seja, uma vez que o ministério da saúde é do governo federal).
Depois, como era necessário exemplificar essa versão, passaram a dizer que o primo do porteiro do prédio morreu trocando um pneu e foi diagnosticado com coronavírus. De repente, em um único dia centenas de primos de proteiros de prédio foram assassinados por pneus.
Deus queira que isso não aconteça. Mas se o apelo dos médicos e cientistas for ignorado e a situação do Brasil se tornar equivalente à da Itália, os bolsominions vão dizer que seu ídolo sempre advertiu do perigo da pandemia e que fez tudo que podia para impedir sua propagação no Brasil. E não vão só dizer. Vão acreditar. Dissonância cognitiva.

segunda-feira, março 30, 2020

Os atributos de Xuxulu são inomináveis

O enigma de Andrômeda

O Enigma de Andrômeda é um filme de 1971, dirigido por Robert Wise, baseado no livro homônimo de Michael Crichton (o mesmo de Congo e Parque dos Dinossauros).  Na história, um satélite cai em uma pequena cidadade dos EUA, provocando a morte de quase todos os seus habitantes. Só um velho e um bebê sobrevivem.
A região é isolada e os sobreviventes e o satélite são enviados para um centro de pesquisas onde cientistas lutam contra o tempo para isolar o vírus extraterrestre e encontrar uma cura antes que a doença se espalhe.
Trata-se de um ótimo filme de ficção científica hard, em que os heróis são cientistas e a solução do problema depende mais da inteligência do que dos músculos.
Chricton é um cara antenado com as descobertas científicas mais recentes (em Parque dos Dinossauros ele não só explica muito bem as descobertas sobre os dinos, como ainda dá uma aula sobre teoria do caos) e coloca isso no filme. Até mesmo o processo de esterilização acaba se tornando interessante para quem gosta de ciência (Frase predileta: "O corpo humano é uma das coisas mais sujas do universo").

Descartes e o demônio da dúvida


Um dos pensadores mais importantes da humanidade foi o filósofo francês René Descartes. Suas idéias mudaram a forma de pensar do mundo ocidental e inauguraram os pilares da metodologia científica.
Descartes era tudo, menos humilde. Ele queria criar uma nova forma de pensar, que fosse mais adequada aos novos tempos. É importante lembrar que o filósofo viveu em uma época de mudanças. O mundo passava do geocentrismo (a idéia de que tudo, inclusive o Sol, gira ao redor da Terra) ao heliocentrismo (a idéia de que é a Terra que gira ao redor do Sol), as grandes navegações demonstravam que havia todo um mundo a ser descoberto, a imprensa tornava possível que um pensamento se dissipasse com grande velocidade e, finalmente, os reis passavam a ter mais poder do que jamais tiveram em toda a Idade Média.
Em 1619, Descartes teve um sonho em que o espírito da verdade descia sobre ele. A partir desse dia, passou a se dedicar à busca da verdade e de uma nova forma de pensar, que tornasse o caminho em direção à verdade mais rápido.
Depois de andar por boa parte do mundo conhecido, recolhendo conhecimentos, ele se isolou em busca de um método próprio. Ele percebeu que o método característico da Idade Média, a lógica, não o levaria longe: “Verifiquei que, quanto à lógica, os seus silogismos e a maior parte de suas restantes instruções serviam mais para explicar aos outros as coisas que já se sabem”, escreveu ele no seu livro O Discurso do Método.          
O novo pensamento, criado por Descartes seria baseado em quatro princípios:
1 – Nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que não se conhecesse evidentemente como tal.
Ou seja, duvidar sempre. Aí o filósofo difere o conhecimento científico do teológico, baseado na fé. Enquanto a religião prega o acreditar sempre, a ciência partiria sempre da dúvida.
2 – Dividir cada uma das dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto fosse possível e necessário para resolve-las.  
Descartes inaugurou com esse princípio a divisão do saber. Segundo a lógica cartesiana, não devemos pesquisar o fenômeno no todo, mas em partes. Para conhecer o corpo humano, devo dividi-lo em partes e estudar uma a uma.  Esse princípio deu origem à especialização que se reflete na própria organização da escola. Temos professores de geografia, história, ciências, literatura, redação... muitas vezes o professor de história não entende nada de geografia e o professor de literatura não sabe nada de redação. A crítica a esse princípio seria a base do pensamento da cibernética e de Edgar Morin.
3 – Conduzir em ordem os pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de precedência de uns em relação aos outros.
Em outras palavras, ao resolver um problema devemos solucionar primeiro as partes mais simples para depois chegar às mais complexas. Esse princípio também leva a crer que o complexo é na verdade uma junção de partes simples, uma idéia que depois seria criticada por pensadores como Edgar Morin.
4 – Fazer, para cada caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais que tivesse a certeza de não ter omitido nada.
Esse princípio, certamente advindo da matemática, teve como conseqüência, na ciência, na idéia de que não se deve confiar no primeiro resultado de uma experiência. O cientista deve refazer suas experiências à exaustão até ter certeza de que o resultado está correto. Mesmo em uma pesquisa bibliográfica esse princípio pode ser adotado. Já vi alunos que, ao fazerem uma pesquisa, usam apenas um livro como referência. Isso não é pesquisa, é cópia. Um trabalho de pesquisa deve comparar as idéias de informações de vários autores. Confiar no primeiro autor que se apresenta pode ser perigoso, pois esse autor pode estar equivocado.
Alguns anos depois, um cientista inglês, Isaac Newton, usaria os princípios de Descartes para resolver um problema científico: por que a Lua não cai na Terra? Mas isso será objeto de outro artigo. Por enquanto, vamos ver como Descartes usou o método para resolver um problema menos científico e mais filosófico.
O que o filósofo se perguntou é como podemos chegar a certezas. Ele já havia identificado que os sentidos não são confiáveis. Afinal, as pessoas haviam acreditado durante anos que o Sol girava ao redor da Terra simplesmente porque os sentidos lhe diziam isso.
Quantas vezes não somos enganados por nossos sentidos? Às vezes estamos em um navio e achamos que já começou a viagem, quando na verdade foi o barco ao lado que começou a se movimentar? Quantas vezes não temos sonhos que parecem perfeitamente reais?
A não confiabilidade dos sentidos fica demonstrada em filmes como Matrix. Neo acreditava piamente que a vida que levava era real, até descobrir que tudo era uma ilusão criada por um programa de computador...
No filme Uma Mente Brilhante, o personagem principal, um ganhador do prêmio Nobel, conversava com pessoas que não existiam. 
Descartes imaginou-se dominado por um demônio da dúvida que o faria ter dúvida de tudo. Se eu duvido de tudo, se duvido até mesmo se estou realmente aqui escrevendo este texto, qual a minha única certeza?
A minha única certeza é de que tenho dúvidas. Se tenho dúvidas é porque penso. Se penso, logo existo. Cogito ergo sum.
Esse raciocínio de Descartes teve duas conseqüências. Por um lado a ciência procurou aperfeiçoar cada vez mais os instrumentos de pesquisa para fugir da validação subjetiva. Balanças, cronômetros, questionários, observação sistemática são instrumentos de pesquisa que tentam fugir da dúvida deixada pelos sentidos. Na filosofia, as idéias de Descartes inauguram o postulado da razão, que dominaria toda a Idade Moderna.

Os quadros vivos do festival de Laguna Beach

Os tableaux vivants (quadros vivos) são uma tradição medieval que sobrevive hoje no festival de Laguna Beach, na Califórnia. Todo ano, centenas de atores se oferecem para reproduzir obras clássicas da arte mundial.
As representações, que duram em média 5 minutos, impressionam pelo fato dos mínimos detalhes dos quadros serem reproduzidos, inclusive sua textura, graças a um trabalho de iluminação, cenário e maquiagem e maquiagem. Até mesmo capas de quadrinhos são homenageadas. Confira abaixo algumas reproduções:  









COMO ERA A VIDA NOS TEMPOS DA GRIPE ESPANHOLA

Museu D´Orsay


Se o Louvre é o paraíso da arte antiga, barroca, romântica, o Museu D´Orsay é o ponto alto da arte moderna em Paris. Há muita coisa, por exemplo, dos impressionistas: Degás, Renoir, Monet.
Mas a grande atração é a sala dedicada a Van Gogh. Completamente ignorado em vida (ele só conseguia vender quadros para o próprio irmão), ele se tornou uma verdadeira sensação atualmente. Turistas correm para ver suas obras. Na mesma sala há quadros de Gaugan, com o qual o pintor holandês morou durante algum tempo.
Almoço na relva, o polêmico quadro de Manet. 

Há também vários quadros de arstitas realistas, como Millet e até mesmo o famoso e controverso Quadro A Origem do mundo, de Gustave Courbet (conhecimento pela maioria das pessoas por ter sido censurado pelo Facebook).
Falando em polêmica, nada causou mais polêmica na época do que os quadros de Manet, também presentes no Museu. Dois exemplos são Olímpia e Almoço na relva. Os conservadores da época acusaram o artista de indecência por colocar mulheres nuas em seus quadros. O nu era comum nas artes, mas era um nu idealizado, de deusas gregas. Manet colocou mulheres de verdade em suas obras e por isso provocou a ira dos consevadores. Olimpia se tornou tão famosa que ganhou releituras, como a de Gaugan, também presente no Museu.
O Museu também tem vários quadros de simbolistas e uma série de belíssimas estátuas.


Degas é mais conhecido pela pintura, mas também era escultor. 

Há várias versões do quadros Nifas, de Monet, cada uma pintada em uma condição de luz.


Os caçadores de crocodilos, de Ernest Barrias

Ernest Barrias 

Ernest Barrias 

Ernest Barrias 


A origem do mundo, de Coubert, causa polêmica até hoje. 

Monet, como outros impressionistas, se interessava pela forma como a luz interferia na cor. 


Pinturas de Monet com o tema mulher com sombrinha. 


Coubert colocou vários amigos no quadro O ateliê do artista. 


Susannah e os anciões, de Paul Cabet

domingo, março 29, 2020

Grafipar, a editora que saiu do eixo


No final da década de 1970, Curitiba se tornou a sede da principal editora de quadrinhos nacionais. A produção era tão grande que se formou até mesmo uma vila de quadrinistas. No livro Grafipar, a editora que saiu do eixo, eu conto em detalhes essa história. O livro inclui também algumas HQs publicadas na época e análise das mesmas.
Pedidos: profivancarlo@gmail.com.

A história secreta da Mulher Maravilha

A Mulher Maravilha é uma das personagens mais importantes do universo dos super-heróis. Junto com Batman e Super-homem, ela forma a tríade da DC Comics. Entretanto, enquanto vários outros personagens têm suas origens bem definidas e conhecidas, a Mulher Maravilha é um incógnita mesmo para fãs de quadrinhos. Poucos, por exemplo, sabem de sua ligação com o movimento feminista, com o detector de mentiras e com o bondage. Quase ninguém do meio sabe que seu criador era um psicólogo, criado de uma categorização psicológica atualmente redescoberta e de uso corrente em diversas áreas.
É com objetivo de clarear algumas dessas questões que Jill Lepore escreveu A história secreta da mulher maravilha, lançada este ano pela editora Best Seller.
Um dos grandes méritos do livro é conectar as histórias da fase de ouro da personagem com a história de vida de seu criador, com diversos exemplos tirados dos quadrinhos.
William Moulton Marston colocou tudo em sua personagem: o feminismo com o qual ele e suas esposas estavam envolvidos, seus desafetos (um professor serviu de modelo para um vilão) e até problemas de seus filhos, que eram resolvidos nas páginas dos gibis.
No início do século XX a situação da mulher era tal que um juiz declarara, em sentença, que uma mulher que não estivesse disposta a morrer de parto não deveria praticar sexo. O movimento feminista se destacou na luta pelo controle de natalidade. Mulheres chegavam a ser presas apenas por ensinarem outras mulheres métodos contraceptivos.
Nesse contexto, intimamente ligado a esse movimento, se estabelece o psicólogo William Moulton Marston, criador do detector de mentiras e autor do livro As emoções das pessoas normais, o primeiro a defender o homossexualismo como algo normal (“As pessoas têm que aprender que os componentes amorosos que existem dentro de si, que elas passaram a ver como anormais, são totalmente normais”).
Marston tinha uma família incomum: além de seu casamento convencional, tinha duas outras esposas. Uma delas era filha da primeira mulher a ser presa por defender o controle de natalidade. Nesse arranjo familiar incomum havia mais um elemento: o bondage, técnica sexual de imobilização com cordas ou correntes. Embora a autora afirme Marston não praticava bondage (um dos filhos, entrevistado por ela, disse que nunca viu nada disso em casa), é difícil acreditar que alguém tão apaixonado por tema ficasse apenas na teoria.
Além de psicólogo, Marston era também roteirista de cinema, tendo escrito diversos roteiros na época dos filmes mudos.
Apesar de suas qualificações e seu constante esforço de marketing pessoal, em determinado ponto ele não conseguia trabalho como professor (as cartas de recomendação, obrigatórias para conseguir emprego, eram identificadas com o mesmo código que se usava para homossexuais, provavelmente em razão de seu arranjo famíliar e preferências sexuais).
Quando, após um artigo escrito por sua esposa Olive para uma revista com sua opinião sobre os quadrinhos (ela escrevia como se fosse uma pessoa desconhecida que ia até ele tomar conselhos), ele foi convidado a participar do conselho editorial da DC e propôs a criação de uma personagem feminina, em oposição à grande quantidade de heróis masculinos da época. Mais que uma personagem feminina, seria uma personagem feminista.
A Mulher Maravilha foi uma junção de tudo. Seus braceletes era os braceletes usados por Olive (a esposa que escrevera o artigo), sua arma era uma corda e ela enfrentava vilões machistas que vociferavam contra o poder feminino e a participação cada vez maior da mulher na sociedade (em especial no período da II Guerra, em que as mulheres foram chamadas para ocupar os postos de trabalho, em substituição aos homens que haviam ido para a guerra) e havia sempre mulheres e mais mulheres amarradas ou acorrentadas.
A autora Jill Lepore investiga e esclarece todo o imaginário feminista que deu base para a personagem. Em uma história em que a Mulher Maravilha enfrenta o cartel do leite (um plano nazista para esfomear as crianças da américa), a heroína lidera uma passeata montada em um cavalo, da mesma forma que uma líder feminista havia feito em uma manifestação pelo sufrágio, em 1913.
A revista da personagem estava tão alinhada ao movimento feminista que havia uma sessão chamada “Mulheres maravilhas da história”, com histórias reais de mulheres que conseguiram grandes feitos e serviriam de exemplo para as leitoras.
A personagem chegou até mesmo a ser eleita presidente dos EUA (em uma história que se passava em um futuro distante).
Tudo mudou quando Marston morreu, em 1947.
A diretoria da DC colocou em seu lugar um roteirista manifestadamente machista, que odiava a personagem, Robert Kanigher. Quando tomou completamente as rédeas da heroína, encomendou ao novo desenhista uma capa em que a Mulher Maravilha, sorridente, tolinha, é carregada indefesa por Steve Trevor, que a ajuda a atravessar um riacho. A personagem forte, que se tornara presidente dos EUA, agora era uma mulher indefesa e precisava desesperadamente de um marido. A sessão sobre Mulheres Maravilhas da história se transformou em uma coluna sobre casamento. Na década de 1960, tiraram-lhe os poderes e o uniforme, descaracterizando completamente a personagem.
Mesmo na década de 1970, em que a heroína foi redescoberta pelo movimento feminista, a DC voltou a colocar como roteirista e editor Kanigher, que marcou o fato matando, em uma história, a primeira editora da personagem, que na época era favorável à volta da personagem às suas origens.
O livro de Lepore tem méritos inegáveis. O principal é a interligação contínua entre as histórias da personagem e a vida de seu criador. Um aspecto negativo provavelmente é o destaque excessivo à abordagem feminista, deixando outros aspectos sem maior destaque – entre eles os bastidores dos quadrinhos da era de ouro (ela nem mesmo cita a relação entre Marston e outros criadores de quadrinhos da época). Também a questão do bondage é abordada por cima, e apenas por seu reflexo nas histórias. Ainda assim, é um livro importante para entender essa que é uma das personagens mais importantes dos quadrinhos mundiais.