quinta-feira, maio 21, 2020

O ódio está no ar

A camisa que quase levou a uma agressão.

Durante anos, a grande imprensa encucou na cabeça de seus receptores um culpado para seus males: o comunismo. Comunismo não como uma doutrina baseada nas ideias de Marx, mas uma uma visão nebulosa, na qual tudo pode ser enquadrado. Assim, comunismo é tudo o que incomoda, tudo que deve ser odiado. E, claro, comunismo passa a ser, de acordo com essa narrativa, o culpado por todos os males.
Assim, a culpa da péssima qualidade da educação brasileira não é o salário de fome dos professores (que os obriga a trabalhar em várias escolas, com cargas horárias massacrantes, em turmas lotadas) ou da total falta de estrutura das escolas (a maioria das quais não tem nem mesmo biblioteca). A culpa é dos "professores comunistas" (e aqui, como sempre, o comunista é um guarda-chuva que serve para abarcar os mais variados tipos, incluindo quem ensina teoria da evolução). 
A culpa da crise econômica é da política do BNDES de bolsa-empresário, que emprestava dinheiro para empresários com juros baixíssimos em conjunto com isenções fiscais e, para cobrir o rombo, pegava dinheiro emprestado a juros altíssimos, provocando endividamento público e inflação? Claro que não, a culpa é do genérico "comunismo". A culpa da crise é da corrupção que campeia no meio político? Claro que não, a culpa é do genérico "comunismo". 
Comunismo passou a ser uma palavra genérica usada pela grande mídia para se referir a praticamente tudo... 
Essa estratégia, no, entanto, saiu do controle e uma ótima demonstração disso foi a fanática que invadiu o Congresso nacional e fez um vídeo dizendo que a bandeira do Japão era um exemplo do comunismo modificando nossa bandeira. Aliás, a própria invasão do congresso. Os manifestantes diziam que estavam ali para acabar não com a corrupção, mas com o comunismo (e, para eles, quase todos os deputados eram comunistas, do PSDB ao PT). O comunismo virou uma palavra tão genérica que é capaz de incluir até mesmo a bandeira do Japão. 
Essa narrativa criou o indivíduo que acredita que FHC é comunista, que a Veja é comunista, que Feliciano é comunista (sim, há memes circulando entre grupos de direita que afirmam isso). 
Então, não espanta, por exemplo, o grupo de extrema-direita atacando Caco Barcelos e comemorando no Facebook - para eles, a Globo é comunista. Não vai demorar para quem comecem a agredir jornalistas da Veja (e não faltará muito para que a sede da Abril seja invadida). 
Dois exemplos, mais pessoais. 
Dia desses estava na fila da panificadora e de repente um homem que se chegou antes, ficou fora da fila, enervou-se com uma moça que teria ocupado seu lugar. A moça simplesmente disse que ele podia ser atendido primeiro, mas ele começou gritar que ela era comunista. Só parou quando a esposa e filha chegaram e o puxaram para longe. Não havia qualquer indicação de que a moça fosse de fato comunista, mas na cabeça dele, ela era e por pouco isso não gerou uma agressão. 
Outro exemplo: quando visitei a Argentina, comprei uma camisa com um macaco de boina com a frase "Viva la evolucion". Achei bem sacada a anedota ao juntar uma sátira da famosa camisa de Chê com a teoria da evolução e o filme O planeta dos Macacos (vale lembrar, que não, a teoria da evolução não diz que viemos do Macaco, mas dentro de um contexto de paródia, a imagem funcionava). Dia desses quase fui agredido por um senhor que achava que eu era comunista por causa da camisa. Não adiantou muito explicar que era um paródia e que na verdade, a camisa fazia referência à teoria da evolução e ao Darwinismo. Na cabeça dele, eu era comunista. Aliás, percebe-se que a confusão entre darwinismo e marxismo é grande, principalmente em sites e páginas de direita. 
Durante algum tempo achei curioso e até risível. Costumava dizer que tinha meus bolsonetes de estimação e me divertia com essa visão de mundo absurda, em que tudo pode ser enquadrado em comunismo. 
Mas mudei de ideia. O que me parecia uma extravagância agora vejo que é uma doença social. Como ficou claro no caso do pai que matou o filho ou os diversos outros casos de agressão entre eles o cara que, vestido com uma camisa do Brasil, agrediu enfermeiros em Brasília. 

Em tempo: sobre a camisa, está devidamente guardada no armário, esperando por tempos menos sombrios. 

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