terça-feira, junho 16, 2020

Do inferno, de Alan Moore


Jack, o estripador é uma das figuras mais famosas da cultura pop. O psicopata que matou uma série de prostitutas no bairro pobre de Whitechapel no final do século XIX foi retratado em dezenas de livros, filmes e até quadrinhos. Assim, espantou a muitos quando Alan Moore, anunciou que faria sua própria versão da história. Àquela altura não parecia possível acrescentar mais nada à lenda do assassino.

Entretanto, Do Inferno, publicada em capítulos entre 1989 e 1996, com desenhos de Eddie Campbell, trouxe um olhar totalmente novo, revolucionário para a história.

O primeiro ponto relevante foi o detalhismo. Moore fez uma extensa pesquisa, e incluiu até mesmo referências bibliográficas ao final do capítulo. Todas as sequências são devidamente referenciadas e, quando ficção, isso é destacado no anexo.

O detalhismo da pesquisa se revela, por exemplo, na forma como é retratado o modo de vida das prostitutas. Lendo a história e o apêndice descobrimos, por exemplo, que a gíria inglesa para a genitália feminina, na Inglaterra vitoriana, era “Hairy-Ford-Shire”, um torcadilho com “Hartfordshire” e que o preço de uma rápida relação sexual era de três pêni. Geralmente o ato consumava-se de encontro a uma parede ou cerca, com ambos os envolvidos em pé, razão pela qual era chamado de “thrupenny uprght” (vertical três pêni). Como método anti-concepcional, a mulher retinha o membro do homem entre as coxas, evitando a penetração (claro que sem o conhecimento do cliente).

                Com um pagamento desses, dificilmente as moças conseguiam dinheiro o suficiente para uma cama e acabavam dormindo em bancos de madeira. Para evitar que caíssem, o dono do banco as amarrava e, no dia seguinte, desamarrava quando queria que elas fossem embora, provocando um verdadeiro desmoronar de mulheres.

Moore transformou a história numa investigação social, política, filosófica e mágica.

                Em Do Inferno, o capítulo que mostra a morte da primeira mulher em Whitchapel é também o que mostra a concepção de Hitler. De fato, pela data de seu nascimento, acredita-se que o futuro Füller teria sido concebido em agosto de 1888, mesmo mês do primeiro assassinato.

                A coincidência não é apenas curiosidade. Alan Moore usa o fato para embasar a idéia principal de sua obra: Jack, o estripador inaugurou o século XX.

Na história, ele Jack é o médico da família real, chamado pela Rainha para resolver um possível escândalo: o princípe engravidou uma moça e se casou com ela. O caso foi abafado, com a moça sendo internada em um asilo e submetida a uma lobotomia. Mas agora suas amigas prostitutas estão fazendo chantagem, ameaçando revelar o caso para a imprensa.

Ao invés de simplesmente matar as garotas, o médico resolve transformar os assassinatos num ritual de magia, criando um século tão frio e sanguinolento quanto ele. De fato, o século XX foi caracterizado por ditadores sanguinolentos, que fizeram do assassinato em massa uma arte.

Aliás, o capítulo em que Jack, na companhia de sua cocheiro, faz um passeio por Londres, dissertando sobre toda a magia envolvida na arquitetura da cidade, é um dos melhores da série – senão o melhor. Para escrevê-lo, Moore pesquisou tanto sobre magia que depois fez uma série exclusivamente sobre o assunto: Promethea.

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