Em 1943 Emília encasquetou de conhecer a história da América “auto-contadamente”. Queria ouvir a história da boca do vulcão Aconcagua!
Esse livro, que provavelmente se chamaria História da América para Crianças, nunca foi escrito por Lobato. Isso porque, além de pesquisar muito, o autor precisaria fazer uma viagem pela costa do Pacífico, beirando os Andes - um velho sonho. Não teve tempo. A partir de 1943 ele começou uma série de livros sobre os trabalhos de Hércules. E eram 12!
Depois precisou fazer uma viagem à Argentina para tratar da edição de seus livros por lá. Foi recebido como uma celebridade e ficou um ano naquele país. Voltou ao Brasil apenas em 1947. Nessa época seus livros já eram traduzidos para as mais variadas línguas, todos com muito sucesso, em especial os infantis.
Mas nem todo esse sucesso agradava tanto Lobato quanto as cartas que recebia de crianças.
Uma vez uma menina, desesperada com o pedantismo dos programas oficiais, escreveu-lhe, pedindo para que Dona Benta explicasse a “regência dos verbos mais freqüentes”. Lobato, que não sabia nada do assunto, foi obrigado a recorrer a uma gramática e estudou até que pudesse explicar de forma compreensível o ponto.
Certa vez um pai escreveu-lhe: “Com meus agradecimentos pela cartinha que o senhor mandou em resposta à do meu filho Lindenberg, dou-lhe notícia de que essa missiva está concorrendo enormemente para a cura do rapaz. Diz ele que ontem foi o dia mais feliz de sua vida”.
Em outra carta, uma moça dizia que reprimida por todos da família, refugiava-se no Sítio do Pica Pau Amarelo, único lugar em que era realmente livre. “Cartas assim constituem os verdadeiros prêmios que possa ter um escritor no fim da vida”, admitia Lobato.
E o escritor ia morrendo. “Sinto, às vezes, à noite, umas coisas que só posso definir como tentativas de fuga de um prisioneiro. Até agora todas as tentativas fracassaram, como têm fracassado todas as tentativas de fuga do Piantadino: mas de repente o consegue e os jornalistas no dia seguinte vêm com aquele trololó fúnebre: ‘Faleceu ontem, de síncope cardíaca o ilustre escritor Monteiro Lobato, um dos mais’, etc, etc, etc e lá vem toda a tropa de lugares comuns dos necrológios. Mas eu, o Ego que não morre porque não pode morrer, porque nada morre, nem o mais miserável átomo, estarei a rir da inópia dos jornalistas”.
Lobato nessa época já acreditava na teoria espírita da sobrevivência da alma. Mas e se não fosse assim? E se, ao invés da continuação da vida, a morte trouxesse a extinção total do ser? “Nesse caso, vis-ótimo! Entro já de cara no Nirvana, nas delícias do não-ser! De modo que me agrada muito o que vem aí: ou a continuação da vida, mas sem os órgãos já velhos e perros, cada dia com pior funcionamento, ou NADA!”.
No dia 28 de abril de 1948, 10 dias depois de seu aniversário, o escritor teve um espasmo vascular que deixou completamente cego. Pior dos martírios para um escritor: não podia ler uma única linha.
Melhorou algum tempo depois, mas não tinha mais ânimo para viver. Seus dois filhos homens, Edgard e Guilherme, haviam morrido. Acrescentava-se a isso o fato de ter sido preso. A morte ia se aproximando e Lobato a aceitava como um alvará de soltura.
“Adeus, Rangel! Nossa viagem a dois está chegando perto do fim. Continuaremos do além? Tenho planos logo que lá chegar, de contratar o Chico Xavier para psicógrafo particular, só meu - e a primeira comunicação vai ser dirigida justamente a você. Quero remover todas as tuas dúvidas”, escreveu ele ao amigo, poucos dias antes de morrer.
Lobato faleceu no dia 04 de julho de 1948. Ao que se saiba, Chico Xavier nunca recebeu qualquer mensagem do escritor...
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