sábado, outubro 31, 2020

A arte espacial de Jim Starlin

Jim Starlin é um dos mais importantes nomes dos quadrinhos norte-americanos. Integrante da geração hippie que revolucionou os quadrinhos Marvel na década de 1970, ele se tornou um especialista em sagas cósmicas. Seu trabalho com o Capitão Marvel e Warlock e o vilão Thanos serviram de base para diversas sagas da casa das ideias e para os filmes da Marvel - culminando com Vingadores - guerra secreta. Starlin também é autor de uma série autoral, Dreadstar, no qual aprofunda várias das discussões políticas e filosóficas de seus trabalhos anteriores.










As vidas de Chico Xavier


Chico Xavier é uma das figuras mais importantes e polêmicas do Brasil. Sua popularidade é tão grande que, mesmo depois de morto, continua levando milhares de pessoas para Uberlândia, transformando o turismo religioso na principal fonte de renda da cidade. Não admira, portanto, que a vida do médium fosse transformada em uma biografia.
Ainda assim, o jornalista Marcel Souto Maior teve que vencer vários obstáculos para escrever o livro “As vidas de Chico Xavier”. O primeiro deles veio dos próprios colegas jornalistas. “Chico Xavier? Não é o Chico Buarque, não? Chico Anysio? Chico Mendes?”, ironizavam os amigos do Jornal do Brasil.
Outro obstáculo filho adotivo de Chico, Euripedes. Preocupado com a saúde do pai e em preservá-lo, Euripedes não deixou o jornalista passar nem do portão. Ainda assim, Marcel insistiu: resolveu assistir a uma sessão no Centro Espírita da Prece, fundado por Chico muitos anos antes. Depois que o médium deixara de comparecer, o público minguara e eram apenas 14. Surpreendentemente, naquele dia, ele resolveu reaparecer, com um sorriso largo e um terno mal-ajambrado.
Cético, Marcel não soube explicar as lágrimas que começaram a desabar em borbotões de seu rosto, sem nenhuma razão especial.
Terminada a sessão, o jornalista procurou Chico para pedir autorização para a biografia. Chico respondeu de forma indireta, evitando a palavra não:
- Deus é que autoriza.
- E ele autoriza?
- Autoriza.
Mas a muralha de Euripedes ainda continuava existindo. O jeito foi apelar para o outro filho adotivo de Chico, Vivaldo, que mora nos fundos da casa do pai.  Quando o jornalista o visitava, Chico chamou o filho por um interruptor. Quando Vivaldo saiu, um calor insuportável tomou conta das mãos do jornalista. Sobressaltado, ele largou a caneta, saltou do sofá e correu para o quintal. Ficou lá, sacudindo as mãos na noite fria, até que Vivaldo aparecesse:
- Meu pai disse que sua biografia vai ser um sucesso. Parabéns!
O episódio mostra bem os mistérios e a mística por trás de Chico Xavier. Chico escreveu quase 400 livros, cartas de pessoas desencarnadas, virou celebridade nacional. No entanto, até o final da vida, viveu de forma modesta, sem grandes fortunas, sendo quase um prisioneiro de seu próprio sucesso.
O fato do livro ser escrito por um cético, mas que passou pelas duas experiências acima (do choro descontrolado e das mãos em fogo) faz com que ele tenha a abordagem correta, não caindo nem na armadilha de um livro doutrinário, nem na reportagem sensacionalista que o filho adotivo de Chico tanto temia.
O que se revela é uma figura ímpar, que angariou milhões de fãs no Brasil todo e igual número de detratores. Essa dualidade já se apresentava na infância do médium, quando ao ouvir que ele conversava com os espíritos, a madrinha dizia que ele tinha o diabo no corpo e lhe fincava garfos na barriga na tentativa de espantar o mal. Chico, convencido de que que conversar com espíritos era errado, tentava tudo para se curar. Chegou até a desfilar em uma procissão com uma pedra de 15 quilos na cabeça, repetindo mil vezes a ave-maria. Nada adiantava. Quanto mais rezava, mais via espíritos.
O livro nos revela um Chico sofredor, que não era compreendido na infância e apanhava por causa da mediunidade. Quando finalmente se tornou adulto, sofria com doenças, como a catarata que fazia seus olhos sangrarem. À noite, era atormentado por espíritos baixos, que lhe provocavam pesadelos em, alguns casos, tentavam matá-lo usando para isso pessoas com mediunidade. Ao se queixar com seu guia espiritual, Emmanuel, recebia reprimendas. Tinha que aceitar de bom grado tudo que lhe acontecia, pois servia para expiar culpas de outras encarnações. Quando se tornou uma figura famosa, sofria com o assédio, com pessoas que queriam falar com ele mesmo quando ele estava muito doente. Além disso, Chico nunca ganhou nada com isso, pois todo o dinheiro das vendas dos livros ia para instituições de caridade.
Sua missão espírita parecia mais um castigo do que um prêmio. Por outro lado, havia as tentações. Uma vez Chico entrou no banheiro e encontrou três mulheres tomando banho nuas, jogando água umas nas outras e rindo para ele, convidativas. O médium fechou os olhos e rezou. Quando os abriu, elas haviam desaparecido.
Abnegado, Chico usava a humildade para resistir aos sofrimentos e tentações do mundo. Dizia que era um Cisco Xavier, brincando com o próprio nome. Quando lhe disseram que talvez fosse eleito para a Academia Brasileira de Letras, ele perguntou: “E agora aceitavam cavalos lá?”.
Se a biografia revela esse lado humilde, abnegado e caridoso, revela também um homem carismático e divertido. Chico gostava de contar casos e gostava de rir. Uma vez, convidado pelos amigos a pescar, foi, mas não pescou nada. Passaram a tarde na beira do rio e os amigos pegaram muito peixe. De Chico não se aproximava nem lambari. Ele acabou confessando: não tinha colocado isca no anzol, para não incomodar os bichinhos. Ao ser assediado por uma figura demoníaca, que lhe perguntava se tinha sido chamada, ele saiu-se com essa: “É que a vida anda difícil e queria que o senhor me abençoasse em nome de Deus ou das forças que o senhor crê”. O diabo reclamou: “É só a gente aparecer que você já cai de joelhos!” e sumiu.
Em suma: As vidas de Chico Xavier é um livro que abarca as várias facetas dessa famosa personalidade, num livro leve e gostoso de ler. É tão fascinante que serviu de base para o filme de Daniel Filho sobre a vida do médium mineiro.

Informação relevante

 


“Como faço para conservar meu casamento?”; “De que maneira posso me tornar mais feliz?”; “O que posso fazer para que formigas não ataquem minhas flores?”; ”Que tipo de filme devo assistir no final de semana?”; "Qual o melhor local para viajar no final de semana?".
              Essas são perguntas que dificilmente serão respondidas consultando-se um catálogo de biblioteca. No entanto, são perguntas importantes para as pessoas. As respostas a essas perguntas fazem parte do universo relevante.
              Esse é o tipo de informação que não se encontra em bibliotecas ou na educação formal (muitas bibliotecas talvez contenham essas respostas, mas a organização dos catálogos, essencialmente classificadora, torna quase impossível encontra-las).
              Geralmente essas notícias são fornecidas por amigos ou conhecidos. Se quero viajar no final de semana e não sei para onde ir, é mais prático pedir sugestão a um amigo do que consultar uma biblioteca ou um site.
              O cérebro humano lida melhor com a informação relevante do que qualquer computador ou biblioteca. Para uma pessoa que viaja muito, lembrar-se de locais agradáveis é uma informação muito relevante e, portanto de fácil recuperação.
              Embora nossa cultura dê pouca importância ao universo relevante, ele é de grande importância.
              Na verdade, o universo classificador está tão entranhado em nosso pensamento que a própria divisão de informação classificador, relevante e relacional tem como base o universo classificador.
              Entrentanto, o desenvolvimento da inteligência artificial só pode ocorrer se for construída uma máquina capaz de processar os três tipos de informação.

Wolverine antes de se tornar Wolverine

O personagem Wolverine representou na Marvel o pior dos quadrinhos dos anos 1990, naquela que ficou conhecida como a Era Image. Houve uma história, por exemplo, que iniciava com três páginas duplas do Dentes de Sabre pulando sobre o carcaju. Seis página de pura enrolação e dentes rangendo. História, nenhuma.  
Mas antes de se tornar um personagem raso envolto em violência sem sentido, maus roteiros e páginas que eram pensadas como pôsteres para serem vendidas para colecionadores, antes disso, o Wolverine teve histórias memoráveis nas mãos de grandes mestres.
Um exemplo disso é a saga que estreou a revista do personagem na editora Abril. Publicada originalmente em 1988, na revista Marvel Comics Presents, a HQ em dez partes tinha roteiro de Chris Claremont, desenhos de John Buscema e arte-final de Klaus Jason.
À primeira vista, a arte de Buscema parece não se encaixar com o traço de Jason, famoso pela dupla com Frank Miller. Mas o arte-finalista dá uma força e um dinamismo para o traço do mestre Buscema que se encaixam perfeitamente no estilo da história, em especial nas splash pages que abrem cada parte da trama.
A história se passa na cidade fictícia de Madripoor, dominada por gangues e pela máfia e tem a ver com uma história anterior dos X-men. Mas é possível ler e gostar sem saber o que aconteceu antes na complicada cronologia mutante. A cidade está vivendo uma guerra pelo controle da máfia. De um lado, o chefão O´Donnell e seu campanga Punho de Lâmina. Do outro, um misterioso personagem chamado Tigre. O Wolverine acaba sendo pego no meio dessa disputa e é preso ao se deparar com uma mutante vampira, que suga sua essência vital, deixando-o totalmente à mercê de seus inimigos.
Claremont sempre foi um bom roteirista, mas costuma abusar do tom novelesco, do excesso de texto e da cronologia mirabolante. A história não tem nenhum desses defeitos. Claremont estabelece bem a tipologia de fala do personagem, coloquial e cheia de gírais, que fica explícita na narrativa em off.
No final, tudo, desenhos, arte-final e texto, tudo se encaixa perfeitamente.  
A Abril ainda fez uma capa em alto relevo, com o personagem pulando na direção do leitor com suas garras em posição. Como diz a capa, edição de colecionador.

Groo amigos e inimigos


 Groo é um dos melhores quadrinhos de humor de todos os tempos. Criado por Sérgio Aragonés (com textos de Mark Evanier), o título é garantia absoluta de boas gargalhadas. Os dois volumes de Groo – amigos e inimigos, lançados pela Mythos em 2017, são ótimos exemplos disso.

Os álbuns apresentam encontros do aparvalhado bárbaro com alguns dos seus principais inimigos (que são muitos) e amigos (que são poucos).

A primeira historia do segundo volume mostra a irmã de Groo, a rainha Grooella, às voltas com um rei vizinho em uma guerra de cartas. A troca de ofensas extrapola o razoável quando o rei diz que Grooella é parente do Groo, uma ofensa tão grande que faz com que ela convoque imediatamente seu exército e o mande ao combate. Só que é um estratagema: a ideia é aproveitar que o castelo está desprotegido e tomá-lo. No caminho as forças de Groella encontram Groo, que se se põe a atacar os soldados até se informado que aquele é o exército de sua irmã, o que faz com que e ingresse em suas fileiras, para desespero de todos. Um dos soldados resume a situação: “Nem sei o que é pior”. Claro que no final, Grooela se dá muito mal, o que não poderia ser diferente para quem tem Groo como aliado.



Em outra história, Groo encontra o Sábio, que pretende resolver o problema de aldeões, que pagam um caro pedágio para atravessar uma ponte. Eles poderiam construir uma outra ponte, mas o rei com certeza a destruiria antes que estivesse pronta. Tudo parece se resolver quando chega Groo. Nenhum soldado seria louco de atacar a ponte guardada por ele. Mas o que parece a solução vira um desastre absoluto.

Mas talvez a melhor história seja a última, como Tecelão, uma espécie de jornalista, que conta as proezas de Groo. Precisando de mais relatos, ele passa a seguir o errante, pronto para narrar os desastres provocados por ele. Mas acontece o oposto: nunca há nenhum desastre produzido por Groo pela simples razão de que, sempre que ele se aproxima de uma aldeia, os próprios aldeões colocam fogo nela para evitar que Groo destrua o local: “Se nós mesmos incendiarmos tudo, ele será obrigado a fugir... e talvez não tenha tempo de ceifar nenhuma vida”, explica um aldeão. A história guarda ainda uma fina ironia: sempre que o Tecelão resolve mentir em suas crônicas, ele acaba contando, involuntariamente, exatamente o que aconteceu.

Groo – amigos e inimigos é um ótimo exemplo de que Groo não é só engraçado. É também humor altamente inteligente.

sexta-feira, outubro 30, 2020

Fundo do baú - Betty Boop


Todo mundo conhece Betty Boop. Ela está em todos os lugares: camisas, bolsas, acessórios femininos. Mas poucos sabem que a personagem, surgida na década de 1930 causou furor na sociedade americana e chegou a ser proibida pela censura.
A personagem foi criada por criada por Max Fleischer e Grim Natwick e estreou no cinema em um curta metragem, em 1930. Nessa época ela era uma cachorrinha coadjuvante do cachorro Bimbo. A inspiração era a cantora Helen Kane, conhecida por seu rosto engraçado e voz esganiçada.
Logo Betty começou a fazer mais sucesso que o protagonista Bimbo e surgiu a ideia de fazer desenhos tendo ela como protagonista, mas transformada em humana. As orelhas foram trocadas por argolas douradas, os olhos ficaram grandes e ganharam pestanas e ela passou a usar um vestido curto mostrando a liga. Na nova versão ela era dançarina de cabaré. Era uma mulher sensual, independente, que tinha um namorado novo a cada episódio e vários pretendes. O sucesso foi imediato. Foram mais de 100 animações com a coquete.
Isso, claro, chamou a atenção da censura. Para evitar que seus desenhos fossem proibidos, os criadores a vestiram da cabeça aos pés, mas não adiantou muito: em 1939 o Comitê Moralizador vetou novos desenhos com a personagem.
A partir daí ela continuou fazendo aparições ocasionais em outros desenhos, uma delas foi em Uma cilada para Roger Rabitt, de 1988.  
É possível ver alguns de seus desenhos no Youtube. 

Ágora, a história de Hipátia


Ágora é um filme de 2009, Alejandro Amenábar, sobre a filósofa Hipátia, uma das mentes mais brilhantes de sua época e que acabou morrendo nas mãos dos cristãos depois de ter sido torturada e humilhada por eles.          
A película permite uma reflexão sobre vários assuntos e torna-se, desde já, grande candidato a ser exibido em aulas de história e filosofia, à semelhança de O nome da Rosa. 
Além das questões filosóficas levantadas no filme (curioso ver os filósofos discutindo o sistema de Ptolomeu em que os planetas tinham uma órbita em torno da terra e uma outra órbita em torno de si mesmos), há as questões teológicas e históricas.
Os cristãos daquela época eram o equivalente hoje dos fanáticos islâmicos. A destruição da Biblioteca de Alexandria pelos cristãos foi um crime contra humanidade equivalente ou até maior que a destruição do World Trade Center. Em termos culturais, maior, pois muito do conhecimento acumulado à época se perdeu. Na cena, Amenábar simplesmente inverte a câmera para mostrar que o mundo virou de cabeça para baixo.
O mais triste é perceber que as lições de Ágora ainda não foram aprendidas.


Ps: Quem me apresentou esse filme foi um ex-amigo, que virou bolsonarista e hoje em dia diz que a Hipátia era comunista e que esse filme é marxismo cultural. Se a filósofa voltasse hoje em dia, tenho certeza de que ele seria um dos que ajudariam a matá-la, rasgando-a com conchas e chamando-a de comunista. 

Homem-aranha – caído entre os mortos



Homem-aranha – caído entre os mortos é o primeiro volume da coleção Salvat dedicada exclusivamente ao aracnídeo. Com roteiro de Mark Millar e desenhos de Terry Dodson e Frank Cho, a HQ fazia parte da linha Marvel knights, o selo criado por Joe  no final dos anos 1990.
Caído entre os mortos tem todas as qualidades e defeitos das histórias de Mark Millar: ação initerrupta, cortes rápidos, leitura fluída. No meio de tudo isso, pouco tempo para aprofundar os personagens.
A trama é interessante: Tia May é sequestrada por alguém que sabe a identidade do Homem-aranha. Na ânsia de encontra-la, o herói percorre a cidade, procurando ajuda (os Vingadores, a Gata Negra) ou verificando com vilões. É uma corrida alucinante e aparentemente às cegas. Uma corrida cujo resultado pode ser a vida ou a morte da Tia May. Um plot bem escolhido para o estilo narrativo de Millar.
Embora seja muito incensado no texto final do volume, não gostei do desenho de Terry Dodson, preferindo claramente a parte desenhada por Frank Cho.
Agora o aspecto realmente negativo: a história para no meio e só continua em no volume 6 da coleção, Herói da resistência. É frustrante especialmente porque não há qualquer aviso na capa de a história está incompleta (e que continua cinco volumes depois).  

Monstro do Pântano – lição de anatomia

 


Em 1984 Len Wein contratou o desconhecido escritor britânico Alan Moore para assumir o personagem Monstro do Pântano, que ele havia criado na década de 1970. O título estava ladeira abaixo e provavelmente seria cancelado, portanto o risco era pequeno para a DC Comics.

Alan Moore iniciou no título em Swamp Thing 20, terminando um arco de outro roteirista. A primeira história com a sua versão do personagem seria publicada no número 21. Intitulada “Lição de anatomia” e com desenhos de Stephen Bissette e John Totleben, a história revolucionou os quadrinhos de terror e mudou para sempre o mercado de quadrinhos.



O leitor percebia que estava diante de algo diferente desde a primeira página. Nela Jason Woodrue, o Homem florônico, está na janela de seu apartamento pensando nos acontecimentos que o levaram a conhecer o Monstro do Pântano. Ele pensa no velho que o contratou para dissecar a criatura e descobrir como a fórmula biorestauradora conseguiu transformar um homem normal no poderoso Monstro do Pântano: “Ele vai bater no vidro. Se não agora, daqui a pouco. De qualquer forma, vai bater, e... será que vai haver sangue? Torço para que haja. Muito sangue. Um volume formidável de sangue”. E o desenho mostra o velho de fato batendo no vidro do laboratório) que se confunde com o vidro do apartamento, com a água da chuva escorrendo como se fosse sangue. O título vinha logo abaixo, ocupando um terço da página e era uma referência direta ao cartaz do filme Anatomia de um crime, de Otto Preminger, com o texto vindo sobre partes de um corpo.

Nas histórias anteriores, o Monstro do Pântano havia sido morto a tiros pela Corporação Sunderland e seu corpo mantindo congelado. O “velho” Sunderland quer que Woodrue disseque o cadáver para descobrir seus segredos.

Mas parece tudo parece inverossímil: embora o monstro tenha coração, pulmão e até cérebro, nada disso parece ter função real. Além disso, a fórmula biorestauradora havia sido produzida para plantas e não deveria ser capaz de afetar tecido humano. “Era mais do que se poderia esperar que uma mente humana desvendasse”, diz o Homem-florônico “Em seis semanas achei a resposta”.

A resposta estava diretamente relacionada com as planárias, vermes que tinham a característica de ser renegerar quando cortadas. Cientistas ensinaram uma planária a percorrer um labirinto e depois a cortaram em pedaços e deram para outras comerem... e as canibais aprenderam a percorrer o labirinto (a experiência é real).

E era isso que tinha acontecido com Alec Holland. Quando seu laboratório explodira, ele mergulhara no pântano e fora devorado pelos micro-organismos do local, alterados pela fórmula biorestauradora. Essas plantas assimilaram a personalidade e a inteligência  de Holland e de posse dessas informações, simularam um corpo humano usando o material vegetal disponível. O Monstro do Pântano, que em todas as histórias anteriores tinha como principal motivação o desejo de voltar a ser humano, era na verdade uma planta que se esforçou ao máximo para parecer um ser humano. A implicação óbvia disso é que não se pode matar uma planta atirando nela.

Moore constrói a trama com maestria, dando um toque de suspense à história e, ao mesmo tempo, construindo a base do que viria a fazer com o personagem, inclusive modificando sua aparência para algo mais vegetal. Stephen Bissette e John Totleben foram primorosos no desenho, com a diagramação nada convencional, com quadrinhos distorcidos, imagens que vazam pela página um traço sujo, repleto de hachuras, perfeitos para uma história de terror.

O processo de produção da Turma da Tribo

Turma da Tribo é um projeto meu, selecionado no edital de Literatura Simãozinho Sonhador, com desenhos de Ricardo Manhães.
Desde que começamos a divulgar imagens do gibi, algumas pessoas têm me perguntado como te sido o processo de produção. O objetivo deste artigo é justamente responder a essa pergunta.
Tudo começa, claro, com a elaboração de personagens e ambientação. Tenho inveja de quem diz que cria rapidamente. Para mim esse processo costuma ser demorado e trabalhoso, assim como a elaboração da sinopse. É normal que eu escreva e reescreva nessa fase. No primeiro tratamento da Turma da Tribo, por exemplo, a história se passava no Brasil colonial. Desisti dessa abordagem porque ela não me permitiria tratar de temas contemporâneos, como os madereiros, tema do primeiro gibi. Da mesma forma, alguns personagens passaram por mudanças e até mesmo mudaram de nome. Como uma das referência era Asterix, eu procurei nomes tivessem uma pitada de trocadilho, como Toró, personagem musculoso cujo remete a chuva forte.
Eu aumento ou diminuo o nível de detalhes do meu roteiro de acordo com o desenhista. Com iniciantes costumo ser mais detalhista. Como eu sabia que o desenho seria do Ricardo Manhães, um veterano do quadrinho europeu, fiz um roteiro bem minimalista, até porque durante todo o processo de produção trocamos vários e-mails e fizemos várias mudanças, tanto nos desenhos quanto no texto. Reparem, por exemplo, que na primeira página mudamos a legenda do último quadro para evitar a palavra "inventor", já que "inventar" já havia aparecido antes no mesmo quadro.
Feito o roteiro, o Ricardo faz, à mão, o lápis, depois a arte-final (tinta preta) e finalmente a cor no computador.
Confira abaixo o roteiro e as páginas.


Página 1

Quadro 01 – Plano geral da tribo, lembrando aquelas imagens de abertura dos álbuns de Asterix. Título e créditos neste quadro.
Texto: Esta é a aldeia dos cunani. É uma aldeia muito diferente, com personagens muito interessantes.
Texto: Vamos dar uma olhadinha neles.

Quadro 03 – Abaeté, todo orgulhoso, estufando o peito. Ao lado dele, entrando no quadro, vemos Baquara.
Texto: Este é Abaeté, o chefe da tribo. Um homem honrado, de palavra.
Abaeté: Pode escrever. Sou um homem de palavra! Minhas palavras.

Quadro 04 – Baquara entrou no quadro e agora divide atenção com o chefe. Ele começa a escrever palavras num papel.
Baquara: Tive uma ótima idéia! Vou inventar a escrita invisível!
Texto: Este é Baquara, o inventor da tribo, e filho do chefe.


quinta-feira, outubro 29, 2020

Roberto Carlos - Todos Estão Surdos

Direto da estante: Aventura e Ficção

Aventura e ficção foi uma revista da editora Abril publicada entre 1986 e 1990, durando 21 números. Era uma revista mix de ficção científica, fantasia e aventura com histórias curtas em preto e branco. Inicialmente usavam material das revistas americanas Marvel Preview, Bizarre adventures e savage tales. Com o tempo, começou a publicar material europeu e até nacional. A galeria de artistas e roteiristas que passaram pela Aventura e Ficção é impressionante: Frank Miller, Joh Byrne, John Buscema, Milo Manara, Michael Golden, Mozart Couto, José Ortiz. Mike Deodato. Foi uma das publicações de quadrinhos obrigatórias no final dos anos 1980.

Fahrenheit 451 - o filme



Finalmente assisti ao filme Fahrenheit 451, de François Truffaut, baseado na obra de Ray Bradbury (comprei por 12 reais no Submarino). O livro é uma das minhas obras prediletas e tinha muita curiosidade de ver o filme, já que o texto de Bradbury é muito poético, difícil mesmo de transpor para as telas.
Para quem não sabe, Fahrenheit é sobre uma sociedade na qual é proibido ler. Como as casas agora são à prova de fogo, a função dos bombeiros é queimar os livros. O personagem principal é justamente um bombeiro, Montag, que, perigosamente, começa a se interessar pelos livros que queima.
Há toda uma contextualização para a obra. Bradbury viu o movimento marcathista nos EUA, em que livros de escritores tidos como de esquerda eram queimados em praça pública. Viu também a perseguição aos quadrinhos, em especial à editora EC Comics, com a qual ele colaborava, perseguição que começou com queima de gibis em praça pública e terminou com a criação de um código que engessou os comics americanos. Bradbury também odiava a televisão, um aparelho que, na sua opinião, deixava as pessoas ocas, incapazes de refletir, em um estado de felicidade vazia e conformista.
Farenheit é um resultado de tudo isso: da perseguição aos livros e quadrinhos e da emergência da TV como mídia de massa.
Para além do conteúdo, o livro prende pela narrativa extremanete poética. Bradbury é um daqueles escritores que prendem mesmo que não estejam contando nada, de tão gostoso é seu texto.
Truffaut conseguiu o que parecia impossível: fez uma bela adaptação de uma obra quase inadaptável. Fez muitas mudanças, mas todas necessárias e adequadas ao espírito da obra original. Por exemplo, no livro há um cachorro mecânico com o qual Mantag tem problemas quando começa a se interessar por livros. Sem contar com os efeitos necessários, Truffaut fez Montag ter problemas com a barra pela qual os bombeiros descem. Do ponto de vista metafórico ficou ainda melhor, já que a cena indica que ele já não é mais um bombeiro.
O cineasta também aproveita para fazer uma homenagem a grandes obras da literatura. Aparece até mesmo uma MAD sendo queimada, numa referência direta à perseguição aos quadrinhos da EC Comics. Em outro momento, ele faz uma homenagem a Crônicas Marcianas, outro grande livro de Bradbury.
Ou seja: um filme de cabeceira.
Uma questão interessante, levantada pelo filme é: se você pudesse ser um livro, se você pudesse decorar um livro para guardá-lo para a posteridade, que livro você seria?
Eu adoro muitos livros, mas provavelmente seria O nome da Rosa, uma obra que reúne o que há de melhor em muitas outras obras que aprecio.

A máquina do tempo, de H.G. Wells


H.G. Wells foi um dos maiores gênios da ficção científica. Ele antecipou alguns dos principais temas do gênero, entre eles a viagem no tempo.

Escrito em 1895, o livro de Wells pode não ter sido o primeiro sobre viagens no tempo, mas certamente foi o primeiro a mostrar isso sob ação de uma máquina, que poderia ser controlada por um ser humano.

O livro começa, aliás, como uma discussão científica. O protagonista (simplesmente chamado de Viajante do Tempo) explica que todo objeto é normalmente visto como existente na altura, largura e profundidade, as três dimensões. Mas ele também existe no tempo, a quarta dimensão. E levanta a hipótese de que, da mesma forma que é possível viajar no espaço, também seja possível viajar pela quarta dimensão. E mostra para sua plateia o protótipo de um mecanismo, que desaparece ao ser acionado.

Tempos depois, o narrador volta à casa do Viajante do Tempo, que aparece totalmente andrajoso e, após tomar um banho, se vestir com roupas novas e comer, finalmente conta sua história.

Ele teria viajado no tempo, até o ano de 802701, uma era em que a humanidade havia sido completamente transformada (inteligente, Wells situou sua história muitos séculos além de sua época).

A engenhosa descrição da própria viagem em si já vale o volume: “A imagem ofuscada do laboratório pareceu sumir, e vi o sol saltando com rapidez pelo céu, pulando a cada minuto e cada minuto marcava um dia (...) A lesma mais lenta que já se arrastou corria muito rápido para mim”.

Mas o que é narrado após a chegada ao ano de 802701 é uma história empolgante que envolve mistério, ação, suspense, entremeados com várias reflexões filosóficas.

O que o viajante encontra no futuro são pessoas pequenas e bonitas, mas frágeis, os eloi, que vivem vidas despreocupadas, de puro prazer, comendo apenas frutas e aparentemente incapazes de manusear qualquer mecanismo. Além disso, são indivíduos preguiçosos, que cansam muito rápido. Quando uma das mulheres se afoga no rio, ninguém faz o menor esforço de tentar salvá-la e cabe ao viajante do tempo essa incumbência – o que gera um bizarro interesse romântico, já que Weena é mostrada praticamente como uma criança em sua alegria despreocupada.

Mas, se o mundo da superfície é povoado pelos belos e frágeis eloi, no subterrâneo viem os Morlock, uma raça de seres repugnantes de pele branca.

A explicação dada por Wells ecoa uma forte crítica social: à certa altura a classe dominante se estabelecera na superfície, relegante as galerias subterrâneas para a classe trabalhadora, que produzia tudo o necessário para a burguesia em diversas máquinas. Mas a evolução fez com que os operários se tornassem seres totalmente noturnos e, numa curiosa inversão, passassem a se alimentar dois eloi, mostrados como gado que vive alegremente e engorda para finalmente ser devorado.

Wells reflete que esse modelo de sociedade tirou das classes dominantes qualquer traço de inteligência, pois a inteligência e a inventividade são originárias da necessidade. Séculos de uma vida de puro prazer fez com que os seres da superfície perdessem até mesmo a capacidade de ler.

A máquina do tempo mistura essa crítica social e reflexão filosófica com uma trama muito bem elaborada e repleta de ação e suspense – uma vez que a máquina do tempo é roubada, ameaçando deixar o viajante preso para sempre no futuro. É um verdadeiro triller, que deixa o leitor primeiro curioso para entender o que está acontecendo e depois tentando imaginar como o Viajante conseguirá se salvar.

Um clássico absoluto em pouco mais de 100 páginas.   

Dia nacional do livro

Hoje é o Dia Nacional do livro. 
Para comemorar, a lista dos 100 livros que considero essenciais. 
Fiquei tentado a colocar quadrinhos, mas preferi fazer uma lista só de HQs, que sairá em breve.


1.     História do mundo para crianças, de Monteiro Lobato

2.     Urupês, de Monteiro Lobato

3.     1984, de George Orwell

4.     Farenheit 451, de Ray Bradbury

5.     Admirável mundo novo, de Adous Huxley

6.     Robison Crusué, de Daniel Defoe

7.     As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift

8.     O nome da rosa, de Umberto Eco

9.     O último mamífero do Martinelli, de Marcos Rey
10.   As aventuras de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle

11.   Fundação, de Isaac Asimov
12.   Os pilares da terra, de Ken Follett
13.   Guerra dos mundos, de H. G. Welles
14.   Guerra dos tronos, de George Martin
15.   Eu robô, de Isaac Asimov

16.   Crônicas Marcianas, de Ray Bradbury
17.   O caso dos dez negrinhos, de Agatha christie
18.   O Aleph, Jorge Luis Borges 
19.   Um Estudo em Vermelho, Arthur Conan Doyle
20.   O Homem Ilustrado, Ray Bradbury

21.   Viagem ao centro da terra, de Julio Verne
22.   Histórias Extraordinárias, Edgar Allan Poe
23.   À espera de um milagre, de Stephen King
24.   Cemitério, de Stephen King
25.   Quatro estações, de Stephen King

26.   Um conto de duas cidades, de Charles Dickens
27.   Revolução dos bichos, de George Orwell
28.   Noites na Taverna, Álvares de Azevedo
29.   O Relato de Arthur Gordon Pym, Edgar Allan Poe
30.   A Ilha do Dia Anterior, Umberto Eco
31.   Eu Sou a Lenda, Richard Matheson
32.   Assassinato no Expresso do Oriente, Agatha Christie
33.   Elefantes não esquecem, de Agatha Christie
34.   O espião pacifista, de Donald Westlake
35.   Safra vermelha, de Dashiell Hammett
36.   O sequestro do metrô, de John Godey

37.   Carrie, de Stephen King
38.   O cair da noite, de Isaac Asimov
39.   A máquina do tempo, de H. G. Wells
40.   Conto de Natal, de Charles Dickens
41.   Operação cavalo de troia, de J.J. Benitez
42.   O hobbit, de J.R.R. Tolkien
43.   O chamado de Cthulhu, de H.P. Lovecraft

44.   As crônicas de Narnia, de C.S. Lewis
45.   O mistério do cinco estrelas, de Marcos Rey
46.   As aventuras de Xisto, de Lúcia Machado de Almeida
47.   O capote, de Nicolai Gógol
48.   O Nariz, de Nicolai Gógol
49.   Medo e delírio em Las Vegas, de Hunter Thompson
50.   Oliver Twist, de Charles Dickens
51.   O homem que queria ser rei, de Rudyard Kipling
52.   A reforma da natureza, de Monteiro Lobato
53.   A voz do fogo, de Alan Moore
54.   Fumaça e espelhos, de Neil Gaiman
55.   A caminho de Wigan, de George Orwell
56.   O cortiço, de Aluisio Azevedo

57.   História universal da infâmia, Jorge Luís Borges
58.   Cidades Mortas, de Monteiro Lobato
59.   Na pior em Paris e Londres, de George Orwell

60.   Tao te King, de Lao Tse
61.   Tudo é eventual, de Stephen King
62.   Bhagavad gita
63.   A ilha do Dr. Moureau, de H.G. Wells
64.   Perry Rhodan (série alemã de ficção-científica), vários autores
65.   O fim da eternidade, de Isaac Asimov
66.   O perfume, de Patrick Suskind
67.   A magia de Holy Wood, de Terry Pratchett
68.   O longo adeus, de Raymond Chandler
69.   Os crimes ABC, de Agatha Christie
70.   As dez torres de sangue, Carlos Orsi Martinho
71.   Magos, antologia organizada por Isaac Asimov
72.   Cinco semanas em um balão, de Julio Verne
73.   Da terra à lua, de Julio Verne
74.   O país das peles, de Julio Verne
75.   Blecaute, de Marcelo Rubens Paiva
76.   O cão da meia-noite, de Marcos Rey
77.   O falcão maltês, de Dashiell Hammett
78.   Histórias alegres, contos de Mark Twain
79.   Fantoches, de Marcos Rey
80.   Congo, de Michael Crichton
81.   Os frutos dourados do sol, de Ray Bradbury
82.   O crime do Padre Amaro, de Eça de Queiroz
83.   Ivanhoé, de Walter Scott
84.  Um estranho em uma terra estranha, de Robert Heinlein
85.  O lobo do mar, de Jack London
86.   O mundo de Sofia, de Jostein Gaarder
87.   O coração das trevas, de Joseph Conrad
88.   A incendiária, de Stephen King
89.   O cão de Baskervilles, de Conan Doyle
90.   Frankstein, de Mary Shelley
91.   O cemitério, de Stephen King
92.   O incrível homem que encolheu, de Richard Matheson
93.   Realidades adaptadas –de Philip K. Dick
94.   Horror em Dunwich, de HP Lovecraft
95.   Ubik, de Philip K. Dick
96.   Rashômon e outros contos, de Ryūnosuke Akutagawa
97.   Zona Morta, de Stephen King
98.   O rapto do garoto de ouro, de Marcos Rey
99.   Mundo sem fim, de Ken Follett
100. Dinheiro do céu, de Marcos Rey