quinta-feira, novembro 05, 2020

Nova York, de Will Eisner

 


Existem obras tão fundamentais para se compreender a linguagem dos quadrinhos que se transformam em verdadeiras aulas de quadrinhos. Exemplo disso é o álbum Nova York – a vida na grande cidade, de Will Eisner.
O álbum reúne anotações do artista sobre a metrópole e as histórias geradas a partir dessas observações. Nesse sentido a capa, com Eisner desenhando uma multidão é a perfeita síntese da obra.
Eisner não foi só um dos primeiros a refletirem sobre a linguagem característica da nona arte – foi uma das pessoas que estabeleceram essa linguagem e isso fica implícito nas 439 páginas do álbum. Está tudo ali: elipses, tempo narrativo, diálogos, o desenho contando por si só a história, plots e reviravoltas, estudos de personagens. Aliás, a própria metodologia do livro é uma lição: não há nada melhor para criar quadrinhos do que observar o mundo à nossa volta e usar a imaginação para complementar aquilo que não podemos ver.
O livro é dividido em quatro capítulos: Nova York, a grande cidade; O Edifício; Caderno de tipos urbanos e Pessoas invisíveis.
O primeiro capítulo é dedicado às observações de cenários da cidade e o exercício criativo resultante delas. Em um desses exercícios, Eisner desenha um bueiro e imagina todas os dramas possíveis que poderiam ser protagonizados por esse cenário: a prostituta que joga ali um anel de noivado, o homem que perde uma moeda, o assaltante que se livra da faca, uma mulher que perde ali a chave do apartamento no qual vai se encontrar com o amante e, finalmente, os garotos que tentam resgatar esses tesouros.
Outros cenários vão se sucedendo, cada um com suas histórias e dramas: uma escadaria, o metrô, uma lata de lixo.
O Edífício é provavelmente a parte do livro mais conhecida no Brasil, pois essa parte foi separada e publicada pela editora Abril na coleção Graphic Novel. A história gira em torno de um prédio no cruzamento de duas ruas de Nova York e as histórias que se cruzam com a história do edifício.
A história começa com o local sendo derrubado e substituído por um prédio moderno e os fantasmas de quatro pessoas. Se o capítulo anterior é um ótimo exemplo de exercício criativo, este é uma aula de roteiro: Eisner narra a história de cada um desses fantasmas e amarra seus dramas ao próprio edífício, fazendo com que essas diversas tramas paralelas convirjam no final.
Caderno de tipos urbanos é o que o próprio nome diz: uma galeria de tipos de observações de comportamentos, um verdadeiro exercício antropológico. Eisner observa, por exemplo, que o espaço urbano parece afetar a concentração e o contato visual entre as pessoas, fazendo que até mesmo o tema mais pesado e sério pareça uma conversa casual.
Nessa verdadeira obra-prima de quase 500 páginas, Pessoas invisíveis se destaca, em especial a história Santuário. A HQ narra o drama de Pincus Pleatnik, um homem tão invisível que, quando o jornal por engando publica a informação de que ele morreu, todos passam a acreditar que ele de fato está morto.

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