quarta-feira, fevereiro 24, 2021

A ideia que governa o mundo

 

Gottfried von Leibniz foi um dos maiores gênios do século XVII. Ele se movia com facilidade pela matemática, filosofia e direito. Além disso, ele se envolveu em projetos de prensa hidráulica, horticultura e construção de moinhos de vento. Mas Leibniz acalentava um projeto especial: criar uma enciclopédia que contivesse todos os conceitos humanos. Ele acreditava que, por mais que pudesse haver muitos conceitos complexos, a quantidade de conceitos simples deveria ser pequena. E, se existe um número finito de conceitos simples, deve haver no pensamento um princípio de organização, que orquestre o modo como são combinados. No final, o filósofo concluiu que existem apenas dois conceitos simples: Deus e o Nada. A partir desses dois, todos os outros poderiam ser construídos. Gottfried von Leibniz foi um dos maiores gênios do século XVII.

A idéia, que parece uma maluquice de um pensador que já deveria estar no hospício muito antes de formular seu sistema filosófico, é, na verdade, um dos mais úteis instrumentos da atualidade. Sem ela, nem eu estaria escrevendo este texto em um computador, nem você o estaria lendo pela internet. Os conceitos de Deus e Nada de Leibniz são a base do 0 e 1, a linguagem binária usada pelos computadores digitais. Toda informação que adentra um computador, por mais complexa que seja, é transformada em uma série de 0 e 1, ou Deus e Nada.

Leibniz foi, portanto, o avô do algoritmo, um sistema lógico que tornou possível os computadores. É a história da criação do algoritmos que David Berlinsk, professor norte-americano de lógica, conta em O Advento do Algoritmo.

O livro pode parecer um volume hermético, de interesse único dos viciados em matemática, lógica e computadores, mas não é. Berlinski tem uma linguagem simples e um jeito muito divertido de falar de coisas complicadas. Além disso, ele é um tanto poético, às vezes exageradamente poético. Ao falar da lógica aristotélica, ele se refere à decadência do Império romano da seguinte forma: "A cultura brilhante e única dos gregos antigos se exauriu quando o sol ainda brilhava. Os bárbaros começaram a vagar pelas margens rotas e esfarrapadas do Império Romano".

O livro tem momentos exclusivamente literários, como aquele sobre um homem que vendia sonhos, colocado ali para nos fazer ver que sonhar com a verdade pode ter um preço muito caro.

Um preço muito caro pagou o lógico inglês Alan Turing, que se suicidou comendo uma maçã envenenada.

Turing percebeu que muitas vezes seres humanos faziam trabalhos mecânicos, que podiam perfeitamente ser feitos por um computador e imaginou uma máquina capaz de realizá-los. Ele partiu da idéia de Leibniz, de que conceitos complexos podem ser expressos através de conceitos simples. Ou seja, todas as coisas poderiam ser expressas através de dois símbolos, 0 e 1. Ou melhor, um, pois o 0 é a ausência de símbolo.

O computador de Turing teria uma fita infinitamente longa dividida em quadrados. Teria também um mecanismo de leitura que poderia realizar três operações: 1) ler os símbolos nos quadrados; 2) mover-se pelos quadrados, de acordo com uma programação; 3) imprimir símbolos nos quadrados.

Um exemplo simples e, ao mesmo tempo, maravilhoso de utilização da máquina de Turing é a soma 1 + 1. O número 1 é expresso através de dois símbolos, 11. O espaço em branco representa o sinal de somatória. Assim, 1+1 seria expresso da seguinte maneira: 11 espaço 11. A seguir, basta dar uma programação à máquina.

A programação é a seguinte:

A leitura se move para a direita até encontrar um espaço vazio e, então, imprime 1.

Os sinais, que eram 11 11, ficam 11111.

A seguir ela se move novamente para a direita até encontra um espaço em branco, sinal de que agora ela deve se mover para a esquerda e, ao invés de imprimir, deve apagar os dois primeiros da esquerda e, então, parar. O símbolo resultante é 111, justamente o símbolo do número dois.

Simples e extremamente eficiente.

O método proposto por Turing permite que computadores possam processar qualquer informação usando apenas o Deus e o Nada.

Só por nos mostrar que idéia aparentemente sem nenhuma utilidade prática podem se tornar extremamente importantes (e, de certa forma, governar o mundo), o livro de Berlinski já valeria a pena. Como se isso não bastasse, a editora Globo fez um belo trabalho gráfico, com uma capa belíssima e uma encadernação de primeira. Dá gosto de ler.

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