Ao escrever um roteiro para quadrinhos, primeira coisa que você deve ter em mente é que um roteiro vai ser lido por
alguém. Para ser mais exato, o seu roteiro será lido por um desenhista. E,
creia-me, os desenhistas não costumam ser leitores vorazes. Assim, seu texto
deverá ser objetivo. Eu disse objetivo, não seco. Lembre-se, ele deve ser agradável. Se for
possível contar uma piadinha que esclareça o quadro, conte. Se você tiver um
objetivo com o quadro, coloque isso no roteiro. Se você quer que o quadro
lembre uma obra famosa da pintura, não pode esperar que o desenhista advinhe
isso.
Toda
informação é importante para esclarecer o desenhista quanto ao caminho que ele
deverá seguir.
Dito
isso, passemos ao roteiro em si.
O
essencial nesse tipo de coisa é que deverá haver uma parte destinada à
descrição do quadro, e uma parte destinada ao texto e aos diálogos. Você pode
fazer o roteiro em T: pegue uma folha de papel, divida-a no meio e coloque, do
lado esquerdo, as descrições, e do lado direito as falas dos personagens, além
da narrativa.
Pessoalmente
não gosto do roteiro em T porque ele limita muito a ação do roteirista. Nele,
cada página datilografada corresponde a uma página de desenho. Mas há situações
em que você precisa de mais de uma página para descrever um painel. Já vi um
roteiro do Alan Moore em que ele usa mais de uma página de texto para descrever
um único quadro.
Outro
problema do roteiro em T é que ele é um pouco complicado de fazer no
computador, a não ser que você esteja usando o Page Maker, o que eu não
aconselho, pois esse programa foi feito para diagramação e não para digitação.
No word é muito difícil conseguir manter a página dividida ao meio e deixar
cada texto ao lado da sua descrição correspondente.
O
roteiro corrido é muito mais fácil de fazer no computador. Ele se parece com um
roteiro de teatro, ou de cinema (o roteiro em T é muito usado na televisão).
Nele
você vai simplesmente descrevendo as cenas, e, abaixo, coloca o texto
correspondente. Você deve começar pelo título, seu nome, a página, e depois a
descrição dos quadrinhos. Quando mudar a página, a numeração dos quadrinhos
volta ao 1.
Veja um
exemplo:
O Livro dos Dias
Roteiro de Gian Danton
Página 1
Quadro 1 - Quadro
grande, de ambientação. Vemos um cavaleiro cavalgando sobre um campo florido. É
um cavaleiro medieval, mas com uma série de modificações que o identificam como
sendo a versão marciana de um cavaleiro medieval. Atrás dele há um céu bonito e
montanhas ainda mais belas. O cavaleiro segue confiante com sua lança e espada.
Detalhe: o cavalo sobre o qual ele está também é uma versão marciana de um
cavalo.
Texto: Sobre as
pradarias de Marte, o cavaleiro segue em direção ao seu destino.
Texto: Ao longe, um
iog suspira modorrentamente. Ele permanecerá ali até que o sol se ponha. Então
voltará para sua toca e dormirá durante toda a noite.
Cavaleiro: Saudades de
minha linda Beatriz!
Quadro 2 - Quadro
menor. Uma vista de cima do cavaleiro e seu cavalo.
Texto: Ele não
conseguiria imaginar alguém que rivalizasse com ela em virtudes: Beatriz é
bela, ingênua e caridosa.
Texto: Axel prometeu
protegê-la.
Quadro 3 – O cavaleiro
agora é mostrado de lado.
Texto: Beatriz está
presa na cidade de Dju'liet B'noch e o cavaleiro teme por sua honra.
Texto: No memorável
dia em que se ordenou cavaleiro, ele prometeu proteger todas as mulheres...
Quadro 4 – Em primeiro
plano temos o lagarto Iog e o cavaleiro está em segundo plano, afastando-se de
nós.
Texto: ...pois sabe
que elas são o signo da perfeição, introduzidas por Deus no mundo para que se
tenha um vislumbre do que será o paraíso.
Página 2
Quadro 1 - O cavaleiro
atravessando os portões de uma cidade.
Texto: Axel atravessa
os portões da cidade e o que vê faz com que ele duvide de suas convicções.
Texto: Há mulheres
ali, mas mulheres fúteis, incapazes de se preocupar com algo que não seja a
fofoca do dia.
Quadro 2 - O cavaleiro
agora está percorrendo uma das ruas da cidade.
Texto: No alto de uma
torre, uma mulher gorda joga uma panela sobre o marido, chamando-o de
imprestável.
Texto: O cavaleiro
treme. Mas não. Perigos terríveis o esperam.
Como
você pode perceber, é especificada a página, o quadro, e só então se começa a
descrição da cena. A seguir é apresentado o texto (aquilo que fica naqueles
balões quadrados) e os diálogos.
Atenção:
em cada fala o roteirista deve identificar quem está falando. Lembre-se,
quadrinho não é literatura.
Não
faça coisas dos tipo:
Quadro 2
– João e Maria estão andando na rua.
- Que
dor de cabeça!
Quem
está falando? Maria ou João? Aposto que você não consegue advinhar. O mesmo
ocorre com o desenhista. Antes do diálogo, coloque o nome do personagem, assim:
Quadro 2 – João e Maria estão andando
na rua.
João: Que dor de cabeça!
Agora
sim, sabemos que autor da frase é João. Se Maria também tivesse uma fala no
quadro, deveríamos antepor ao texto o nome de Maria.
A
mesma coisa acontece com o texto. Se for um texto, e não diálogo, coloque isso
no roteiro.
Não
faça assim:
Quadro 3 – João e Maria ainda estão
andando na rua.
-
João está com dor de cabeça.
O
que é isso? O desenhista, provavelmente, vai achar que se trata de uma fala de
Maria, e vai tascar-lhe um balão.
O
correto é assim:
Quadro 3 – João e Maria ainda estão
andando na rua.
Texto: João está com dor de cabeça.
Sempre,
quando estiver escrevendo o roteiro, pense nele, visualize-o . Imagine a página
pronta, desenhada, ou então faça um esboço da página. Isso vai evitar que você
coloque coisa impossíveis de serem desenhadas. Devem ser especialmente evitadas
aquelas descrições que incluem mais de uma ação. Tipo:
Página 1
Quadro 1 – João
levanta da cadeira na sala e pega um copo na cozinha.
Quadro 2 – João abre a
geladeira, coloca suco nos copos e traz de volta à sala e oferece para o
visitantes.
Esse
pequeno trecho inclui uma série de ações. Primeiro temos João levantando.
Depois ele está andando até a cozinha. Ele chega à cozinha. Ele pega um copo no
armário. Ele abre a geladeira. Ele pega o suco. Ele coloca o suco no copo. Ele
sai da cozinha com o copo de suco. Finalmente, ele oferece o suco ao visitante.
São
muitas ações para dois quadros apenas, não é mesmo? Diante de uma situação
dessas, o desenhista se vê diante de duas possibilidades. Ou ele quebra as
várias ações em vários quadros, fazendo com que o número de páginas de sua
história aumente, ou ele simplesmente corta ações, deixando-as subtendidas.
Assim,
ele mostra João se levantando. No quadro seguinte ele já está na cozinha,
abrindo a porta da geladeira. A ação de andar até a cozinha e abrir a geladeira
fica subtendida, e o leitor apenas advinha que ela existiu.
Em todo
caso, só um bom desenhista faria isso. A maioria ia tentar seguir seu roteiro à
risca e então teríamos um personagem clone do homem-borracha: ele está
levantando da cadeira, mas seus braços já se esticaram para a cozinha e estão,
um abrindo a porta da geladeira e o outro pegando um copo. Já imaginou isso
desenhado? Ia ficar horrível, não é mesmo?
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