Conheci o sábio através de um amigo em comum. Ele me levou até um bar nas docas com a promessa de que teria um encontro do qual jamais me esqueceria. Argumentei que somente algo muito importante me levaria a sair de casa numa noite tão fria e tão repleta de neblina.
- Não se preocupe. - me garantiu ele. A pessoa que vamos encontrar valerá por inspiração para quantos livros queira escrever.
Já ia explicar que os livros não são feitos de inspiração, mas de muito esforço e muito estudo, quando entramos num bar escuro, de paredes baixas, enfeitadas com motivos marítimos. Numa mesa num canto do bar encontrava-se um homem vestido com um pesado capote. Tinha uma barba curta, mas cerrada e fumava um cachimbo. A expressão de seu rosto revelava que aquele homem havia passado por diversas experiências e que viajara muito. Era, certamente, um marinheiro.
Meu amigo o cumprimentou efusivamente e depois me apresentou.
- Meu companheiro é escritor. - explicou. E gostaria que contasse alguma de suas viagens a ele...
O homem inspirou profundamente e soltou uma baforada que se elevou no ar, uma nuvem branca esvanecendo no ar...
- Bem. - começou ele. Em todos esses anos fiz diversas viagens. Já estive em locais que eram habitadas apenas por ciclopes, outros em que todos os homens tinham enormes corcundas, outros que era povoado por cavalos tão inteligentes quanto poderiam ser criatura criadas por Deus, e certamente muito mais éticos que nós. Mas nenhum desses lugares me parece tão inusitado quanto uma pequena ilha perdida no meio do oceano Atlântico. Chama-se Bananolândia. Talvez o nome viesse das muitas plantações de banana, mas é possível que tivesse algo a ver com o caráter de seu povo. É preciso entender que bananolândia é um país muito pobre. Seu clima é caracterizado por duas estações bem distintas: numa época é seco e a poeira se espalha por todos os cantos, penetrando até mesmo nas dobras da pele. Muitos bananoeses mal conseguem respirar, tal a quantidade de poeira.
O outro período é úmido e chove cântaros. Nessa época a água dos rios sobe e inunda as casas. As ruas não asfaltadas, que antes faziam poeira, agora fazem lama e deixam imundo qualquer um que se aventure a sair na rua. Os inconvenientes dessas duas estações poderiam ser facilmente evitados, se fossem tomadas as medidas necessárias. Mas parece que ninguém se importa, então ficam as coisas por isso mesmo.
O transporte coletivo de Bananolândia consiste em caixas puxadas por dinossauros. As caixas, devo acrescentar, não têm rodas, pois os bananoeses ainda não descobriram essa maravilha da civilização. Em todo caso, andar numa dessas caixas não é muito diferente de praticar suicídio: elas são desconfortáveis ao extremo. E a passagem é caríssima. Além disso, os cobradores não dão troco e quem reclama é imediatamente surrado e jogado para fora do veículo. De vez em quando os dinossauros pisam algum bananoês, que fica estendido como uma panqueca no chão, fazendo as vezes de asfalto.
Diante de tudo isso, você talvez pense que tudo isso leva seu povo a ser muito triste. Ledo engano, e o que o livra da tristeza é justamente o esporte nacional, pelo qual os bananoeses são verdadeiramente apaixonados. Chama-se preleção e é realizado de quatro em quatro anos. Nessa época é escolhido o pisador real, o único tipo de governo que vi naquela ilha. Teoricamente qualquer um pode se candidatar a pisador real, desde que saiba pisar em outras pessoas de maneira satisfatória. Mas sabemos que somente os mais ricos se candidatam. Para isso, fazem grandes reuniões em praça pública, nas quais se vangloriam de suas capacidades pisativas. Um explica que fez cursos em outros países para aprender a pisar corretamente, outro garante que já pisou em mais de 500 pessoas, e que algumas delas jamais se levantaram depois disso. Mas a verdade é que é muito difícil ouvir qualquer coisa. Se é o seu candidato, os bananoenses aplaudem interminavelmente, se não é o seu candidato, vaiam interminavelmente, de modo que conclui que não é o que homem fala, mas a maneira que ele fala que influencia os presentes. Em suma, quem grita mais alto e de maneira mais ameaçadora acaba vencedor nessas reuniões. Quase sempre ao fim de tais reuniões há brigas de facções. Inevitavelmente um sai com o nariz quebrado, outro perde uma perna, mas no geral todos se divertem muito. E nem mesmo os machucados mais graves os impede de comparecer na próxima reunião. Os candidatos colocam bandeiras por toda a cidades, espalhando seu nome e seu símbolo. Tudo isso sai muito caro e os pisadores reais atualmente no cargo arranjaram uma maneira prática de subsidiarem suas campanhas: obrigam todos os funcionários públicos a contribuírem com metade de seu salário para a mesma. Além disso, estes são obrigados a saírem às ruas cantado as virtudes do pisador oficial. Nesse período de preleção o país torna-se um caos. Alguns cometem as maiores crimes e se refugiam a uma das facções, pois sabem que estarão imunes, desde que sua facção seja a vencedora. Conheci um funcionário público que passou três meses sem ir ao trabalho, mas como ele cantava muito bem as pisadas do pisador real, acabou sendo promovido.
Ao final de um certo tempo há uma eleição para escolher qual é o melhor desportista. Escolhido o ganhador, toda a população de Bananolândia se deita no chão da principal rua do país e o pisador anda por cima deles, juntamente com sua corte, que é formadas dos principais funcionários públicos. Se um deles se mostra ineficaz na edificante tarefa de pisar em seus compatriotas, é imediatamente expulso e jogado à lama.
Tive ocasião de presenciar um desses espetáculos e devo dizer que é realmente impressionante. O gemido dos pisados pode ser ouvido de longe e é considerado por eles uma verdadeira sinfonia. A ordem é a seguinte: primeiro vem o Pisador Real, atrás dele os funcionários públicos mais graduados, segurando seu manto, atrás deles os funcionários de segundo escalão, segundo o manto daqueles, e assim por diante.
Como para se eleger o Pisador real é necessário o apoio de muitos dos chamados Chefes de Preleção, que fazem sua campanha, foram criados diversos cargos para satisfazê-los após a preleção. Devido a isso, o desfile dura horas e horas...
Depois disso o sábio me contou muitas e muitas outras histórias a respeito desse curioso país chamado Bananolândia. Tantas que dariam para preencher todo um livro, e talvez eu o faça, um dia...
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