terça-feira, agosto 31, 2021

Elizabeth - a era de ouro

 


Elizabeth, a era de ouro, filme recentemente lançado pela Netflix, é um caso curioso de releitura. Em 1998, o cineasta paquistanês Shekhar Kapur realizou um premiado filme sobre a rainha Elizabeth com Cate Blanchett no papel principal. Em 2007 ele fez outro filme sobre o mesmo assunto, tendo de novo Cate Blanchett como rainha da Inglaterra mais velha.
Essa nova película é centrada no momento mais importante do reinado da rainha virgem, quando se descobre uma trama para matá-la ordenada por Mary Stuart, rainha da Escócia e católica fervorosa. Isso leva à execução de Mary. Como consequência, a Espanha declara guerra à Inglaterra e envia a maior armada já construída até então, com centenas de navios.
Esse é um momento-chave na história mundial, um daqueles efeitos borboletas que mudam completamente a relação de forças. Até então, a espanha era a mais rica e poderosa nação do mundo, após o confronto, a Inglaterra começa a galgar os passos que a levarão a construir um dos maiores impérios de todos os tempos – tão vasto que se dizia que no império britânico o sol nunca se punha.
Tudo isso, o atentado contra Elizabeth, a morte de Maria Stuart, a guerra com a Espanha é contado no filme de Shekhar Kapur, mas o foco maior acaba sendo a sua relação com o pirata Walter Raleigh. Esse talvez seja o maior defeito do filme, pois, para aprofundar essa relação ficcional, tira o foco dos fatos históricos reais.
Ainda assim, é um filme belíssimo, que se destaca pelo figurino, pela fotografia, pelos cenários grandiosos e pela atuação marcante de Cate Blanchett. Uma boa dica para quem gosta de história.

Quando a Abril conseguiu todos os direitos da Marvel

 


Sessão de cartas da revista Heróis da TV 48 (junho de 1983) anunciando que a Abril havia conseguido os direitos de todos os personagens da Marvel (antes alguns dos personagens mais famosos, como Hulk e Homem-aranha, eram publicados pela RGE)

Psicopatas - Você sabia?

 

Conheça o livro Psicopatas na vida real e na ficção: catarse.me/psicopatas_na_vida_real_e_na_ficcao_9e59

O Super-homem é judeu

 

 Joseph Goebbels, o ministro da propaganda de Hitler, dizia que "Super-Homem é judeu", rebatendo a propaganda aliada feita pelos quadrinhos norte-americanos da época. Referia-se também ao fato de que os dois criadores do personagens, o roteirista Jerry Siegel e o desenhista Joe Shuster, eram judeus. Mas será que o herói é realmente judeu?
Uma leitura literal de sua história não permite esse tipo de interpretação. Afinal, o personagem é um alienígena, enviado à Terra ainda bebê e que, no trajeto, torna-se super-poderoso, vindo a ser o grande defensor da humanidade.
Entretanto, alguns pesquisadores têm destacado as semelhanças do mito super-heroiesco com o mito do messias judaico.
Afinal, seria natural para dois judeus, num período turbulento, em que todo o povo de Israel era perseguido, criar um personagem que representasse o Messias. Para os judeus, o Messias é o enviado divino, que vem à terra para trazer uma era de paz e felicidade.
A primeira indicação de que o personagem estaria ligado a esse mito está no seu nome de batismo, Kal-el. A palavra El em hebraico que significa Deus.
Além disso, ele vem para a terra num foguete, ainda bebê, exilado de sua terra, da mesma forma que Moises é colocado em um cesto e lançado no rio para ser criado pelos egípcios. O Super-homem, como os judeus da época, inclusive seus autores, é um homem sem terra, e é obrigado a esconder sua verdadeira identidade.
No livro Homens do Amanhã, Gerard Jones diz que “histórias de identidade secreta sempre encontraram eco entre os filhos de judeus imigrantes em virtude da necessidade de máscaras; máscaras que permitiam à pessoa tornar-se um americano moderno, consumidor das coisas do mundo. Mas, ao mesmo tempo permitem fazer parte de uma sociedade antiguíssima, ser um elo de uma velha cadeia sempre que ela estivesse no seio seguro daqueles que conheciam seu segredo. Um Clark Kent nas ruas e um super-homem em casa”. 
Para Jones, o Capitão América avançou ainda mais na metáfora judaica. Os leitores de quadrinhos sabem que ele é Steve Rogers, um garoto franzino, curvado, um Zé-ninguém, que, graças ao soro do super-soldado, torna-se um herói. ¨Ele é o garoto subnutrido do gueto que adquire força desmedida ao agarrar as oportunidades americanas; o ressabiado sobrevivente do velho país que renasce como o judeu combativo graças à mistura americana de violência e liberdade¨.
Na medida em que fizeram a metáfora da elevação do povo judeu através dos emergentes meios de comunicação, os autores do Capitão América capturaram também o espírito do norte-americano comum, que via seu país tornar-se a grande potência mundial, superando as velhas potências européias.
Além das metáforas mais óbvias, vale lembrar que praticamente todos os desenhistas, roteiristas, editores e donos de editores da era de ouro eram judeus. Explica-se isso pelo fato de que os quadrinhos na época eram vistos como subliteratura, desprezadas pelos chamados artistas sérios. Os judeus, ao contrário, agarraram essa oportunidade e fizeram dos super-heróis o maior símbolo da grande virada estabelecida por eles no novo mundo. Não é à toa que os nazistas sempre foram os vilões prediletos dos quadrinhos.

Coração de ferro

 


Há uma quantidade enorme de filmes sobre a II Guerra Mundial, com as mais diversas abordagens. Mas um tema pouco abordado são os tanques. Eles foram essenciais na guerra, mas na maioria das películas aparecem pilotados por nazistas, como em Resgate do Soldado Ryan.

Assim, Coração de Ferro, filme de David Ayer disponibilizado no Brasil pela Netflix se destaca por ter como protagonistas a tripulação de um tanque norte-americano apelidado de Fury.

A história acompanha o sargento linha dura Don "Wardaddy" Collier (Brad Pitt) e sua equipe realizando operações dentro da Alemanha Nazista na fase final da guerra, quando os aliados estavam encurralando as tropas alemães dentro de seu próprio território. É também um período em que os alemães resisitiram obstinadamente, recrutando até mesmo crianças (em uma das sequências, jovens que se recusaram a lutar são enforcados pelos nazistas e pendurados com placas de traidores).

À certa altura, o tanque é avariado e a equipe precisa, sozinha, impedir o avanço de todo um regimento da SS numa verdadeira missão suicida.

A película se destaca pela preocupação com os detalhes históricos, inclusive com uso de tanques que são, de fato remanescentes da II Guerra. Os atores também foram treinados em regime militar, passando noites acordados, molhados e com sono.

Além disso, é interessante o tom realista, com insinuações até mesmo de estupros por parte dos soldados e buylling por parte dos veteranos com o novato Norman "Machine" Ellison.

Mas talvez o que mais chame a atenção seja a atuação de Brad Pitt. Impressionante como ele evoluiu como ator desde seus primeiros trabalhos e aqui ele consegue um perfeito equilíbrio entre o linha-dura grosseirão e até mesmo abusivo e o líder que todos seguem.

O resultado disso é um filme de ação eletrizante que não fica nada a dever a clássicos do gênero.  

O uivo da górgona

 


Um som se espalha pela cidade (ou pelo estado, ou pelo país, ou pelo mundo?). Um som que ouvido transforma as pessoas em seres irracionais cujo único o objetivo são os instintos básicos de violência e fome. É o uivo da Górgona.
Acompanhe a história dos sobreviventes neste livro de terror, uma história de zumbis diferente, em que qualquer um pode se transformar, bastando para isso ouvir o terrível uivo da górgona.
Escrito em capítulos curtos, o livro transforma o suspense em elemento de fantasia, prendendo o leitor da primeira à última página. 
Pedidos: profivancarlo@gmail.com.

segunda-feira, agosto 30, 2021

Guerras Secretas: Por que parei de ler quadrinhos?

 

O nome Guerras Secretas surgiu de uma pesquisa do departamento de marketinga da Marvel.


Eu leio quadrinhos desde que me entendo por gente. Quando criança, lia Turma da Mônica e Disney. Depois, numa fila de banco, descobri os quadrinhos da Marvel e virei fã. Passei a colecionar Superaventuras Marvel. Mas no ano de 1986 eu parei de ler tudo. A razão foi a minissérie Guerras Secretas, publicada pela Abril naquele ano.
Para quem não sabe, Guerras Secretas era uma minissérie em 12 capítulos nos quais os principais heróis e vilões da Marvel eram enviados a um planeta distante e colocados para lutar. Como dizia o roteirista Jim Shooter, a ideia era fazer uma HQ que mostrasse aos meninos como brincar com os bonecos dos personagens Marvel. Aliás, o próprio nome da série e dos brinquedos veio do departamento de marketing: uma pesquisa descobriu que “Gerras” e “secretas” eram as palavras que mais vendiam produtos para meninos.
 Essa série estava muito além da cronologia da Abril, mas a editora resolveu publicar porque os brinquedos iam ser fabricados no Brasil pela Gulliver e a empresa precisava do apoio dos quadrinhos para aumentar as vendas.
A Abril precisava lançar o gibi para ajudar a vender os bonecos. 

Eu, que na época não sabia que aquilo era só uma jogada de marketing, comprei desde o primeiro número. No número 11, na última página, havia uma prévia do que aconteceria no final da saga.
Nessa época um amigo que cuja família tinha casa em Mosqueiro me convidou para passar uma semana com ele lá. Mosqueiro é região de praia, próximo a Belém. Na época só havia uma banca no local e o dono praticava os preços que queria, já que não havia concorrência. E não adiantava argumentar que a revista tinha o preço na capa.
- Vá comprar em outra banca, então! – respondia ele, com desdém.
A revista que me fez parar de ler quadrinhos. 

E Guerras Secretas 12 saiu exatamente quando eu estava em Mosqueiro. E o dono da banca, percebendo que a procura daquele gibi específico era grande, simplesmente dobrou o preço. Ainda assim eu comprei. Quando finalmente consegui ler, percebi que o final tinha sido completamente modificado (a Abril fez isso para adequar a série à cronologia da editora). Mesmo não tendo a revista original, era fácil perceber isso porque nada batia com a prévia que eles mesmos tinham publicado na 11.
Resultado: fiquei tão revoltado por ter pagado o dobro do preço numa revista totalmente adulterada que simplesmente parei de ler quadrinhos.
No ano seguinte, quando saiu Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, arrisquei comprar, afinal todo mundo estava falando bem daquela série. Não só gostei como voltei a ler quadrinhos.
Anos depois eu voltei a ler Guerras Secretas na versão sem as mudanças da Abril. E cheguei à conclusão de aquilo era de fato muito ruim com ou sem mudanças. Provavelmente eu só tinha gostado daquilo graças ao desenho do Mike Zeck.

Arqueiro Verde:sangue do dragão

 

Lançada em fevereiro de 1993, a revista Super-powers (que apresentava histórias fechadas dos heróis DC) publicou uma aventura do Arqueiro Verde escrita por Make Grell e com desenhos de Dan Jurgens e Dick Giordano. Na trama, uma assassina profissional tem sua casa invadida por membros da yakuza que sequestram o bebê e ordenam que ela mate alguém e cometa suicídio. Se cumprir as ordens, seu filho será poupado de criado como um yakuza. Se não fizer o que eles mandam, a criança morre. O Arqueiro Verde acaba sendo introduzido nessa trama (há todo um background aqui que não é revelado na edição: aparentemente a assassina e o Arqueiro já se conhecem).
Essa história foi publicada nos EUA na sequência da Crise, época em que se procurava reformular os heróis clássicos da DC, dando-lhe uma narrativa mais madura. Embora não possa ser comparado a roteiristas como Alan Moore, Grell se sai bem construindo uma trama coerente. Os desenhistas, no entanto, são o grande charme da revista, com páginas duplas e diagramações diferenciadas (particularmente bonita a cena dupla com os personagens envolvidos por dragões). Entretanto, a ideia de dar um ar de mangá ao gibi não se sustenta. Se a pouca quantidade de texto torna a leitura mais dinâmica, por outro lado, nem sempre é possível entender o que está acontecendo .

Igreja de Saint-Paul e Saint-Louis

 

A Igreja de Saint-Paul e Saint-Louis foi edificada a partir do ano de 1627, durante o reinado de Luis XIII. O cardel Richelieu rezou a primeira missa e foi doador das belíssimas portas esculpidas. Era nessa igreja que rezava missa o bispo Bossuet, criador da teoria segundo a qual o poder dos reis vem diretamente de Deus – e que seria base do absolutismo francês. Seus sermões eram tão concorridos que os nobres mandavam servos guardarem lugar nos bancos com várias horas de antecedência.

A cúpula, com 50 metros (considerada um grande feito da engenharia da época) é sustentada por pilares visíveis, que dão leveza e beleza ao conjunto. Em 1796, a igreja vizinha, de Saint-Louis, foi demolida pelos revolucionários e a de Saint-Paul adicionou-lhe o nome.
As paredes brancas e os vitrais deixam a igreja naturalmente iluminada.

Coluna de fogo, de Ken Follett

 


O reinado da Rainha Elizabeth foi um dos mais importantes  e também um dos mais conturbados períodos da história da Inglaterra. A Rainha virgem criou as condições para que a Ingaterra se tornasse a maior potência mundial e centro cultural do mundo. Mas ela sofreu várias tentativas de golpes, assassinatos, uma quase guerra civil e a invasão da maior armada do mundo.
É esse período conturbado que Ken Follett narra em seu livro Coluna de fogo, terceira parte da trilogia inicada em Os pilares da terra.
A história inicia em 1558, dois séculos depois da construção da Catedral de Kingsbridge (que era o fio condutor de Os pilares da terra). A rainha Elizabeth chega ao poder depois da morte de sua irmã. O país vinha sendo dilacerado por conflitos religiosos. O pai de Elizabeth, Henrique VIII, havia rompido com a igreja católica e transformado a Inglaterra num país protestante e passara a perseguir católicos, muitas vezes enviando-os à fogueira. Já sua filha, Maria, era católica e passou a perseguir protestantes, enviando-os à fogueira. Quando Elizabeth ascende ao trono sua promessa é tornar o país uma terra de tolerância, em que ninguém seria morto por sua fé.
Essa trama é contada do ponto de vista de Ned Willard, descendente dos constrututores da catedral e da ponte (narrada em Mundo sem fim). Mas, ao contrário de seus ancestrais, negociantes e engenheiros, Ned torna-se um político. Ao ver um dos cidadãos de Kingsbridge ser morto na fogueira por ser protestante, e após sua mãe perder tudo num julgamento manipulado por um bispo católico, ele decide se colocar a serviço de Elizaberth e ajudá-la a construir um país de tolerância e no qual cada um possa viver sua vida, ganhar seu dinheiro, sem ser incomodado por questões religiosas. Para isso ele acabará se tornando uma peça-chave de seu sistema de espionagem inglês – um dos primeiros do mundo e com agentes em todos os países da Europa.
Por outro lado, seu irmão, Barney, é perseguido pela inquisição na Espanha e, depois de várias peripécias, acaba embarcando em um navio e se tornando um pirata – a pirataria, embora ilegal, era tolerada pela rainha Elizabeth.
De todos os livros da trilogia esse é, sem dúvida, o mais interessante e o que apresenta uma trama mais envolvente. Um dos acertos foi tirar a ação de Kingsbridge. Como tanto Pilares da terra quanto Mundo sem fim se passavam na cidade, centrar os acontecimentos ali num terceiro livro o tornaria cansativo para os leitores. E essa ampliação da ambientação permitiu a Ken Follett contar boa parte da história do período. Temos núcleos nos países baixos, na Espanha, na França, na Inglaterra e até no novo mundo. O autor, por outro lado, aproveita muito bem os eventos históricos para compor uma trama irresistível, repleta de suspense e de ação. São 800 páginas que passam muito rápido.   

Dart Vader foi inspirado nos nazistas?

 


Aparentemente sim. Darth Vader é considerado o maior vilão do cinema. Ele apareceu no primeiro filme da série Guerra nas Estrelas, Uma nova esperança. Era o arquétipo da maldade. Cruel, ele matava sem piedade os subordinados que o desapontavam e estava construindo uma arma capaz de detruir planetas inteiros.
Quando viram aquele vilão de capacete preto e voz cavernosa, muitos perceberam a semelhança com o uniforme nazista. De fato, o capacete é muito parecido. Além disso, a máscara usada por ele lembra muito o visual dos Afrikan Korps, os soldados que lutavam na África. Para se proteger contra as tempestades de areia, eles usavam óculos especiais e cobriam a boca com panos.


Por que George Lucas fez isso? Provavelmente para demonstrar, desde o primeiro momento, que se tratava de um vilão. Na época em que o filme foi feito o nazismo já estava no imaginário popular como sinônimo de maldade. Histórias em quadrinhos, filmes e seriados mostravam nazistas perpetuando crimes cruéis contra a humanidade. Usar a suástica seria óbvio demais, então ele optou por outro símbolo: o capacete dos soldados. 

domingo, agosto 29, 2021

A liberdade guiando o povo

 


Uma das pinturas mais famosas – e mais homenageadas – de todos os tempos, A liberdade guiando o povo é a obra máxima de Eugène Delacroix. Ao contrário do que muitos imaginam, o quadro não faz referência à revolução francesa, mas com a revolta de 1830 que uniu o povo contra o rei Carlos X, que decidira acabar com o governo constitucional.
Delacroix coloca como líder da revolta Marianne, a deusa da razão e da liberdade, símbolo da revolução francesa. Ela segura em uma das mãos a bandeira da revolução francesa, cujas cores simbolizam a liberdade, igualdade a fraternidade. Com a outra mão, segura uma baioneta. Ao seu lado, um garoto segura duas pistolas e, aos pés deles, os inimigos abatidos. O pintor se colocou no quadro, na figura do homem com cartola à esquerda de Marianne.
O quadro se tornou a maior uma representação universal da luta contra a opressão.

As aventuras de uma criminóloga: coragem de matar

 


Como repetir a mesma história sem parecer cansativo ou redundante?
Berardi mostra um como fazer isso na série de histórias com Mirna, a psicopata apaixada por Júlia Kendall e sua grande antagonista. A série inclui diversas histórias com a personagem, a maioria delas focada nas tentativas de Mirna de matar a criminóloga. Para que não pareça que está contando sempre a mesma história, o genial roteirista italiano foca nos personagens secundários, sua relação seus encontros com a psicopata.
A história Coragem de matar, publicada na edição 122 da revista é um dos melhores exemplos dessa dinâmica. Na HQ, Mirna fugiu da cadeia, mas ao invés de ir para outra cidade, prefere ficar em Garden City onde acaba conhecendo um cafetão e uma prostituta travesti agenciada por ele. Mirna acaba passa a se prostituir, mas seus clientes terão muito mais do que imaginam.
O destaque aqui vai para a relação de Mirna com a travesti e é escrito com uma candura quase poética. Contribui muito para isso o excelente trabalho de Laura Zuccheri, a desenhista desta história. A artista consegue captar perfeitamente o clima de beleza e morte que a história exigia e a escalada de violência que se sucede. Destaque para a expressão facial de Mirna, que muda completamente quando seu lado psicopata se revela.

Psicopatas: a vítima é um objeto

 


          Uma característica dos psicopatas, tanto os assassino quanto dos psicopatas comuntiários, que vivem de golpes, é a forma como eles encaram suas vítimas. Para eles, todos são objetos e não pessoas. A transformação da pessoa em coisa é que permite a eles aplicarem seus golpes ou simplesmente matarem suas vítimas.
         O filme A Cela mostra um psicopata que transforma suas vítimas em bonecas, coisificando-as.
         Existe uma grande quantidade de relatos de psicopatas que destroem o rosto de suas vítimas ou simplesmente cortam a cabeça como forma de tirar delas a condição de ser humano.      
          Big Ed decapitava suas vítimas. Ted Bundy destroçava o rosto das mulheres que tinham o azar de se deparar com ele.

Quer saber mais sobre o assunto? Clique aqui

Fundo do baú - A turma do Charlie Brown

 


Em 1950, Charles Schulz criou, para a United Feature Syndicate uma tira sobre um garoto e um cachorro. Tiras sobre crianças não eram novidades nos jornais, mas o diferencial de Peanuts era o conteúdo psicológico das histórias. Charlie Brown, o protagonista, era fracassado e inseguro, o que gerou grande identificação com os leitores.

O sucesso das tiras foi tão grande que em 1965 a tira transformou-se em um especial de natal dirigido por Bill Meléndez. A recepção foi estrondosa, levando o produtor Lee Mendelson a transformar os personagens numa série animada que marcou gerações.

A animação unia fidelidade às tiras de Schulz com uma direção inspirada e uma trilha sonora de jazz marcante.

As histórias giravam, quase sempre, no fracasso de Charlie Brown – com ocasionais interlúdios cômicos de Snoopy. Em um dos episódios, Charlie Brown ganhava como prêmio um corte de cabelo – e ele é careca, e seu pai é barbeiro. Em outro, ele dançava no baile com a menina ruiva, sua eterna paixão, mas depois não conseguia se lembrar de nada.

Animações continuaram sendo feitas ao longo das décadas. Em uma das mais recentes, “A felicidade é um cobertor quentinho”, Linus é pressionado por Lucy a abandonar sua dependência do cobertor. À certa altura, Linus diz para os outros personagens: “Vocês querem que eu seja um fracassado? Querem que eu seja uma pessoa triste? Querem que eu seja um Charlie Brown?”.

Mr. Hide - homem monstro

 

Mr. Hyde homem monstro foi uma antologia organizada por Ademir Pascale e publicada pela editora All Print. Eu participei com o conto “O monstro dentro de nós”, sobre um assassinato em massa em um colégio interno feminino. O conto brinca com a percepção do leitor a partir do relato da única sobrevivente do massacre.

Príncipe caspian

 


O primeiro parágrafo de príncipe Caspian, quarto volume da série crônicas de Nárnia, dá o tom da história: “Era uma vez quatro crianças – Pedro, Suzana, Edmundo e Lúcia – que se meteram numa aventura extraordinária, já contada no livro O leão, a feiticeira e o guarda-roupa. Abriram a porta de um guarda-roupa encantado, viram-se num mundo totalmente diferente do nosso, e nesse mundo, um país chamado Nárnia, tornaram-se reis e rainhas. Durante a permanência deles em Nárnia acharam que tinham reinado anos e anos; mas, ao regressarem pela porta do guarda-roupa à Inglaterra, parecia que a aventura não tinha levado tempo algum”.

Na trama, as crianças são transportadas de volta a Nárnia centenas de anos após a primeira viagem.

O castelo onde viviam agora está em ruínas e as criaturas mágicas são perseguidas pelos novos governantes locais: humanos vindos de outro país. Caspian é descendente direto do primeiro rei dessa nova linhagem, mas é fascinado pela antiga Nárnia e suas histórias. Quando seu tio tem um filho, ele é obrigado a fugir e se internar na floresta para não ser morto. Acaba sendo ajudado por dois anões e um texugo, que enxergam nele a possibilidade de um retorno aos velhos tempos.

Mas o rei está disposto a destruir o exército de seres encantados e a única saída é tocar a trompa dada de presente a Susana no primeiro livro - o que traz as crianças de volta à Nárnia.

O livro é escrito num estilo deliciosamente infantil, mas por traz da aparência ingênua há discussões filosóficas profundas. A trama, por exemplo, reflete duas visões de mundo. De um lado, a visão estreita, utilitária e autoritário do mundo e do outro uma visão guiada pela imaginação e pela curiosidade.

Os mais velhos estão associados ao primeiro tipo e as crianças aos segundo. Enquanto a maioria dos adultos, em especial aqueles que haviam ocupado cargos de poder, não aceita um novo mundo, crianças e jovens na maioria aderem alegremente a Aslan. Há trechos que refletem diretamente a fala de jesus sobre ser como crianças para entrar no reino do céu - indício direto da visão de mundo verdadeiramente cristã de C S Lewis. Essa visão juvenil também está associada a proteção da natureza: enquanto os mais velhos derrubam as árvores, secam as fontes, os mais jovens, exemplificados por Caspian, estão em íntima ligação com a floresta.

Ser cristão, para Lewis, está associado a manter a visão juvenil de maravilhamento com o novo e com a natureza. Essa percepção permeia toda a obra.

sábado, agosto 28, 2021

Oliver Twist




Já vi gente dizendo que queria ser roteirista de quadrinhos, mas não lia, ou lia apenas quadrinhos e, pior, só lia quadrinhos de super-heróis, ou só manga. Não é possível escrever, o que quer que seja, com o mínimo de competência, sem ser um leitor voraz, inclusive de livros.
E, entre todos os livros, existem aqueles que são leitura obrigatória por terem definido formas de narrativa. Entre eles, Oliver Twist, de Charles Dickens. O livro foi publicado em capítulos em jornais no ano de 1837, quando o autor tinha apenas 25 anos reflete a vida do próprio Dickens, cuja família passou necessidades na época em que seu pai foi preso por dívidas e os filhos tiveram que trabalhar.
O livro se passa em plena era vitoriana, quando o império britânico era o maior e mais poderoso do mundo. Mas todo esse poder e riqueza não se refletia sobre a população, que, em grande parte vivia na miséria. As péssimas condições de vida da época da são demonstradas na figura de um pequeno órfão, Oliver Twist, cuja mãe morreu de seu parto e passou a ser criado em um orfanato onde passava fome e era submetido a maus-tratos. Seguindo a ideologia científica da época, muitos dizem que Oliver, por ser filho de uma mulher sem virtudes, se tornará um ladrão e acabará na forca.
Uma das cenas mais antológicas do livro e certamente a de imagem mais forte, é a do refeitório, no qual as crianças, ao perceberem que vão morrer de fome, sorteiam um deles para pedir mais sopa (uma papa rala de cereais com cebola duas vezes por semana). O pequeno órfão é encarcerado e a reclamação é vista como mais um exemplo de que sua inclinação ao crime o levará à forca.
Depois disso, Oliver é quase colocado como limpador de chaminés (um dos trabalhos mais cruéis executados por crianças na época, já que elas eram descidas de cabeça para baixo e muitas vezes morriam por causa da fumaça ou do fogo) e acaba como aprendiz de um agente funerário, de onde acaba fugindo depois de ser vítima de uma armação.
Em sua fuga, o pequeno Oliver acaba indo parar em Londres e mas garras de um receptador especializado em adestrar crianças na arte do roubo, Fagin, o judeu (um personagem tão forte que posteriormente Dickens teve que escrever um texto tentando desfazer o anti-semitismo que o seu romance involuntariamente provocara).
E, mesmo em meio às desgraças, Oliver mantém-se sempre honesto e bom.
O livro vale tanto pela denúncia das condições sociais da época da Inglaterra à época da revolução industrial quanto pela genialidade do autor em sua narrativa repleta de ironia. Dickens é o mestre absoluto do recurso, como se observa no trecho a seguir: “Nos primeiros seis meses, após a mudança de Oliver Twist, o sistema esteve em pleno funcionamento. Foi um pouco dispendioso, a princípio, em consequência do aumento na conta do agente funerário e da necessidade de apertar as roupas de todos os indigentes, que flutuavam soltas nas suas formas encolhidas, mirradas, depois de uma semana ou duas de papas. Mas o número de inquilinos do asilo tornou-se dessa maneira reduzido; e o conselho muito se alegrou com esse resultado”.
O esquema de folhetins, precursores das atuais telenovelas, e dos quadrinhos, já existia, mas Dickens transformou-o em verdadeira literatura numa trama repleta de reviravoltas e suspense, com um protagonista ingênuo, mas bom, que se vê envolto por um destino cruel, mas triunfa no final graças à sua pureza de caráter. Lembra muito a estrutura das telenovelas clássicas, que lhe devem muito, mas nenhuma telenovela igualou-se a Dickens na crueza das descrições, nos perfis detalhados dos personagens, na crítica social e até mesmo no poder narrativo.
A sequência em que um ladrão assassina sua consorte está entre as páginas mais poderosas já escritas em todos os tempos. Os pequenos gestos, executados instintivamente, desvelam o conflito interno do personagem de forma muito mais efetiva que vários tratados de psicologia.

Existem várias versões reduzidas do livro à venda, inclusive uma da coleção O prazer da leitura, da editora Abril, que foi vendida em bancas e pode ser facilmente encontrada em sebos. Mas se puder, leia a versão integral (é possível conseguir em sebos). A necessidade de reduzir o texto faz com que a maioria das versões condensadas deixe de lado exatamente o que Dickens tem de melhor: sua fina ironia e as descrições detalhadas de personagens e ações. Mas, se não encontrar uma versão integral, leia a versão condensada: o livro é uma aula de como prender o leitor com uma narrativa folhetinesca. 

O último dos moicanos

 


Grandes clássicos da literatura em quadrinhos é uma coleção francesa lançada em banca no Brasil pela Del Prado. Foram dezenas de volumes reunindo uma equipe de quadrinistas da linha franco-belga em suas adaptações.
O último dos moicanos, oitavo volume da coleção, traz roteiro de Marc Bourgne e desenhos de Marel Uderzo (irmão de Albert Uderzo, co-criador do Asterix). A história tem como pano de funo a guerra entre franceses e ingleses pelo domínio da América do Norte e, claro, ingleses e franceses se aproveitavam da rivalidade entre as diversas tribos para trazê-las para sua influência. Na trama, as duas filhas de um general inglês são sequestradas por um índio aliado dos franceses. Um grupo se forma para resgatá-las formado por índios aliados, ingleses e um aventureiro.
Embora o desenho seja bonito, acaba se tornando pouco eficiente por conta da narrativa truncada e sem ritmo. Há, por exemplo, situações de suspense que se apresentam no penúltimo quadro de uma página e se resolvem no último (bons roteiristas colocam o suspense no último quadro, forçando o leitor curioso a virar a página). Em outro momento, os personagens simplesmente aparecem como prisioneiros de uma tribo, sem maiores explicações. O final é ainda mais truncado, deixando uma sensação de anti-clímax. Além disso, o texto é excessivamente narrativo, parecendo muito mais uma literatura ilustrada.

A lenda do lobisomem

 

Lobisomem é um homem capaz de se transformar em lobo. A lenda do lobisomem é muito antiga.
Na mitologia grega, o pugilista Damarco Parrásio ganhou a capacidade de se transformar em lobo após um sacrifício a Zeus.
No livro Satyricon, de Petrônio (o primeiro romance do Ocidente) fala-se de um soldado que podia se transformar em lobo após urinar sobre as próprias vestes.
O Licantropo dos gregos é o mesmo que o Versipélio dos romanos, o Volkodlák dos eslavos, o Werwolf dos saxões, o Wahrwolf dos germanos, o Óboroten dos russos, o Hamtammr dos nórdicos, o Loup-garou dos franceses, o Lobisomem da Península Ibérica e da América Central e do Sul, com suas modificações fáceis de Lubiszon, Lobisomem, Lubishome; nas lendas destes povos, trata-se sempre da crença na metamorfose humana em lobo, por um castigo divino.
Na Alemanha medieval foram realizados diversos julgamentos de pessoas que saiam à noite na forma de lobos para devorar velhos e bebês.
O mais famoso desses julgamentos de licantropia aconteceu na cidade de Colônia, em 1589. Peter Stubb confessou que usava um cinto mágico para se transformar em um lobo ávido e devorador, tendo cometido muitos crimes. Para voltar à forma humana, bastava tirar o cinto. Stubb foi condenado e sua pele foi arrancada do corpo, seus membros quebrados e seu cadáver queimado até virar cinza.
Nessa época, acreditava-se que para virar lobisomem a pessoa precisava tomar uma porção com o corpo nu, envolto na pele de um lobo, numa noite de lua nova. Para voltar a se transformar em humano, bastava urinar.
No Brasil, a lenda varia de região para região. Em alguns locais, o lobisomem é o oitavo filho de uma família de sete mulheres, em outros é o oitavo filho de uma família, independente do sexo dos irmãos. Acredita-se que ele se transforma à meia-noite, durante a lua cheia, em uma encruzilhada.
Em outros locais, diz-se que é possível transformar-se em lobisomem esponjando-se onde o jumento esponjou e dizendo palavras do livro de São Cipriano.
Acredita-se que o ser transformado sai pela noite atacando pessoas, mordendo-as e comendo crianças não batizadas.
A única forma de matar um lobisomem seria atingi-lo com um artefato feito de prata, seja uma bala ou uma faca.

Aventura e ficção

 

Aventura e ficção foi uma revista mix em formato Conan e histórias em preto e branco lançada pela editora Abril em setembro de 1986. Inicialmente reunindo apenas histórias curtas das publicações em preto e branco da Marvel aos poucos começou a publicar também quadrinho europeu e até quadrinho nacional. Foi uma das melhores revistas a época, marcando uma geração. A revista, bimestral, teve 21 edições e foi cancelada em janeiro de 1990.
Exemplares da Aventura e Ficção na minha coleção. 

Bingo - a história por trás do palhaço

 


Na década de 1980 o programa do palhaço Bozo se tornou um sucesso absoluto de audiência alavancando a TVS (atual SBT) a primeiro lugar no horário da manhã. Mas por força contratual (o programa havia sido importado dos EUA), ninguém deveria saber quem era o palhaço.
O filme Bingo, dirigido por Daniel Rezende, destrincha a pessoa por trás da máscara: um ator criativo, inovador, apaixonado por sua profissão, mas com sérios problemas pessoais, inclusive com drogas e bebidas.
A película vai do início da carreira, na época das pornochanchadas até o auge de Bozo (aqui chamado de Bingo para evitar problemas de direitos) e o declínio do ator que o interpretava.
Difícil apontar o que é melhor no filme: o roteiro preciso, a direção apurada, a reconstituição de época (no filme vemos carros, brinquedos, propagandas da década de 1980), a trilha sonora (repleta de sucessos dos anos 1980), a memorável interpretação de Vladmir Brichta. O ator encarna o personagem a ponto de não parecer que está atuando.
Bingo é um dos melhores filmes que tive a sorte de assistir nos últimos anos e certamente o melhor nacional de épocas mais recentes.
Ps: Vistos em perspectiva, percebemos o quanto os anos 1980 foram estranhos, época em que tudo era possível, como cantoras sensuais se apresentando em programas infantis, como Gretchen, no Bozo.

sexta-feira, agosto 27, 2021

Ivanhoé, de Walter Scott

 

A batalha por um trono. Um personagem sem força física, mas inteligente, que consegue se destacar por sua sagacidade e frases de efeito. Parece "As crônicas de Gelo e Fogo", série de fantasia de George Martin, mas trata-se de Ivanhoé, romance histórico escrito pelo Walter Scott e publicado na Inglaterra em 1820. O livro de Scott é um daqueles clássicos que definem um gênero a ponto de influenciar desde obras mais profundas, como os livros de Martin, até os ingênuos filmes matinês. Está tudo ali, desde suas melhores qualidades aos mais irritantes clichês (como da mocinha que acaba sendo salva em cima da hora por um herói adoentado, mas valente).

A obra se passa na Inglaterra da Idade Média. Nesse período, a ilha tinha sido invadida pelos normandos (vindos do norte da Europa e falando a língua francesa), que exerciam sua opressão e desprezo pelos habitantes locais, os saxões. 

O personagem principal, Wilfred, é um jovem nobre saxão deserdado pelo pai após aceitar os costumes cavalheirescos franceses e acompanhar o rei Ricardo Coração de Leão à Terra Santa para participar da Cruzada. Seu pai, Cedric, é um saudosista da época em que a Inglaterra era governada pelos saxões e todos os seus pensamentos parecem voltados para o retorno do domínio de sua raça sobre a ilha.
 
Ao ler a obra, é importante lembrar que ela foi escrita numa época em que o gênero romance (que seria o mais importante da literatura moderna) ainda estava se construindo. Isso provoca, de um lado, algum estranhamento pelo aparente pouco domínio de algumas técnicas narrativas e, por outro, acaba tornado muito previsível alguns acontecimentos para leitores mais atentos, que facilmente conseguem desvendar os segredos escondidos pelo autor, como o fato de que Wilfred é o cavaleiro que luta incógnito na justa ou que o arqueiro vestido de verde na verdade Robin Hood. O leitor desavisado irá estranhar principalmente as elocuções (a forma como o diálogo é introduzido na narrativa) e as descrições, muitas vezes deslocadas ou didáticas demais como se o romance se misturasse com um livro histórico. Exemplo: 

"O chão era composto de terra batida misturada com cal, que se transformava numa substância consistente, como a que é muitas vezes empregada em nossos celeiros modernos". 

Igualmente irritante são as digressões que muitas vezes paralisam a narração comprometendo o ritmo do livro ou frases desnecessárias, como: "No capítulo seguinte, vamos procurar descrever a cena que lhe surgiu diante dos olhos". 

Esses "defeitos", que mais se devem à época em que foram escritos acabam sendo suplantados pelas qualidades do livro. 

O personagem Wamba, por exemplo, um bobo da corte de Cedric, é um proto-Tyrion. Sua atuação na trama é fundamental em vários momentos e suas tiradas são praticamente equivalentes ao do anão Lannister (a ponto de se imaginar que o bobo tenha sido a principal influencia para a criação do famoso personagem de George Martin). Por exemplo, quando viaja sozinho com o rei Ricardo pela floresta e pressente que serão atacados por inimigos e que o rei não fará uso de uma trompa que poderá chamar amigos para auxiliar na luta, diz: "Quando a coragem e a loucura viajam juntas, a loucura deve encarregar-se da trompa, pois sabe tocá-la melhor". 

Outro aspecto interessante da trama é a forma como são retratados os judeus, especialmente se considerarmos que o livro foi publicado em 1820, época em que esse povo era vítima de grande preconceito. Há quem pense que a perseguição aos judeus foi invenção dos nazistas. Nada mais falso. O povo judaico era perseguido por razões religiosas desde a Idade Média e Ivanhoé tem o grande mérito de mostrar essa perseguição, retratando os judeus de maneira positiva:

"Não havia raça alguma na terra, no mar ou nas águas, que fosse objeto, por parte de todos, de tão interrupta e constante perseguição, como os judeus eram nessa mesma época. Sob os mais ligeiros e irrazóaveis pretextos, bem como ante as acusações mais absurdas e infundadas, as suas pessoas e propriedades eram expostas a todos os caprichos da fúria popular, pois os normandos, saxônicos, bretões e dinamarqueses, por mais adversas que essas raças fossem entre si, disputavam a primazia da ferocidade para com esse povo, que eles supunham, baseando-se em suas próprias religiões, dever odiar, insultar, desprezar, saquear e perseguir". 

E essa condição permaneceu por séculos, só sendo encerrada pela divulgação dos horrores dos campos de concentração nazistas. Só para termos de comparação, outro clássico romântico, Taras Bulba, do grande escritor russo Nicolai Gógol mostra com simpatia a perseguição que soldados cossacos realizavam contra os judeus, chegando até mesmo ao ponto de matá-los por pura diversão. Assim, é surpreendente que um livro escrito em 1820 mostre com tanta benesse esse povo, a ponto de colocar uma judia, Rebeca, como protagonista romântica, de caráter extremamente correto, capaz de abdicar de uma paixão por puro amor.Num romance recheado de personagens famosos, como Ricardo Coração de Leão, o princípe usurpador João, Robin Hood e outros, são justamente os que seriam os secundários, como a judia e seu pai, um bobo e um guardador de porcos que acabam se destacando, demonstração mais do que inequívoca de que Walter Scott estava muito além de seu tempo.