A Idade Média é uma das épocas da história humana que geram maior interesse na maioria das pessoas. São incontáveis os filmes, quadrinhos, RPGs, filmes, seriados e desenhos animados que se passam nesse período. No entanto, apesar de todo o interesse, boa parte do que se sabe sobre o período na verdade são equívocos. Essa é a tese principal do livro História Medieval, de Marcelo Cândido da Silva.
O autor é doutor em história medieval pela Université Lumière Lyon 2 e professor titular da Universidade de São Paulo.
Marcelo afirma que nunca ouve um consenso sobre os marcos iniciais e finais da Idade Média. Alguns acreditam que esses eventos teriam sido marcados pela queda de Roma, em 476 e pela queda de Constantinopla, em 1453. Para outros, seria o edito de Milão, em 313 e a chegada dos espanhóis à América, em 1492.
Já a polêmica sobre as características do período são ainda maiores: “Até os anos 1980, muitos historiadores consideravam a Idade Média o resultado da decadência e da corrupção do legado antigo, da depressão econômica, sendo uma época marcada pela violência sem limites, por perseguições contra aqueles que ousavam desafiar o poder da Igreja, por guerras incessantes, pela penúria, pela fome e também pela peste. Um quadro desolador”. No entanto, descobertas arqueológicas e novas interpetações têm lançado uma nova luz sobre o período.
Marcelo começa o livro desmistificando a ideia de que os bárbaros tomaram Roma e provocaram o fim da idade antiga. Segundo ele, na grande maioria das vezes, os bárbaros foram assimilados à sociedade romana.
Aliás, a queda de Roma, com a deposição de Rômulo Augusto por Odoacro é um evento que teve pouca importância à época. A começar pelo fato de que o poder do imperador do ocidente se restringia apenas à Itália (o poder mesmo havia se transferido para Constantinopla). Além disso, Rômulo não era romano, pois provinha de uma família da Germânia. E Odoacro, embora tivesse origem bárbara, fez carreira no exército romano.
É errado também pensar que as cidades não se desenvolveram na Idade Média. Em alguns casos, houve inclusive interesse dos senhores em desenvolver as vilas em decorrência dos impostos que geravam. Além disso, as cidades permitiam o escoamento do excesso de produção agrícola: “Esses aglomerados urbanos possuíam uma relação de simbiose com o mundo rural que os cercava, e essa simbiose foi uma das condições que favoreceram seu desenvolvimento”.
Aliás, as cidades produziram um dos mais importantes fenômenos medievais: as universidades. Tais instituições tinham de tamanho status que gozavam de autonomia jurídica em face de poderes civis e eclesiásticos. Surgidas na efervescência intelectual gerada pela redescoberta de Aristóteles, as universidades atendiam às necessidadades de reis, príncipes e papas que precisavam de pessoal qualificado para a administração, além de produzirem estudos que davam sustentação teórica às reinvidicações de supremacia dos poderes civis e eclesiásticos. Numa época em que reis e papas lutavam por poder, essa base teórica era essencial.
Mas, se por um lado o livro de Marcelo Cândido da Silva dá uma nova luz sobre o período, por outro também reforça muito do que se sabia, inclusive a dominação da igreja católica no período. Uma curiosidade: na época a Igreja católica proibiu a adoção de criança e o casamento de viúvas. A razão? Pela lei, quando alguém morria sem descendentes, todos os seus bens ficavam para a igreja. O enriquecimento da igreja foi tal que acredita-se que no final do século VII um terço de todas as terras aráveis da França pertencia à igreja.
Seja desfazendo alguns mitos ou reforçando muito que já se sabe sobre a Idade Média, o livro é uma boa introdução aos que se interessam pelo período. De negativo, a linguagem mais acadêmica e as longas citações de documentos da época, que podem afastar leitores menos acostumados com essas características.
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