sexta-feira, dezembro 03, 2021

Monstro do Pântano – Abandonadas casas



Na produção de histórias em quadrinhos norte-americanas é muito comum que o artista principal do título atrase a entrega de determinada edição. A solução geralmente encontrada é chamar um outro artista e fazer, às pressas, uma edição com flash back, reaproveitando trechos de alguma história antiga.

Alan Moore provavelmente se deparou com esse problema em Monstro do Pântano e a solução encontrada por ele não só não parecia um tapa-buraco como era genial e ajudou a redefinir o personagem, ampliando a sua mitologia.


Ao sonhar, Abbe vai parar no mundo habitado por Caim e Abel. 


Na história,  publicada em Swamp thing 33, Abe Cable está sonhando e vai parar num local enevoado onde estão dois irmãos, o arrogante e prepotente Caim e o assustado Abel. Os dois personagens, versões quadrinísticas dos personagens bíblicos, eram apresentadores de duas revista de terror da DC de muito sucesso na década de 1970, mas que não eram mais publicadas. Ao nomear a história de abandonadas casas e mostrar o local repleto de poeira, Morre faz um comentário metalinguístico sobre os quadrinhos norte-americanos, algo que ele desenvolveria em outros trabalhos, em especial o super-herói Supreme.

Caim era o narrador de House of Mistery


O desenho é Ron Randall, um dos grandes nomes do terror,  num estilo que se encaixa perfeitamente na história.

Abel apresentava as histórias de House of Secrets. 


Aparentemente, Abbe vai para o local para que lhe seja revelado um segredo ou um mistério. A casa dos segredos é a morada do acanhado Abel e a casa dos mistérios a habitação de Caim, mas este avisa: “Mistério é assombro que se pode ponderar e compartilhar, segredo é fardo a se carregar sozinho”.

Moore encaixa perfeitamente a história antiga na narrativa. 


Abbe prefere a casa de Abel e o segredo que lhe é revelado é nada menos que a primeira história do Monstro do Pântano, publicada na revista House of Secrets 2. Era uma história curta, escrita por Len Wein e desenhada por Bernie Wrightson, mas fez tanto sucesso que o personagem ganhou revista própria. Mas a primeira história se passava no século XIX, enquanto a versão da revista periódica se passava no século XX. Moore, em um movimento que abriria caminho para vários outros roteiristas, a exemplo de Neil Gaiman pega algo esquecido ou abandonado do passado do personagem e o introduz na cronologia, dando um novo significado.

A capa de House os Secrets homenageada em Swamp Thing 33. 


Na versão de Moore, a história demonstra que Alex Holland não foi o primeiro Monstro do Pântano, algo que seria desenvolvido mais à frente.

A história antiga não entra na edição como uma simples lembrança dos personagens, uma encheção de linguição. Ela tem impacto direto sobre a série. Mais do que isso, tudo é muito bem encaixado, inclusive o texto. Abel mostra para a garota uma pulseira de ouro e diz: “Só parece uma pulseira, mas é uma história (...) Começa assim... não consigo mais me lembrar da manhã...” e, quando pulamos a página, nos deparamos com o texto de Wein: “Não consigo me lembrar da manhã... mas conheço bem a noite! Agora a ela pertenço”.

Os leitores que não conheciam o Monstro do Pântano original devem ter se surpreendido com a qualidade de texto e imagem. 


Imagino o impacto que isso deve ter tido sobre os leitores. Eu, por exemplo, só conhecia a versão de Moore para o Monstro do Pântano e foi uma surpresa incrível perceber o quanto o texto de Wein naquela primeira história era poderoso e poético.

Essa história, em que tudo se encaixa, é uma verdadeira aula sobre como fazer uma edição tapa-buraco e mesmo assim produzir um clássico.

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