sexta-feira, março 31, 2023
A divulgação científica nos quadrinhos
A carpa e o dragão
Por outro lado, um sonho de Júlia é usado para referir à famosa xilografia A onda, de Katsushiko Hokusai e, ao mesmo tempo, revelar os sentimentos da protagonista pelo dono da loja.
Monstro do Pântano – Padrões de crescimento
No número 36 da revista Swamp Thing o Monstro do Pântano havia morrido envenenado pela radição do fuça radioativa.
No número 37 ele renasceu, brotando novamente no solo. Esse renascimento era simbólico. Representava também uma mudança no título e no próprio personagem, que a partir daí descobriu que poderia deixar um corpo morrer num local e ressurgir em outro local (posteriormente essa habilidade permitiu a ele até mesmo viajar para outros planetas). Mas também foi marcada pelo surgimento de um novo personagem: John Constantine. O anti-herói surgira a pedido dos desenhistas John Totleben e Stephen Bissette, que eram fãs do Sting e queriam desenhá-lo nas histórias.
A imagem de John Constantine era baseada no cantor Sting. |
Alan moore criou um mago misterioso, cínico, que cativou os leitores desde sua primeira aparição. “Sou gente ruim, xará. Pode conferir por aí”, diz ele na sua primeira conversa com o Monstro do Pântano. Posteriormente essa característica do personagem seria sintetizada na frase: “Não diga nada de bom sobre mim, isso arruinaria a minha imagem”.
O interessante dessa HQ é que Moore transforma algo que deveria ser tedioso (uma planta nascendo em crescendo lentamente) numa tremenda trama de suspense ao intercalar com a narrativa paralela de Constantine.
Não diga nada de bom sobre mim. Isso arruinaria minha imagem. |
Constantine visita uma amiga punk que acredita que um campo de energia extragaláctico está se libertando, o que poderá provocar o fim do mundo. Já para um nerd, é o monstro lovecraftiano Cthulhu, para uma freira, é Satã. O certo é que algo maligno está se retornando e provavelmente, o Monstro do Pântano será essencial para evitar que esse mal ecloda.
Uma verdadeira aula de como intercalar a trama principal com a trama paralela. |
Uma das sequências mais geniais é quando um monstro sai da prancheta de desenho da namorada de Constantine para aterrorizá-la. As duas sequências se encaixam perfeitamente, com o texto de uma descrevendo o que está acontecendo na outra. À certa altura, por exemplo, constantine diz: “Até o seu namorado saber o que ele é, na vida dele sempre vai ter... algo faltando”. E o desenho mostra a folha de papel, sem o monstro que fora desenhado. Uma aula sobre como trabalhar uma trama paralela.
Cabal - quadrinho nacional de qualidade
Cabal é um fanzine editado por Clodoaldo Cruz que estreia o primeiro número com uma ótima seleção e excelente qualidade gráfica (na verdade, tem qualidade gráfica de revista). O destaque são as histórias no estilo noir de Cat´s city, centradas em um detetive casca-dura. A edição tem duas histórias do personagem, uma de autoria de Reno (que também assina a ótima capa e quarta capa) e outra com roteiro de Clodoaldo e Sidartha e desenhos de Hélcio Rogério, que conseguem manter o mesmo nível do criador da série.
Merece destaque também "Loucura", com texto de Paulo Will e desenhos num estilo cartunesco deLaudo Ferreira Jr. (bem diferente de outros trabalhos dele, mas igualmente funcional para uma história de terror).
"O forasteiro" é outra HQ de terror, com roteiro de Edméia e A. Marcelino. Achei interessante a forte influência de Mozart Couto no desenho.
Nei Rodrigues contribui com uma história de fantasia intitulada "O herói esquecido". É uma surpresa agradável, principalmente pela forte influência de Flávio Colin, um dos maiores mestres nacionais que anda praticamente esquecido, mas, ao que parece, deixou herdeiros.
Em suma uma boa publicação alternativa que ainda guarda muito da influência do bom quadrinho
brasileiro das décadas de 1980 e 1990.
A revista pode ser pedida através do e-mail zinecabal@gmail.com.
Assunto de família, de Will Eisner
Will Eisner era um narrador tão bom que conseguia fazer qualquer assunto, até uma prosaica reunião familiar, tornar-se uma HQ impressionante. Esse é exatamente o tema de Assunto de família, lançado no Brasil pela Devir em 2009.
Um
homem de 90 anos vai fazer aniversário e a filha que cuida dele manda convites
para todos os outros filhos. Nós acompanhamos cada um deles se arrumando para
ir à festa e, no processo, conhecemos um pouco sobre cada um: o pilantra que
arriscou todo o seu dinheiro numa companhia de petróleo e pode perder tudo; a
senhora que casou por interesse e domina o marido; a garota bonita que tentou
ser modelo e não conseguiu e agora vive com um bêbado...
Os
personagens vão desfilando pelo leitor, que vai conhecendo suas personalidades,
histórias de vida e principalmente, a razão pela qual a maioria está indo para
a festa: o velho tem uma herança, que pode mudar a vida de todos.
A
festa, como era de se esperar, acaba se tornando uma luta de egos e de
interesses. Eisner usa um recurso interessante: quando cada um deles encontra
com o pai, balões de pensamento trazem pequenos flashs deles com o genitor. Em outro
momento, focado no pai, a narrativa é divida em dois, com presente à esquerda e
passado à direita.
Mais
do que uma leitura viciante, Assunto de família é uma verdadeira aula de
narrativa sequêncial.
The Toys – os brinquedos da nossa infância
quinta-feira, março 30, 2023
Joyland, de Stephen King
A loucura dos quadrinhos
Em 1985, quando a Marvel lançou uma minissérie do personagem Longshot, o que chamou atenção não foi tanto o personagem, mas estilo detalhista de seu desenhista, Arthur Adams. Embora não tivesse pique para uma série mensal, Adams acabou deixando sua marca nos quadrinhos, influenciando toda uma nova geração. Seu arte-finalista era Whilce Portacio, que fora colocado na série exatamente para aprender com Adams. Acabada a mini, Portacio foi colocado no título Tropa Alfa, com desenhos do sul-coreano Jim Lee. Os dois se tornaram amigos e definiram um estilo que marcaria os anos 1990.
Marketing: comportamento do consumidor
Um exemplo clássico foi o personagem Popeye, que fez aumentar em muito o consumo de espinafre nos EUA. A importância do personagem para as vendas desse vegetal foi tão grande que os produtores ergueram duas estátuas para o Popeye: uma em Crystal City , no Texas, e outra em Alma, no Arkansas.
Mosaico de Ravena - Matintaperera
lendas. Ao contrário: suas músicas eram sombrias como as matas amazônicas e o
melhor exemplo desse clima é Matinta:
encarnou esse clima de conto de terror foi feita pelo grupo paraense Mosaico
de, a começar pelo grito aterrorizante da Matinta.
Ken Parker – os pioneiros
Algumas histórias de Ken Parker poderiam facilmente serem adaptadas para o cinema – e com certeza dariam bons filmes.
O episódio Os pioneiros, número 53 da série, é um exemplo. A história tinha toda a estrutura para se transformar num bom filme.
A trama começa com Ken Parker salvando um fazendeiro no meio de uma tempestade areia. O homem havia tentando ir para a cidade chamar um médico para o filho, que arde em febre. Pioneiro da região, ele viu o rio secar e toda a sua fazenda se transformar num verdadeiro deserto.
Trevisan dominava perfeitamente a narrativa visual. |
Essa história tem um enredo muito parecido com o de um filme famoso, Os brutos também amam: um desconhecido chega a uma fazenda com sérios problemas, passa a ser idolatrado pelo filho do casal e desperta a paixão da esposa do fazendeiro.
Mas Giancarlo Berardi traz questões e dilemas que vão muito além de Os brutos também amam. Uma das mais interessantes é caracterizar o fazendeiro como um pacifista, que jogou fora a única arma que tinha em casa. A trama toda gira em torno desse dilema: pode alguém pacifista continuar íntegro no meio de um ambiente bruto como o velho oeste?
A sequência em que Parker ensina o garoto a caçar é memorável. |
A edição traz momentos memoráveis: Ken Parker ensinando o menino a caçar; a esposa enlouquecida com a morte do filho mais novo; a própria tempestade de areia. Essas sequências são destacadas pelo ótimo desenho de Trevisan, com traços soltos e rápidos e ótima narrativa visual.
Curupira
Nunca acreditei em elementais. Só mudei de opinião quando visitei uma cidade da ilha de Marajó chamada Muaná.
Fui com a minha namorada na época e atual esposa. Talvez caiba aqui uma palavrinha sobre o modo de vida na ilha de Marajó. O que mais salta aos olhos é a importância do rio. Para as pessoas que moram no interior, o rio é tudo: de fonte de alimentos a rua. Sim, rua! Para se ir à casa do vizinho, não se vai por terra, mas pela água. Hoje todos têm voadeira ou rabeta. Mas na época que se passa a história, todos usavam uma canoazinha inconstante, que alguns chamam montaria ou cascinho.
Todos fazem suas casas na beira da água. Minha esposa me contou que certa vez sua mãe brigou com uma vizinha que morava do outro lado do rio. As duas postaram-se na ponta do trapiche e ficaram lá, gritando impropérios uma para a outra. Para nós, seria como ter uma discussão com um vizinho que mora a duas ruas de distância sem sair de casa.
Usando um casquinho, no qual eu quase nunca conseguia me equilibrar, visitamos vários locais e conhecemos a região próxima ao rio. Mas tinha ganas mesmo era de andar no meio da floresta. Afinal, eu já estava mais do que acostumado a fazê-lo na mata do Utinga, em Belém. Assim, munido de um facão, entrei na floresta.
Meu objetivo era encontrar um pé de fruta (não me lembro realmente qual) que havíamos avistado à beira de uma baixinha. Baixinha é como os caboclos chamam os pequenos riachos criados pela cheia do rio. Verdadeiras veias que serpenteiam toda a mata, transformando-se em valas de lodo quando a maré está baixa.
Não houve qualquer problema na ida, embora eu fosse obrigado a atravessar uma parte bem densa da floresta e não tivesse comigo uma bússula. Cheguei exatamente onde queria, o que não surpreende, pois eu estava acostumado a andar na mata e sempre o fiz usando apenas o sol, a beira do rio e as trilhas existentes para me orientar.
Infelizmente, o cacho estava vazio. Algum animal se antecipara a mim na colheita das frutinhas. Era retornar.
Quando voltava, comecei a ouvir passos atrás de mim. Quem quer que fosse, andava quando eu andava e parava quando eu parava. Intrigado, dei o grito característico que os caboclos usam para se cumprimentarem. Uma mistura de O com U muito agudo e forte. Pode parecer pouco elegante, mas no meio da mata é a melhor maneira de se ter certeza de que o outro ouvirá. Mas naquela ocasião, meus cumprimentos não foram respondidos.
Tentei novamente, ainda mais forte. Nada.
Continuei andando, e os passos atrás de mim. Era bem audíveis. Não se tratava, por exemplo, de uma ilusão auditiva provocada pelo vento nas folhas ou pelos galhos caídos. Não mesmo. Podia ouvir perfeitamente os passos atrás de mim: poc poc poc... de vez em quando, podia perceber uma madeira estalando, sinal claro de que alguém a pisara.
Parei novamente... e repeti o cumprimento. Nenhuma resposta. Comecei a pensar, então, que poderia ser um porco. Os marajoaras têm o costume de criar seus porcos soltos pela floresta. Todo dia, no final da tarde, os suínos se reúnem para receber comida de seu dono, mas passam a maior parte do dia na floresta, devorando coquinhos. De vez em quando um deles se torna selvagem, dando ensejo para uma caçada com espingardas pica-pau.
Certo de que era um porco, pus-me a chamá-lo. Coisa curiosa são as formas que o pessoal do interior usa para chamar porcos. Cada região tem uma. Na ilha de Marajó, chama-se assim: cheine, cheine, cheine... pode parecer nome de cowboy, mas funciona. Comigo, no entanto, não deu certo. Não era um porco.
Enquanto chamava o porco, parei numa clareira com uma mangueira muito grande. Continuei andando. Pelos meus cálculos, já devia estar perto da casa e logo acabaria me livrando do meu perseguidor. Para minha surpresa, não só não encontrei a casa, como voltei para o mesmo ponto: a clareira com a mangueira! Fiquei apavorado. Eu nunca havia andado em círculos em todos os anos de experiência na floresta! Além disso, para fazê-lo, eu precisaria estar caminhando há horas. Eu havia voltado para o mesmo ponto em poucos minutos! Para quem achava que estava indo em linha reta, era uma constatação assustadora.
Lembrei imediatamente da lenda do curupira. Para os que não a conhecem, o curupira é um menino de cabelos de fogo e pés voltados para trás. Trata-se de um elemental da floresta, que faz com que se percam caçadores e pessoas mal-intencionadas (na verdade, eu descobri depois que qualquer um que entra na mata sem pedir permissão é considerado mal-intencionado). O curupira tem também o poder de ilusão. Há uma história sobre um caçador que sempre matava mais animais do que precisava, desrepeitando a natureza. Para castigá-lo, o curupira fez com que ele, vendo sua mulher, pensasse que se tratava de um bicho. Resultado: o caçador fez fogo e acabou matando a própria esposa...
Todas essas histórias me vieram à mente naquele momento. Então fiz a única coisa que não poderia ter feito: saí correndo pela mata. Quando dei por mim, estava completamente perdido. Os passos já não me seguiam mais.
A mata da região tinha uma característica que dificultava em muito as coisas para mim. O chão era, na maior parte, elameado. Nada de terra firme, na qual acabam se formando trilhas nos locais por onde as pessoas passam com mais freqüência. Em certo ponto, precisei atravessar uma baixinha que estava aparentemente seca. Quando dei o primeiro passo, afundei até quase a cintura. A lama era tão espessa que agarrava meu tênis, tirando-o do pé. Isso me atrasava, pois eu tinha de voltar para pegá-lo. Andar sem tênis, nem pensar.
Já em terra firme, pensei em seguir uma baixinha, mas eu sempre as encontrava pelo meio e, como ainda não começara a cheia, não sabia para que lado ficava o rio. Outro problema é que, em certas regiões mais estreitas da ilha, as baixinhas poderiam até varar de um lado a outro.
O jeito era gritar e andar. Fiz isso até que ficasse rouco e meus pés já não me agüentassem em pé. O pior de tudo é que o dia já ia terminando. A perspectiva de passar a noite na floresta sozinho, enlameado, sem fogo, e apenas com um facão era assustadora demais para ser sequer cogitada. Eu não iria querer isso nem para o meu pior inimigo. A floresta de dia é uma espécie de paraíso silvestre, um local onde reencontramos nossa essência, um local em que entramos em contato com a natureza no seu estado mais puro... mas a floresta de noite é um inferno capaz de fazer Rousseau mudar de idéia e ansiar desesperadamente para o conforto de uma casa com todas as comodidades modernas. Há os insetos. Todos eles saem de noite para se alimentar do primeiro bobalhão com a pele descoberta que puderem encontrar. E existem insetos que nem merece esse nome, pois são enormes, verdadeiros monstros. Além deles, todos os animais carnívoros saem de noite para caçar. E havia também aquilo que não podia ser nomeado, as criaturas da noite, que não existem para a nossa realidade cartesiana, mas são perigosamente reais quando o manto negro cai sobre as árvores. E, quando se está na floresta, a noite cai de repente, sem qualquer aviso. Num momento é dia e no outro é a mais negra noite.
Estava já quase desistindo e me conformando com minha má sorte quando ouvi vozes. Vozes humanas. Comecei a gritar para chamar a atenção de quem quer que fosse, enquanto me aproximava da origem do som. Então percebi que as pessoas estavam do outro lado de uma baixinha. Uma, aliás, que nem merecia esse nome: era enorme.
Impossível de atravessar como eu fizera com a outra. Comecei a percorrer a beira até encontrar uma árvore caída que servia de ponte. Quase caí, mas cheguei do outro lado. Depois de muita procura, encontrei um casal de caboclos com filhinha. Contei para eles minha história.
- Nós estamos indo catar açaí. – informou o homem. Espere aqui, que depois a gente te leva pra casa.
Sentei numa árvore caída e esperei. Esperei. Esperei e esperei. O tempo passou e nada deles aparecerem. Uma idéia idiota, aterrorizante, passou por minha mente: e se não existissem nem o homem, nem a mulher, nem a criança? E se fosse tudo uma ilusão provocada pelo curupira?
O tempo passava e eu me sentia cada vez mais angustiado. O pensamento terrível aparecia de tempos em tempos, mas eu o afastava, como quem espanta um mosquito.
Finalmente, ouvi barulho de vozes. Os três apareceram, trazendo cachos de açaí. Enquanto me levavam para sua casa, eles me informaram que eu havia atravessado de um lado a outro da ilha. Também disseram que, pelo caminho que ia, acabaria chegando no mangue e, provavelmente, seria obrigado a passar a noite lá.
- O mangue é um lugar terrível para se andar. – comentou o homem.
Realmente, além do solo enlameado, essa região tem uma vegetação característica, composta de capim navalha (que corta a pele ao menor contato) e plantas espinhosas.
No final, voltamos para a casa do meu sogro da maneira mais rápida: de canoa. A maré estava cheia, o que nos permitiu atravessar por uma baixinha que ia de um lado a outro da ilha. Caso contrário, teríamos que contornar a ilha, o que levaria horas.
Quando contei o que me acontecera, meu sogro não só não duvidou de minha palavra, como ainda aconselhou:
- Não se entra na mata sem pedir permissão.
(Ilustração do amigo Romahs)