Uma das obras mais famosas e
reconhecidas da literatura infantil brasileira é O gênio do crime, de João
Carlos Marinho, lançado originalmente em 1969 pela editora Brasiliense. O livro
chegou a vender mais de um milhão de exemplares somando todas as suas edições.
A abertura do livro é uma
verdadeira pérola literária. Se fosse uma matéria jornalística, seria o lead
perfeito:
“Deu mania, mania forte,
dessas que ficam comichando o dia inteiro na cabeça da gente e não deixa pensar
em mais nada. Quem enchia o álbum ganhava prêmios bons e a turma jogava abafa
pela cidade: São Paulo estava de cócoras, batendo e virando”.
A história gira em torno de
um empresário de figurinhas que está sendo vítima de um vigarista. Alguém está
imprimindo as figurinhas difíceis e vendendo por altos valores. Como resultado,
a empresa precisa pagar muito mais prêmios do que deveria de fato. Isso, aliás,
gera um revolta e as crianças chegam a pensar em incendiar o prédio quando uma
delas, Edmundo, convence as outras a resolver a situação de modo pacífico.
Na sequência, o dono da
empresa procura o garoto e lhe faz um pedido: descobrir a o fornecedor das
figurinhas falsas. O homem já havia contratado diversos detetives, mas os
cambistas sempre os despistavam. Restava a ele tentar com crianças, que
chamariam menos atenção.
Entra em ação o trio de
protagonista: Edmundo, Pituca e Gordo, ou Bolacha. São os três que vão
descobrir toda a trama por trás do gênio do crime envolvido com as
falsificações. Lá pelas tantas entra na história um tal de Mister John, um
detetive gringo que cria as principais situações de humor da história.
A trama é surreal. Por que
razão um gênio do crime, que seria capaz de bolar qualquer tipo de golpe, resolveria gastar seu tempo falsificando
figurinhas de jogadores de futebol? Pior: ainda estabelecendo um esquema
extremamente sofisticado de recebimento de encomendas e entrega de de
figurinhas para os cambistas?
Além disso, hoje o livro
dificilmente seria aceito, a começar pelo
próprio apelido de um dos protagonistas, Gordo. E, logo na primeira
participação na história, o detetive gringo oferece uísque para uma das
crianças. Quando Pituca bebe, é tomado por soluço incurável. Essa cena, politicamente
incorreta em todos os sentidos, é coroada por um dos momentos mais cômicos da
história. O Mister pede que Pituca coloque um copo de água sobre a cabeça e
depois atira, estilhaçando o copo. “O senhor ficou gira, Mister. E se o tiro
pega em mim?”, reclama o garoto. “O sistema ser perfeita”, responde ele. “Se
tira pegar na você, a soluço passar da mesma maneira”.
Provavelmente o segredo do
sucesso do livro estava justamente aí. Na trama ao mesmo tempo infantil e
ingênua misturada com situações de perigo real.
Além disso, é inegável a
força narrativa de João Carlo Marinho, que brinca com as palavras, inventa,
dribla a gramática em frases e palavras como “O cambista conferiu o seu
oclóque”, “atrapalhação”, “esparramação”, “pranchou”; “escapulido”.
Marinho inovou tanto na
linguagem que provavelmente se sentiu inseguro quanto à recepção do livro.
Tanto que na primeira edição acrescentou um posfácio dedicado a professores em
que defende seu jeito de escrever citando exemplos de grandes nomes da nossa
literatura, como Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira. Nas edições
seguintes, com o sucesso absoluto do livro junto ao público infantil, esse
posfácio desapareceu.
Uma curiosidade: quando
procurava o livro para resenhar, acabei descobrindo que, além de uma edição
recente da Ediouro, tinha também uma da Brasiliense. Fui olhar a data e
descobri que é nada menos que a primeira edição do livro no Brasil. É a capa
dele que aparece na imagem.
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