sábado, julho 27, 2024

Mas não se matam cavalos?

  


Na década de 1930 um fenômeno bizarro se espalhou pelos EUA: as maratonas de dança. Elas tinham surgido na década de 1920 e duravam poucas horas. Com a grande depressão, as maratonas passaram a ser buscadas por pessoas desesperadas em busca do prêmio, que variava de 1000 a 1500 dólares, e comida, já que os dançarinos tinham direito a várias refeições diárias.

As maranotas começaram a durar dias, semanas e até meses, com os competidores muitas vezes desmaiando de exaustão. Para o público, o evento era uma forma de se divertir com o sofrimento dos outros e esquecer as agruras da vida. 

O escritor Horace McCoy chegou a participar de uma dessas maratonas durante um período em que estava desempregado. A experiência serviu de base para seu primeiro romance, Mas não se matam cavalos, de 1935. 

O livro é narrado por Robert Syverten, um rapaz que pretende se tornar diretor de cinema. Ao tentar trabalho em um estúdio, ele conhece Gloria Beatty, uma figurante de pouca expressão que o convence a participar da maratona como forma de chamar atenção dos estúdios de cinema. 

McCoy constrói a narrativa de forma envolvente e provavelmente revolucionário à época. Já no primeiro capítulo descobrimos que Robert matou Glória. Ele está no tribunal, sendo julgado por essa morte. Tudo que é narrado no livro são as suas lembranças enquanto ele ouve a sentença, cujas partes são distribuidas ao longo dos capítulos. 

Nitidamente o autor é influenciado pelo estilo noir e isso se reflete na escolha narrativa, que trata o tema como uma história policial. Sabemos que o protagonista matou sua parceira na dança, mas queremos saber por que é em que circunstâncias isso aconteceu. 

A influência do noir aparece também no texto, direto, sem firulas estilisticas. As elocução dia diálogos, por exemplo, limitam-se a “ele disse, ela disse”. 

Essa escolha narrativa pode parecer pobre, mas funciona perfeitamente no livro. 

McCoy traz detalhes sobre como funcionavam as maratonas:

“A maratona começou com 144 pares, mas 61 desistiram na primeira semana. A regra era dançar durante uma hora e cinquenta minutos e depois dez minutos de descanso, quando a gente podia dormir se quisesse. Mas aqueles dez minutos também eram para a gente se barbear, ou tomar banho, ou cuidar dos pés, ou qualquer outra necessidade”.

Depois de um certo tempo, a maioria se mexia apenas o bastante não serem desclassificados.  

Traz também detalhes sobre o nível de crueldade dessas competições. À certa altura, por exemplo, o organizador inventa um tal de Derby, uma corrida em volta de um círculo. Os homens só podiam andar sobre os calcanhares ou nas pontas dos pés. As mulheres os acompanhavam agarradas aos seus cintos. É de se imaginar o quanto pessoas exaustas correndo dessa forma em volta de um círculo poderia gerar um espetáculo bizarro para a plateia. Os ganhadores do Derby recebiam como prêmio de apenas 10 dólares, um valor baixo, mas que podia fazer a diferença numa época de depressão econômica. 

Outra forma de ganhar dinheiro era se exibir para a plateia esperando receber moedas. 

McCoy cria a impressão de que estamos vendo tudo aquilo diante de nossos olhos, impressão ampliada pela estratégia de colocar, no início de cada capítulo as horas transcorridas e os casais restante. 

A personagem Glória, com seu instinto depressivo, tornou-se um dos maiores símbolos dos EUA no período após a queda da bolsa de 1929.

Mas não se mata cavalos agradará tanto quem gosta de histórias policiais ou dramas humanos quanto quem tem interesses em relatos sobre esse momento histórico.

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