Na década de 1930 um fenômeno bizarro se
espalhou pelos EUA: as maratonas de dança. Elas tinham surgido na década de
1920 e duravam poucas horas. Com a grande depressão, as maratonas passaram a
ser buscadas por pessoas desesperadas em busca do prêmio, que variava de 1000 a
1500 dólares, e comida, já que os dançarinos tinham direito a várias refeições
diárias.
As maranotas começaram a durar dias, semanas
e até meses, com os competidores muitas vezes desmaiando de exaustão. Para o
público, o evento era uma forma de se divertir com o sofrimento dos outros e
esquecer as agruras da vida.
O escritor Horace McCoy chegou a participar
de uma dessas maratonas durante um período em que estava desempregado. A
experiência serviu de base para seu primeiro romance, Mas não se matam cavalos,
de 1935.
O livro é narrado por Robert Syverten, um
rapaz que pretende se tornar diretor de cinema. Ao tentar trabalho em um
estúdio, ele conhece Gloria Beatty, uma figurante de pouca expressão que o
convence a participar da maratona como forma de chamar atenção dos estúdios de
cinema.
McCoy constrói a narrativa de forma
envolvente e provavelmente revolucionário à época. Já no primeiro capítulo
descobrimos que Robert matou Glória. Ele está no tribunal, sendo julgado por
essa morte. Tudo que é narrado no livro são as suas lembranças enquanto ele
ouve a sentença, cujas partes são distribuidas ao longo dos capítulos.
Nitidamente o autor é influenciado pelo
estilo noir e isso se reflete na escolha narrativa, que trata o tema como uma
história policial. Sabemos que o protagonista matou sua parceira na dança, mas
queremos saber por que é em que circunstâncias isso aconteceu.
A influência do noir aparece também no texto,
direto, sem firulas estilisticas. As elocução dia diálogos, por exemplo,
limitam-se a “ele disse, ela disse”.
Essa escolha narrativa pode parecer pobre,
mas funciona perfeitamente no livro.
McCoy traz detalhes sobre como funcionavam as
maratonas:
“A maratona começou com 144 pares, mas 61
desistiram na primeira semana. A regra era dançar durante uma hora e cinquenta minutos
e depois dez minutos de descanso, quando a gente podia dormir se quisesse. Mas aqueles
dez minutos também eram para a gente se barbear, ou tomar banho, ou cuidar dos
pés, ou qualquer outra necessidade”.
Depois de um certo tempo, a maioria se mexia
apenas o bastante não serem desclassificados.
Traz também detalhes sobre o nível de
crueldade dessas competições. À certa altura, por exemplo, o organizador
inventa um tal de Derby, uma corrida em volta de um círculo. Os homens só
podiam andar sobre os calcanhares ou nas pontas dos pés. As mulheres os
acompanhavam agarradas aos seus cintos. É de se imaginar o quanto pessoas
exaustas correndo dessa forma em volta de um círculo poderia gerar um
espetáculo bizarro para a plateia. Os ganhadores do Derby recebiam como prêmio de
apenas 10 dólares, um valor baixo, mas que podia fazer a diferença numa época
de depressão econômica.
Outra forma de ganhar dinheiro era se exibir
para a plateia esperando receber moedas.
McCoy cria a
impressão de que estamos vendo tudo aquilo diante de nossos olhos, impressão
ampliada pela estratégia de colocar, no início de cada capítulo as horas
transcorridas e os casais restante.
A personagem Glória, com seu instinto
depressivo, tornou-se um dos maiores símbolos dos EUA no período após a queda da
bolsa de 1929.
Mas não se mata cavalos agradará tanto quem
gosta de histórias policiais ou dramas humanos quanto quem tem interesses em
relatos sobre esse momento histórico.
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