terça-feira, agosto 20, 2024

Sandman – A série televisiva

 


Durante anos os fãs de Sandman esperaram uma série ou um filme do Mestre dos Sonhos. Mas, enquanto personagens secundários da série, como Lúcifer, ganhavam sua versão áudio-visual, Morpheus parecia nunca ter sua chance na tela, seja pequena ou grande.

Agora descobrimos porque isso aconteceu. Neil Gaiman esperava a possibilidade de ter controle sobre sua criação, o que finalmente aconteceu com a série recentemente lançada pela Netflix , na qual Gaiman atuou como produtor executivo, roteirista e consultor. Há relatos de que ele interferia até mesmo na direção de atores, repreendendo constantemente o ator: Tom Sturridge: “Você não é o Batman!”.

O resultado é uma extremamente fiel aos quadrinhos a ponto de muitas vezes parecer que estamos vendo uma versão animada dos quadros.

Em alguns casos, a versão do seriado é melhor que a dos quadrinhos, pois o tempo da série, sendo maior que a de uma revista de 24 páginas, permite que os roteiristas consigam explorar melhor os personagens e situações.

Exemplo disso é o capítulo cinco, que adapta a história 24 horas. Até então o seriado vinha trabalhando com várias narrativas paralelas. Nesse episódio, a ação foca apenas na lanchonete na qual está o Doutor Dee com o rubi dos sonhos, criando uma uma utopia às avessas em que todas as regras de civilidade são dispensadas. A estratégia, inteligente, cria uma sensação de claustrofobia, como se o expectador estivesse ali, preso junto com os clientes da lanchonete. Detalhe: a atuação de David Thewlis é fenomenal como Doutor Dee.  

Outro episódio memorável – e que também acaba sendo melhor que a HQ, é O som das asas dela, que mostra o encontro de Sonho com sua irmã, a Morte. A atuação de Kirby Howell-Baptiste é marcante e dá o tom de alegria e acolhimento que a personagem exige. Além disso, sequências como a do violinista ganham muito quando o receptor consegue ouvir o som. De forma inteligente, os roteiristas conseguiram ligar esse episódio a um conto de Sandman no qual ele encontra o homem que não morre. As duas histórias têm o mesmo tom emotivo e sensível.

Embora o seriado seja muito fiel aos quadrinhos, temos visto muitas pessoas reclamando das “mudanças”, que na visão delas “estragariam” essa versão.  Neil Gaiman tem dito que quem está reclamando das mudanças ou não leu, ou não entendeu os quadrinhos – e minha tendência é concordar com ele. Todas as mudanças no seriado já estavam implícitas na obra original.

Nos quadrinhos, os perpétuos são mostrados como seres antropormóficos que são vistos de forma diferente ao longo da série: negros, brancos, asiáticos. Aliás, até mais que antropormóficos, já que em um dos episódios mais célebres, “Um sonho de mil gatos”, Morpheus é mostrado como um gato. Diante disso, é difícil entender quem reclama que a Morte seja interpretada por uma atriz negra. Ela poderia ser interpretada por uma atriz latina, asiática, marciana – e ainda continuaria sendo a Morte. Aliás, Gaiman tem afirmado que escolheu a atriz pelo teste de câmera: ela foi quem se saiu melhor, o que percebemos por sua atuação soberba no episódio seis.

Em alguns casos as mudanças foram uma necessidade da produção, como aconteceu com John Constantine, que já estava comprometido com outra série e não poderia ser usado em Sandman. Gaiman trocou-o por Joana Constantine, uma personagem que já tinha aparecido nos quadrinhos. Aliás, a personagem agradou a ponto de muitos estarem sugerindo uma série prequel com ela – essa proposta tem todo o meu apoio.

Outra crítica comum é dizer que o seriado estaria forçando na lacração, como em colocar Joana Constantine como lésbica. Quem faz essa crítica esquece que Sandman foi o primeiro quadrinho do mercado de comics a mostrar uma personagem abertamente lésbica, isso no número 6 da revista, portanto no primeiro arco.

Sejam por necessidade ou não, a maioria das mudanças ou é indiferente ou acrescentou algo ao material original.

Em tempo: Sandman  parece estar agradando. O seriado está em primeiro lugar na Netflix em dezenas de países.  O lado ruim disso é que com certeza agora os quadrinhos ficarão ainda mais caros. Quem tem a coleção original da editora Globo, como eu, que guarde bem guardado.

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