quinta-feira, dezembro 19, 2024

Malícia no país das maravilhas



A forma como consegui o álbum Malícia no país das Maravilhas, de Wallace Wood, é curiosa. Eu achei em um sebo de Curitiba um encadernado com álbuns eróticos publicados pela editora Concorde que era, nada mais nada menos que um selo da editora Acti-Vita, curiosamente uma editora educativa. O encadernado juntava material mediano, como As aventuras de Liz e Beth e tosqueiras, como O diário de Laura, de um tal de C.A Martinez. Já ia colocando de volta na prateleira, quando, lá no final, encontrei o álbum de Wood. Um material que, na época, deve ter passado batido dos fãs de quadrinhos, pois a capa não era dele e não havia qualquer outra referência a ele na capa.

O álbum traz várias histórias eróticas de Wood, com destaque para a adaptação de Alice no país das maravilhas. A história, completamente sem sentido, brinca com algumas situações do livro. Por exemplo, à certa altura, Malícia come uma fruta pensando em crescer, mas o que crescem são seus seios. No álbum, aliás, qualquer motivo é motivo para as mulheres mostrarem os seios – o que dá uma oportunidade de Wood de mostrar como sabe desenhar o corpo feminino. Os homens, ao contrário dos homens, que são sempre feios e caricatos.

Asterix, o suruba é uma sátira aos mais variados tipos de quadrinhos. 


Além de Alice, Wood adapta os contos de João e Maria, A bela adormecida, mas as histórias mais interessantes são que não são adaptações de contos e fadas.

Asterix suruba, o terrível é uma referência direta aos quadrinhos underground – e Wood imita os artistas desse movimento, inclusive na diagração e no título da história. A trama gira em torno de um desenhista de quadrinhos que encontra um mago e este lhe ensina uma palavra mágia, Asterix (Agradável, Surpreendente, Triunfante, Espantoso, Revolucionário, Inteligente, Xenófobo), que quando dita o transforma em um super-desenhista, disputado pelos editores. Wood consegue, em uma só página, satirizar os quadrinhos underground, os quadrinhos europeus e os super-heróis americanos.

Dale é sempre salva por Flasher, mas quando é ela que o salva... 


Há sequências geniais, como quando o protagonista se transforma na frente da secretária e ela parece estar mais interessada nas palavras-cruzadas: “Carneiro selvagem de chifres com sete letras?”, pergunta ela.

O pesonagem, transformado pela palavra mágica não só se transforma em um grande desenhista (inclusive em tamanho), como se torna um astro sexual, protagonizando diversas fitas. Era Wood literalmente satirizando toda a indústria dos quadrinhos com um humor para lá de ácido.

Dragonela satiriza as histórias do Príncipe Valente. 


Flasher Gordon é outro grande momento do álbum. Na história, Dale Arden está sempre à mercê de vilões lascivos, mas acaba sendo sempre salva pelo herói, que se aproveita dela. Mas quando é ela que o salva, a situação sofre uma hilariante reviravolta.

O álbum fecha com a história “Meu universo”, no qual Wood, de forma levemente autobiográfica, reflete sobre seu trabalho erótico (há uma outra história parecida, mas com foco na ficção científica). A HQ é emocionante, especialmente no final, quando o autor diz: “Meu univeso é aquele que crio, aquele nasce em meu espírito e que ganha vida sobre o papel com muito amor e suor, porque eu sou um desenhista de histórias em quadrinhos... eu me chamo Wallace Wood”.

Meu universo é uma emocionante história com toques autobiográficos. 


Em tempo: boa parte dessas histórias foram posteriormente publicadas na revista Porrada, que aproveitou a tradução feita pela Concorde. 


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