A primeira vez que vi o filme Crepúsculo dos deuses foi
numa sessão da TV Bandeirantes dedicada a filmes clássicos. Eu nem sabia quem
era o diretor Billy Wilder e provavelmente nem mesmo o que era um filme noir.
Mas fiquei magnetizado.
Billy Wilder, ao contrário de outros diretores, como John
Ford, nunca foi conhecido pelo apuro técnico. Ele sempre se destacou pelos
ótimos roteiros e pela narrativa envolvente. Mas em Crepúsculo dos deuses tudo
é eficiente: a fotografia, os planos... cada take é perfeito em termos de
composição. É nítido que Wilder sabia que essa seria sua obra prima e se
esforçou ao máximo.
Na trama, um roteirista falido está fugindo de brutamontes
que querem tomar seu carro por falta de pagamento quando se esconde na garagem
de uma mansão antiga, em um bairro chique de Hollywood (daí o Sunset Boulevard
do título original).
Ali mora uma atriz do cinema mudo, cuja carreira acabou com
os filmes sonoros. A mulher acredita que ele é dono da funerária que irá cuidar
do enterro do seu chimpanzé (um detalhe macabro que antecipa muito do que virá
pela frente), mas ao descobrir que ele é um roteirista de cinema, o contrata
para reescrever um roteiro escrito por ela. Ela acredita que esse roteiro será
sua volta triunfal aos cinemas, mas na verdade, o roteiro é muito ruim e ela,
além da voz estranha, ainda é considerada velha demais pelos estúdios
(curiosamente, a personagem tem 50 anos, o que, na década de 1950 era
considerado velhice).
O filme começa com um cadáver numa piscina. Na versão original era no necrotério.
O que se estabelece aí é uma relação doentia que se
anuncia, desde o primeiro momento, em tragédia. A personagem vive num mundo à
parte, em uma casa cheia de retratos seus e assistindo diariamente seus
próprios filmes no cinema particular.
Gloria Swanson, que interpreta a atriz decadente Norma
Desmond, faz um trabalho espetacular. Sua atuação é forçada, em gestos e
olhares, como se atriz do cinema mudo tivesse sido incapaz de distinguir
realidade de ficção e estivesse vivendo como se vivesse num filme mundo. Swanson,
aliás, é uma atriz que começou sua carreira em 1914, portanto na época do
cinema mundo.
Wilder transformou seu filme em uma homenagem à primeira
geração do cinema americano, incluindo no elenco atores famosos da época, como Buster
Keaton, H. B. Warner e Anna Q. Nilsson, que aparecem em uma cena jogando cartas
com a protagonista. O diretor Cecil B.
DeMille interpreta ele mesmo no filme. O diretor Erick von Stroheim, também um
dos cineastas clássicos de Hollywood, interpreta o criado de Norma Desmond –
posteriormente descobrimos que ele é um famoso diretor de cinema que largou a
carreira para cuidar da atriz.
Norma Desmond vive em um mundo de fantasia, no qual ainda é uma estrela.
O fato de todas essas estrelas terem aceitado participar do
filme mostra como Crepúsculo dos Deuses já era considerado um clássico mesmo
antes de ser lançado. De fato, ganhou três prêmios Oscar e na lista dos
melhores filmes norte-americanos aparece entre os 20 primeiros.
Uma curiosidade é que Crepúsculo dos Deuses foi a única vez
em que Wilder mexeu o roteiro. Ele era conhecido por seguir rigidamente seus
roteiros, mas nesse caso teve que mudar tudo.
Na versão original, o filme começava num necrotério e o
protagonista, já morto, se levantava e começava a contar sua história para
outro defunto. Nas sessões de testes as pessoas gargalharam.
Wilder resolveu começar com o protagonista morto numa
piscina enquanto uma voz em off narra a história. Nós só descobrimos que o
narrador é o morto no final, o que deixou a narrativa muito mais interessante. Temos
aqui um ótimo exemplo de como a narrativa em off pode ser usada de forma
inteligente de forma a criar ainda mais camadas de significado, tornando o
filme ainda mais denso. Aliás, provavelmente foi esse filme que sedimentou a
narrativa em off como uma característica basilar do noir.
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