sábado, janeiro 25, 2025

Ken Parker – Adah

 


Quando surgiu, Ken Parker era um faroeste totalmente diferente de qualquer coisa que já se tinha visto. A história Adah é uma representação perfeita disso.

Para começar, Parker é um personagem secundário, que aparece apenas na terceira parte da história. A trama inteira é focada em Adah, uma ex-escrava. Acompanhamos seu relato desde a mais tenra idade, quando ela percebe a dura realidade de ser escrava ao apanhar apenas por chegar perto da sinhazinha.

Ao apanhar por chegar perto de uma menina branca, Adah descobre sua condição social. 


Depois ela descobre que não só ela, mas todos os seus irmãos, são filhos do senhor, o que a leva a situação inusitada, de amor e ódio pelo dono da fazenda. O roteiro de Berardi joga com essas sutilezas e contradições. Se por um lado, o senhor é quem se beneficia do sistema escravista e não reconhece seus filhos, por outro é também quem garante melhores condições para a família e a protege da fúria da senhora.

Essa sutileza também se revela no olhar infantil e quase poético sobre os acontecimentos, como quando Adah conhece seu namoradinho, que lhe bate e depois a protege.

Adah é filha do senhor de escravos... 


Embora lide com uma chaga tremenda, a escravidão, o roteiro não entrega visões maniqueístas ou preto e branco. À certa altura, por exemplo, a avó, matriarca da família, ao saber da guerra que poderá acabar com a escravidão, diz: “Bobagem. Os escravos sempre existiram e sempre existirão. Senão, quem cuidaria dos trabalhos pesados e da terra? E nós, como acabaríamos sem a proteção do patrão?”.

Os soldados nortistas não são mostrados como libertadores desinteressados – no primeiro contato com eles, Adah é estuprada enquanto sua mãe é morta pelos sulistas.

... por quem nutre uma mistura de ódio de admiração. 


A história só começa a se tornar um faroeste mais próximo do comum lá na frente, quando Adah, após presenciar um massacre de negros e tentar matar seu responsável, é perseguida por pistoleiros – e passa a ser protegida por Ken Parker.

Se o roteiro de Berardi é perfeito para essa trama pungente e intimista, o desenho de Milazzo é a plena realização visual dessa sutileza. Milazzo produz poesia com o nanquim, em imagens com traços finos misturados com grandes áreas de preto traçadas com pincel. Na cena em que Adah é repreendida pela mãe por ter se aproximado da senhorinha, a imagem mostra a mãe em traços limpos enquanto a menina está totalmente no escuro, numa demonstração de sua vergonha e raiva.

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