quarta-feira, março 19, 2025

Em algum lugar do passado

 


Durante uma viagem, o escritor Richard Matheson se deparou com uma fotografia de uma atriz (Maude Adams ) que havia se apresentado no hotel onde estava hospedado e ficou apaixonado. Chegou um ponto que se tornou uma obsessãoo a ponto de ele começar a comprar livros sobre ela ou apenas livros que a citavam. Descobriu, além de uma belíssima mulher, uma personalidade intrigante, que parecia unir o talento no palco com uma total discrição a respeito de sua vida pessoal. Uma mulher misteriosa, que nunca havia se casado e que em toda sua vida só faltara a uma única apresentação.  

O escritor pensou: e se ele pudesse voltar ao passado e conhecer aquela mulher? Essa ideia, que unia romance e ficção científica, deu origem ao livro Em algum lugar do passado, que depois se tornaria um filme de sucesso dirigido Jeannot Szwarc e estrelado por Christopher Reeve e Jane Seymour e com roteiro do próprio Matheson.

Matheson realizou uma imersão tão grande no personagem que deu ao personagem seu primeiro nome, de modo que o protagonista se chamou Richard Collier. Além disso, da mesma forma que o personagem, trancou-se em um hotel e começou o processo de auto-sugestão que levaria o protagonista ao passado, gravando o processo.

Todos esses aspectos fazem com que, na obra, ficção e realidade se misturem o tempo todo.

Na história, Collier, um roteirista de TV, está diagonosticado com um câncer incurável e tem poucos meses de vida. Assim, ele decide passar o pouco tempo que lhe resta viajando. Nas proximidades de San Diego ele encontra um hotel do século XIX e fica encantado com o local.

O livro deu origem a um filme de sucesso estrelado por Christopher Reeve e Jane Seymour 


Há uma curiosidade aqui: no livro, o hotel é o mesmo usado por Billy Wilder para filmar seu clássico da comédia Quanto mais quente melhor. Não sei se foi de fato o hotel visitado por Matheson ou se foi apenas uma referência a um filme que ele certamente adorava.

Outra curiosidade: na história o personagem se parecia com Paul Newman, o que já mostra que o escritor tinha em mente um dia transformar a história em filme. Claro que, no início da década de 1980, Newman já estava velho demais para o papel, de modo que Christopher Reeve acabou sendo escolhido.

No hotel, Collier encontra um quadro de uma apresentação teatral acontecida no século XIX e fica obcecado pela mulher.

Aqui Matheson deixa clara a fonte original: a biografia de Elise McKenna é a mesma de Maude Adams, incluindo os papéis de Peter Pan e da mocinha na comédia The Little Minister.

Sem perspectiva de futuro, o jovem roteirista de TV resolve se refugiar no passado, procurando um meio de se encontrar com sua amada. Um fato parece garantir que ele de fato realizou essa viagem: ele encontra, nos registros do hotel, a sua assinatura em uma reserva no ano de 1896.

O processo de como essa viagem ao passado acontece é, certamente, a parte mais entendidante do livro: Mathteson transcreve todo o processo de auto-sugestão, incluindo a repetição de frases, o que ocupa diversas páginas.

A história se torna realmente interessante quando ele, de fato, volta ao passado e passa a enfrentar todos os obstáculos para se unir à sua amada.

Matheson, como bom roteirista, introduz ganchos para que a história funcionem. Um exemplo disso é a profecia proferida por uma velha índia e por uma cigana de que a atriz encontraria o amor de sua vida naquele ano, em circustâncias misteriosas e em uma praia. No filme, Matheson introduz mais um elemento: o relógio que Collier carrega e que lhe foi dado por Elise quando ela já era uma idosa e ele era um jovem promissor. O relógio, que no livro também tem importância na trama, torna-se um ainda mais relevante no filme, o que mostra que Matheson, mesmo depois de escrito o livro, continuou lapidando a trama.

Quanto à forma, não se espere algo muito elaborado. O texto, teoricamente, refletiria as anotações do roteirista enquanto os fatos estavam acontecendo, no calor do momento, de modo que tudo é sem muita preocupação estética. O próprio texto diz que “Os roteiros de televisão exigem, antes de tudo, economia de apresentação. Quando ditados, aumentam ainda mais a economia”, o que demonstra bem o estilo da obra.

Ainda assim, Em algum lugar do passado é uma obra instigante e emocionante, com destaque para o final ambíguo. No Brasil foi lançado pelo Clube do Livro na década de 1980. Aparentemente, a edição mais recente é da BestBook, de 2007. 

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