Ao folhear qualquer livro sobre histórias em quadrinhos - mesmo os escritos no Brasil - o leitor encontrará a informação de que a primeira HQ foi Yellow Kid, de Richard Outcoult. Nada mais falso. Antes do menino amarelo havia arte seqüencial sendo publicada na Alemanha, na França e outros países. Na verdade, os americanos, como fizeram com o avião, se aproveitaram do domínio que têm sobre a mídia para propagar o seu ponto de vista. O livro As Aventuras de Nhô-Quim e Zé Caipora, lançada pelo Senado Federal, em uma edição organizada pelo Coronel e estudioso Athos Eichler Cardoso, mostra que os norte-americanos não podem pedir sequer o mérito de terem criado os quadrinhos de aventura.
Nhô-Quim e Zé Caipora são criações do ítalo-brasileiro Ângelo Agostini, um dos jornalistas e ilustradores mais importantes da imprensa brasileira. Agostini nasceu em Verceli, na Itália, passou a adolescência em Paris, onde estudou na Escola de Belas Artes. Veio para o Brasil ainda jovem e não quis mais voltar para a Europa. Aqui ele se tornou um símbolo da imprensa republicana e abolicionista. A Revista Ilustrada, fundada e dirigida por ele, era o periódico de maior prestígio no Brasil do final do século XIX, sendo o principal registro histórico e iconográfico da luta contra a escravidão. A publicação chegou a ter quatro mil assinantes, o que era um recorde absoluto para um país cuja maioria da população era analfabeta.
O primeiro trabalho de Agostini com quadrinhos foi As Aventuras de Nhô-Quim. O primeiro capítulo foi publicado em 30 de janeiro de 1869, no jornal Vida Fluminense. A data, que revela claramente que somos muito anteriores aos norte-americanos (Yellow Kid é de 1896) hoje é comemorada como dia do quadrinho nacional. Ângelo Agostini deu nome ao mais importante troféu brasileiro de quadrinhos (do qual o autor deste texto foi o ganhador como melhor roteirista em 1999).
Nhô-Quim contava a história de um caipira rico e ingênuo, que vai à corte e se envolve em todo tipo de trapalhadas. A história mostrava o conflito entre a cultura rural e urbana, o que fica evidenciado na seqüência em que Nhô pára para tomar um café e acaba perdendo o trem. Agostini usa a história do caipira para criticar os problemas urbanos, modismos e costumes sociais e políticos da época.
Mas o melhor momento de Agostini é mesmo Zé Caipora. Obra de um artista maduro, a série antecipa os quadrinhos de aventura que tanto fizeram famosos personagens como Tarzan e Flash Gordon. O primeiro capítulo de Zé Caipora foi publicado em 27 de janeiro de 1883 nas páginas da Revista Ilustrada (sempre é bom lembrar que Yellow Kid é de 1893). O sucesso foi tão grande que a série chegou a ter quatro edições e serviu de inspiração para uma canção popular, peças teatrais e até dois filmes mudos. Zé Caipora era multimídia.
Os primeiros capítulos são ainda humorísticos e o personagem se parece um pouco com Nhô-Quim, com o nariz em continuação com a testa. Depois, a história se torna mais aventuresca e o desenho se torna realista. Nessa segunda fase, o herói enfrenta onças, índios bravios e uma sucuri. O momento em que Zé, amarrado a uma árvore, serve como alvo para as índias treinarem sua pontaria no arco-e-flexa, é memorável e demonstra o perfeito domínio que Ângelo Agostini tinha da arte seqüencial. São cinco quadros mostrando o herói desviando-se das setas e parecemos ver seus movimentos.
Além disso, há seqüências de panorâmicas, que só seriam usadas nos quadrinhos ianques com Tarzan, na década de 20 do século XX. Outra cena mostra até um sonho, com o desenho envolvido por nuvens para demonstrar que os acontecimentos não devem ser lidos de forma literal. Em suma, Agostini antecipou muitas das técnicas que só seriam usadas pelos norte-americanos muito tempo depois.
3 comentários:
Oi Rapaz! Aqui é o Miguel.
Estarei em Belém entre o dia 15 e 30 de Agosto. Você não vai passar por lá? Fui convidado pelo IAP para dar um curso.
Se o que o Angelo Agostini fazia não é quadrinho, o que eu faço também não é. Tens toda a razão de tentar resgatar o nome dele.
Ah! O tal de "a Flôr de Zíaco" é demais!!!
Abraços,
Miguel.
Oi Miguel,
pena, não vou estar em Belém. E com esse caos aéreo nem me arrsicaria a ir. Realmente, o Agostini atencipou tudo... e a edição é muito caprichada.
Excelente texto lembrando a gênese do quadrinho brazuca. Criatividade, apuro técnico e vanguarda fazem deste italo-brasileiro um dos maiores nomes da arte sequencial brasileira.
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