terça-feira, dezembro 18, 2007




Feliz natal, charlie Brown!
A editora L&PM está lançando ¨Snoopy é natal¨, o quarto volume da coleção L&PM Pocket dedicado aos personagens da turma do Peanuts. Seu criador, Charles Schulz, é considerado o Freud dos quadrinhos.
Conta-se que um psiquiatra, chegando ao seu consultório, encontrou um bilhete de seu primeiro paciente, dizendo que estava dispensando o tratamento com médico, pois havia encontrado a causa de seus traumas. E ilustrava a situação com uma tira de Peanuts.
A história, real ou lendária, ilustra a incrível capacidade que Schulz tinha de perceber os dramas e traumas humanos, sintetizando-os na figura de crianças. Umberto Eco disse que a ¨a poesia dessas crianças nasce do fato de que nelas encontramos todos os problemas, todas as angústias dos adultos que estão nos bastidores¨.
Nessa história aparentemente ingênua, encontramos os mais variados tipos humanos e seus conflitos.
Charlie Brown, o personagem principal, é o estereótipo do fracassado. Ele não consegue empinar uma pipa ou chutar uma bola. A única vez em que ganhou algo na vida, foi um corte de cabelo. ¨Mas eu sou careca, e meu pai é barbeiro!¨ retrucou ele. Noutra ocasião, dançou com a rainha do baile, mas foi incapaz de lembrar de nada desse acontecimento.
Se Charlie Brown é o a bigorna, na qual batem todos os males e dissabores da vida, a menina Lucy Van Pelt, irmã de Linus, é o martelo. Sua vida é provocar traumas no pobre Minduim, mostrando a cada momento o quanto ele é incapaz. Sua tirada mais clássica é fazer Charlie Brown acreditar que finalmente será capaz de chutar a bola, para tirá-la no último momento. Interessante que, apesar disso, ninguém jamais pensa em culpá-la pela derrota do time. O culpado é sempre aquele que não conseguiu chutar a bola.
Uma biografia escrita recentemente publicada com o título de Schulz and Peanuts dá a entender que o próprio autor colocava suas neuroses nas tiras, razão pela qual elas parecem tão reais. O autor o descreve como um homem solitário, tímido e infeliz, dominado por figuras autoritárias, como sua primeira esposa e sua mãe, ambas representadas na personagem Lucy. Schulz se identificaria tanto com Charlie Brown, o fracassado, quanto com Schroeder, o músico. Este último seria o lado artístico, através do qual ele se libertaria da tirania da esposa. Sintomaticamente, outra cena famosa é a de Lucy tentando conseguir a atenção do pianista, que a despreza solenemente enquanto toca.
Nesse sentido, Snoopy, provavelmente, representaria a liberdade criadora. Se Charlie Brown é o pé no chão, as tristezas e arguraras da vida, Snoopy pode viajar o mundo e até mesmo ser um famoso piloto da I Guerra Mundial. Não por acaso, Charlie Brown é o personagem predileto dos adultos, que vêm nele seus traumas (a tirinha é a mais recortada, exibida e enviada a colegas nos EUA) e Snoopy é o personagem preferido das crianças pequenas, que ainda vislumbram na vida mais seus pontos positivos que negativos.
A tira foi criada por Schulz no início da década de década de 1950 e rapidamente tornou-se um sucesso, chegando a aparecer em mais de 2600 jornais em todo o mundo, chegando a ter um público leitor estimado em 355 milhões, em 75 países.
Na década de 1970 o sucesso da tira levou ao surgimento do desenho animado, que era pessoalmente supervisionado por Schulz. Ao invés de descaracterizar a obra, o desenho a ampliou para além dos limites dos quatro quadros diários.
De todas as histórias exibidas, a de natal é provavelmente mais lembrada por uma geração que cresceu assistindo a esses desenhos. Indo muito além da melancolia habitual, o episódio captou o espírito natalino como poucas vezes isso foi feito. É como se, em meio a todos os traumas e problemas da vida, ainda houvesse espaço para a felicidade de momentos simples e singelos.
A edição da LPM provavelmente pretende captar o interesse dos leitores que se lembram desse episódio. Daí o título, ¨Snoopy, é natal¨ e a bela capa colorida em que Charlie Brown e Snoopy dançam ao lado de uma pequena árvore natalina e de um presente.
Infelizmente, para quem esperava uma coletânea sobre o tema, nem todas as tirinhas tratam de natal. Isso não chega a ser um desmérito, já que os Peanuts valem por si mesmos, mas talvez uma coletânea temática estivesse mais de acordo com o espírito da obra.
Em todo caso, o livro é um belo presente de natal. Nele, o leitor encontrará não só os traumas e as tristezas da infância, mas também as pequenas e singelas historinhas divertidas de crianças. Exemplo disse é aquela seqüência em que Sally, a irmã mais nova, pergunta a Charlie Brown se quando morrerem eles vão para o céu. ¨Quando chegarmos lá, vamos encontrar todos os insetos que matamos? Será que vamos ver todos eles no céu e teremos que nos desculpar com eles?¨, indaga ela. ¨Não faço a menor idéia...¨, reponde o Minduim. ¨Tem uma aranha no teto do meu quarto. Por que você não a mata para mim? Você pode pedir perdão depois!¨. Essa pequena seqüência caracteriza o humor ao mesmo tempo singelo e profundo de Carles Schulz. Lá estão desde as pequenas dúvidas e angústias infantis à forma como as crianças lidam com elas (no caso de Sally, é mais fácil jogar a responsabilidade sobre o saco de pancadas de seu irmão).
Como aspectos negativos, o volume peca por não trazer textos de apresentação (há apenas uma pequena lista de personagens) e pelo formato vertical. Como as tiras são horizontais, isso obriga o leitor a dobrar o livro para ler. Quando uma seqüência pula de página para página, o problema se agrava, já que muitas vezes a piada perde parte do seu charme nessa virada de página. Seria talvez a hora da L&PM começar a pensar em um outro formato para seus livros de quadrinhos da série de pockets.

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