quinta-feira, setembro 25, 2008

Demônio maniqueu e demônio agostiniano



Os autores cibernéticos encontraram nos demônios agostiniano e maniqueu metáforas apropriadas para compreensão das diferenças entre os fenômenos naturais e sociais.
O maniqueimo, religião babilônica, acreditava que o universo era governado por duas forças antagônicas, uma boa e outra má.
O termo sobreviveu como sinônimo de uma separação rígida entre dois pólos antagônicos. Diz-se, por exemplo, que os gibis de super-heróis são maniqueístas, pois os heróis são totalmente bons e bem intencionados. Os vilões, ao contrário, são totalmente maus. Não há meios-tons.
Mas o interessante é como os maniqueístas viam essa força negativa. Para eles, o demônio era astuto o bastante para mudar de estratégia, caso sua vítima lhe percebesse o ardil.
Imagine-se que o demônio maniqueu colocasse uma casca de banana à porta de um homem. Este, assim que saísse de casa, escorregaria, e soltaria uma série de palavras impublicáveis, para regozijo do demônio.
Isso acontece por dias seguidos, até que o homem, cansado da brincadeira, resolve sair pela janela.
O demônio, percebendo a mudança, passaria a deixar a casca de banana abaixo da janela, até que surgissem novos fatos que o forçassem a mudar novamente de estratégia.
Santo Agostinho, ao contrário, achava que o demônio seguia leis divinas, das quais não podia escapar. O demônio não poderia blefar ou mudar de estratégia.
Foi esse tipo de pensamento que permitiu a Henrick Kramer e Jacobus Sprenger escreverem o livro “Malleus Maleficarum”, verdadeiro manual dos inquisidores.
O objetivo era descobrir como agia o demônio e seus agentes temporais, as bruxas, indicando a melhor forma de combater a ação destes.
Os títulos de alguns capítulos falam por si: “Métodos Diabólicos de Atração e Sedução”; “Como as bruxas podem infringir enfermidades graves”; “Métodos para destruir e curar a bruxaria”.
Jamais ocorreria a tais autores que o demônio, percebendo que seu modo de ação fora descoberto e dissecado, pudesse mudar de estratégia.
Os demônios agostinianos são os fenômenos naturais. Eles seguem leis rígidas, das quais não podem escapar. Assim, o demônio agostiniano seria como a natureza em relação ao cientísta: ela não prepara ardis ou muda de estratégia tentando escapar da dominação. Se uma pessoa solta uma pedra, ela, incapaz de desobedecer à lei de gravitação universal, cairá, atraída pela Terra. A pedra não cogita flutuar no ar apenas para contrariar as expectativas de quem a jogou. Este poderá dizer “A pedra irá cair” sem medo de ser desmentido pela pedra.
O mesmo já não ocorre com fenômenos sociais.
Imagine-se um aluno relapso sobre o qual o professor faz a seguinte previsão: “Você não será aprovado, pois não estuda”.
Ele pode se deixar abater pela previsão e desistir plenamente de ser aprovado. Mas, por outro lado, poderá estudar com mais afinco, para provar que o professor estava errado.
Quando se trata de seres humanos, as previsões podem ser auto-destrutivas e auto-realizadoras.
Um jornal que estampe uma previsão de inflação fará com que os consumidores corram para estocar produtos antes do anunciado aumento de preços. O aumento da demanda fará com que os vendedores aumentem o preço das mercadorias.
Talvez a inflação não tivesse ocorrido se o jornal não a tivesse anunciado.
É fato sabido que nenhum banco tem em caixa dinheiro o bastante para cobrir a retirada de todos os seus correntistas. Se corre o boato de que o banco irá falir, haverá uma corrida ao mesmo. O excesso de saques deixará a instituição sem capital e, portanto, falida.
Mais de uma empresa bancária já fechou suas portas em decorrência de previsões desse tipo.
Os fenômenos naturais são demônios agostinianos: jogam um jogo difícil, mas, uma vez decobertas suas leis, eles não a mudarão apenas para nos contradizer ou agradar.
Os fenômenos sociais, ao contrário, são demônios maniqueus, pois o fluxo de informações pode fazer a sociedade ou grupos mudarem de comportamento.
Como um jogador de pôquer, a sociedade muda seu comportamento e suas estratégias. As leis que o cientista social descobre sobre o desenvolvimento dos indivíduos ou dos grupos podem ser traduzidas, em certos casos, em poder e dominação. “Os ‘objetos’ deste conhecimento, se conscientes deste fato, podem, numa certa medida e também em algumas circunstâncias, engendrar uma mudança de seus comportamentos e conseqüentemente uma alteração das ‘leis’que os regem”.
As investigações de Karl Marx sobre a sociedade capitalista foram muito acuradas, mas não servem para nossos dias, pois o capitalismo se utilizou dessas mesmas análises para se transformar e, portanto, sobreviver.
Segundo Norbert Wiener , comparado ao demônio maniqueu, dono de refinada malícia, o demônio agostiniano é estúpido. Joga um jogo difícil, mas pode ser derrotado completamente pela inteligência e pela observação.
A metáfora dos demônios maniqueu e agostiniano faz cair por terra a falácia de pesquisadores do início do século XX que pretendiam investigar os fenômenos sociais com as mesmas ferramentas e a mesma lógica com que se investiga a natureza.
Para pesquisar tais fenômenos, surge uma nova teoria, parte da cibernética, chamada teoria dos jogos.
O jogo praticado pela sociedade constantemente é do tipo soma-zero, em que os ganhos de uma parte revertem em perdas para o outro lado.
É o que ocorre, por exemplo, nos casos de dominação política: uma vitória do dominador transforma-se em perda para o dominado.
Sabe-se que a dominação política e econômica é baseada no conhecimento do homem sobre o homem. Em especial o conhecimento sobre como a sociedade dominada age. Nesse caso, interessa aos dominados agirem como demônios maniqueus, mudando de estratégias, o que torna inútil esse conhecimento.
O melhor exemplo desse tipo de comportamento é a guerrilha. A guerrilha não respeita as regras dos conflitos armados: ataca de surpresa, em pequenos grupos que escapam rapidamente de uma posterior perseguição.
Os terroristas também agem como demônios maniqueus.
O ataque às torres gêmeas do Word Trade Center é um exemplo perfeito de demônio maniqueu.
Os EUA estavam muito preocupados com a criação de um escudo anti-mísseis, que tornasse inviável qualquer ataque aéreo às cidades americanas. Os terroristas atacaram justamente de onde os militares norte-americanos não esperavam nenhum ataque. Eles seqüestraram aviões comerciais, de transporte de passageiros, e os jogaram sobre os alvos.
Para sequestarem os aviões, os terroristas usaram facas. Um comportamento absolutamente imprevisível e, portanto, maniqueu: atacar a maior potência militar do planeta utilizando apenas facas!
O inusitado da ofensiva foi justamente a característica que tornou o ataque possível.

2 comentários:

William Silva disse...

achei este texto e o blog por acaso, enquanto fazia uma pesquisa sobre a inquisição. o texto ficou muito bem explicado e as analogias foram excelentes!

William Silva disse...

achei o blog e o texto por acaso enquanto fazia uma pesquisa sobre a inquisição. gostei do texto e das analogias. excelente!