Apesar do espiritismo ser relativamente conhecido na
sociedade brasileira, um aspecto seu é pouco dilvugado: a relação da doutrina
espírita com a ciência. Ao contrário de outras religiões, que negam as
descobertas científicas, o espiritismo sempre se valeu tanto das descobertas
quanto de sua metodologia.
O fundador do espiritismo, Allan Kardec, era um educador
famoso na época e influenciado por toda uma herança intelectual que vinha do
iluminismo, em especial o filósofo francês Jean Jacques Rousseau, e tinha
encontrado seu auge no positivismo de Augusto Conte.
Curioso, Kardec teve sua atenção despertada para o fenômeno
das mesas girantes, sensação na época, em que mesas se elevavam no ar e
respondiam às perguntas dos presentes com batidas no chão. Kardec analisou o
fenômeno e percebeu que as respostas demonstravam inteligência e concluiu: “Se
todo efeito tem uma causa, o efeito inteligente tem uma causa inteligente”.
Portanto, as mesas girantes agiam sob orientação de espíritos inteligentes. A
forma como demonstrou sua conclusão revela suas origens científicas. Desde os
primeiros pesquisadores, a ciência tem procurado observar variáveis,
identificando relações de causa e conseqüência.
Descartes dizia que a origem do conhecimento está na dúvida
e Kardec vai aplicar essa máxima ao seu estudo e na estruturação da nova
religião. Durante séculos, o conhecimento religioso foi visto como intocado,
mas a ciência, segundo Kardec, havia saltado com pés juntos sobre os erros e
preconceitos. “Neste século de emancipação intelectual e de liberdade de
consciência, o direito e exame pertence a todo mundo, e as Escrituras não são
mais a arca santa na qual ninguém ousa tocar os dedos sem o risco de ser
fulminado”, escreveu ele no livro A Gênese.
Em sua análise, Kardec usou o que pregavam os cientistas da
época, o método indutivo: “Não (se) colocou como hipótese nem a existência e
intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem nenhum
dos princípios da Doutrina; concluiu(se) dos Espíritos quando essa existência
se deduziu, com evidência, da observação dos fatos; e assim os outros
princípios. Não foram os fatos que vieram confirmar a a teoria, mas a teoria
que veio, subseqüentemente, explicar e resumir os fatos”, afirmou ele em A Gênese.
O método indutivo, em que se estuda vários casos singulares,
para só então chegar a uma conclusão universal, foi posteriormente criticado
por Karl Popper, mas na época de Kardec era o que havia de mais avançado no
método científico. Tivesse vivido algumas décadas mais tarde, o criador do
espiritismo provavelmente teoria usado o método hipotético-dedutivo de Popper,
em que o cientista cria uma teoria e depois a testa em confronto com os fatos,
procurando não confirmá-la, mas falseá-la.
Com o desenvolvimento da mediunidade, passou-se a estudar
não só o fenômeno das mesas girantes, mas também a psicografia e os médiuns que
incoporavam espíritos. Kardec levava, então, para as sessões, perguntas
metodologicamente preparadas, com um encadeamento de assuntos. O resultado ele
analisava, comparava, destacava as incoerências, e não simplesmente acreditava
no que era dito. Nesse sentido, sua técnica lembra muito o primeiro princípio
de Descartes segundo o qual não se deve aceitar como verdadeira uma coisa que
não se conhecesse evidentemente como tal.
À indagação sobre o porquê da existência de encarnações
sucessivas, a obra kardecista responde que o objetivo é a evolução espiritual.
Depois de sucessivas encarnações, a alma iria avançando como uma criança que
passa de uma série a outra na escola. A resposta tem sinais claros de
influência da teoria da evolução de Charles Darwin. Enquanto a maioria das
religiões da época combatiam ferozmente Darwin, Kardec o usava como referência
para explicar sua doutrina.
A importância das descobertas e métodos científicos para a
nova doutrina ficam expostos no livro O Céu e o Inferno:“O que falta (à
religião) neste século de positivismo, em que se procura compreender antes de
crer é, sem dúvida, a sanção de suas doutrinas por fatos positivos, assim como
a concordância das mesmas com os dados positivos da Ciência. Dizendo ela ser
branco o que os fatos dizem ser negro, é preciso optar entre a evidência e a fé
cega”.
Em oposição à fé cega, Kardec propõe aos adeptos do
espiritismo a fé raciocinada, em que se deve sempre questionar, comparando a
doutrina com os fatos e a lógica.
Se, no seu surgimento, o espiritismo bebe nas fontes do
racionalismo cartesiano, do física newtoniana, do positivismo de Conte, nada
impede que hoje ele beba em outras fontes, igualmente científicas, como a
teoria do caos, a física quântica e a teoria da complexidade.
1 comentário:
ótimo artigo, mto interessante!
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