O
quadrinho erótico sofisticado, surgido na França, encontrou na Itália o seu
ponto de maior sucesso de público e crítica.
Gonçalo
Júnior, no livro Tentanção à Italiana, diz que as HQs eróticas italianas foram
diretamente influenciadas pelos filmes de cineastas como Fellini, Visconti e
Pasolini e pelas transformações pelas
quais passava a sociedade italiana da época, que abandonava a rígida moral
católica para entrar de cabeça na revolução sexual.
Entre
os autores que se destacaram por colocar o quadrinho erótico italiano na
categoria de o mais popular e respeitado do mundo, um nome se destacou por ter
sido o primeiro a explorar o erotismo como uma forma de arte e pelo uso
arrojado da linguagem quadrinística: Guido Crepax.
Crepax
se interessou por quadrinhos desde muito pequeno. Aos 12 anos, ele fez a
adaptação do romance O Médico e o Monstro. Quando cresceu, estudou arquitetura,
engenharia e ficou famoso pelas capas de LPs e pelas ilustrações para livros,
revistas e publicidade. Com o tempo, começou a ser visto como um artista
gráfico revolucionário.
Em
1965 surgiu a revista Linus, voltada para fãs de quadrinhos. Era dirigido por
alguns dos mais importantes intelectuais italianos, entre eles o filósofo
Umberto Eco. Crepax foi convidado a colaborar por causa de seu trabalho gráfico
inovador. Para sua estréia, ele criou o personagem Neutron, uma espécie de
super-herói com poderes mentais. Logo na primeira história, ele é apresentado a
uma elegante fotógrafa chamada Valentina. A personagem chamou tanta atenção dos
leitores, que o desenhista resolveu transformá-la em protagonista, abandonando
Neutron.
Fisicamente,
a personagem era semelhante a Elisa Crepax, mulher do desenhista, com cabelo
curto e franja cobrindo toda a testa. Valentina lembrava também, e muito, a
atriz norte-americana Louise Brooks, estrela do filme “A caixa de Pandora”, de
1929. Crepax era tão apaixonado pelo filme que resolveu homenageá-lo em sua
série. Assim, Valentina resolvera adotar aquele visual após assistir ao filme,
como ele explicaria mais tarde.
A
personagem era independente e sensual, encarnando a mulher de seu tempo e tornando-se
símbolo da revolução sexual. Também se diz que foi em Valentina que Freud
encontrou os quadrinhos eróticos. Cada HQ de Valentina era como uma sessão de
terapia, na qual ela liberava suas fantasias eróticas com uma imaginação
desenfreada. Outro em ponto em contato com os anos 1960 eram as viagens
psicodélicas (embora estas não fossem motivadas por drogas). A personagem imaginava-se
em meio a fantasias lésbicas, sadomasoquisas e surreais.
Os
recursos gráficos usados por Crepax eram absolutamente inovadores para a época,
com closes, planos detalhes, cortes bruscos e uso genial do claro-escuro e da
hachura. Além disso, Crepax transformou os cenários e a até as roupas em
elementos que ajudavam a compor a história. Poucas vezes a lingiere foi
mostrada tão detalhadamente em uma HQ e certamente nunca a roupa íntima
feminina serviu tão bem aos propósitos eróticos.
Depois
do sucesso de Valentina, Crepax criou Bianca, uma aluna em um colégio interno,
e Anita, que ficou famosa ao fazer sexo com o televisor. Mas o auge da carreira
desse quadrinista foram as adaptações de obras literárias eróticas, como A
história de O, Emmanuele e A Vênus das peles.
Nessas
obras, Crepax não se esmerava em desenhar homens. Muito pelo contrário, eles
constantemente pareciam grotescos, mas caprichava nas mulheres. Elas eram
sempre altas, magras e sensuais.
Quando
Crepax morreu, em 2003, era uma celebridade que abrira as portas para que os
quadrinhos eróticos italianos fossem vistos como uma forma de arte.
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