Marshall McLuhan dizia que a forma como o ser-humano se
comunica molda a sociedade e até o seu o cérebro. E uma das áreas mais
influenciadas pelas mudanças nas tecnologias de comunicação é a arte. Exemplo
disso foi a invenção da fotografia, que transformou completamente os rumos da
pintura, tendo como uma das consequências a criação do Impressionismo. Mais
recentemente a invenção do computador, da internet e das redes sócias
provocaram mudanças ainda maiores nas artes. É sobre esse fenômeno que Giselle
Beiguelman se debruça em Link-se: arte/mídia/política/cibercultura (Peirópolis,
176 páginas).
Giselle Beiguelman é referência obrigatória quando o assunto
é arte digital e on-line. Seu trabalho é referência em cursos de pós-graduação
de universidades brasileiras, americanas e europeias. É autora dos premiados O
livro depois do livro e Egoscópio e Paisagem. Desde 2001 cria projetos que
utilizam dispositivos de comunicação móvel, como Poétrica e Esc for escape.
O livro reúne textos publicados em revistas, jornais e
sites. Neles, a autora reflete sobre os mais diversos campos da arte e sua
relação com a tecnologia.
Um dos autores mais interessantes é Eduardo Kac (http://www.ekac.org)
, um artista especializado em bioarte. Um dos seus trabalhos mais famosos é “Gênesis”,
exposto no Itaú Cultural no ano de 2000. Kac criou um gene sintético, chamado
de gene artístico, com uma frase da Bíblia traduzida para código Morse e depois
para código genético. A frase era: “Que o homem domine os peixes do mar e voo
no ar e sobre todos os seres que vivem
na Terra”. O resultado foi uma bactéria fosforescente. Através da internet era
possível aos expectadores controlar a
iluminação ultravioleta, causando modificações genéticas na bactéria.
Em “O oitavo dia”, uma colônia de amebas fluorescentes vivem dentro de uma
redoma de vidro, funcionando com o cérebro de um robô. A cada vez que as amebas
se reproduziam, o robô se movia para cima e para baixo, ou para os lados. Os
internautas também podiam interagir, modificando o ecossistema da obra.
Uma outra discussão interessante está relacionado ao fato de
que a internet não é apenas um meio de comunicação, mas uma máquina de ler que
transforma cada leitor em um editor em potencial. Assim, ela força o receptor a
exercer com mais rigor sua faculdade mais exclusiva: a de intérprete. “A
responsabilidade pelo conteúdo passa a ser fruto de seu crivo crítico,
referendado pela solidez de sua formação cultural e não apenas calçado pela
referência a um nome próprio, à logomarca de uma empresa ou o brasão de uma
instituição”, escreve Giselle.
Um trabalho que se encaixa dentro dessa discussão é “Assina:
do texto ao contexto”, de Cícero Inácio da Silva. Projeto de doutorado, usa a
internet para discutir a autenticidade e autenticação, o nome próprio,
assinatura, a legibilidade e o reconhecimento.
Cícero criou sites fakes com nomes pomposos, como Instituto
Gilles Deleuze, repletos de citações dos autores homenageados. Os textos, no
entanto, não fazem nenhum sentido. São gerados por um programa de computador em
português e depois traduzidos para o espanhol por tradutores gratuitos na
internet.
Os textos passaram a ser citados em dissertações de mestrado
por pesquisadores brasileiros, que utilizam o texto em espanhol, convertendo-o
para o português.
O projeto também mantém três periódicos internacionais,
todos com registro de ISSN. Mas ISSN aqui significa Interstellar Synchronism
Setup Noise. A mais famosa delas é “Plato on-line; Nothing, Science and
Technology”, que só publica textos gerados por computador e não aceita
contribuições a não ser que o autor concorde que seu texto seja modificado pelo
algoritmo.
Quando alguém escreve para a revista submetendo um artigo,
Cícero escreve em português e converte para o inglês usando um tradutor
on-line. Apesar do resultado muitas vezes ser ininteligível, nenhum dos
pesquisadores com os quais ele se correspondeu jamais reclamou.
Um ponto ainda mais esclarecedor foram os protestos e
ameaças de processos por parte dos intelectuais cujo nome Cícero usa em seus
sites. O editor de um dos mais respeitados periódicos sobre novas mídias,
depois de “”entender” o projeto , autorizou o uso de seu nome por UM MÊS (em
caixa alta), nenhum segundo mais .
Todos os sites trazem um rodapé explicando que se trata de
um projeto de pesquisa e um experimento artístico, mas “as pessoas não leem as
informações ou os detalhes. Ficam imersas nesse mundo cheio de textos e mais
textos e somente se apropriam daquilo que ‘serve’ para elas em determinado
momento. Não há mais pensamento ou reflexão sobre o dito”, diz Cícero.
Pelo jeito, nem mesmo nos meios acadêmicos há essa preocupação.
Na exigência de se escrever e publicar textos e mais textos científicos, a
leitura detalhada é deixada de lado. O que vale é citar muito e citar os
autores certos, os autores da moda, como Deleuze.
Nesse sentido, o trabalho de Cícero se insere na mais
verdadeira obra de arte: a que reflete sobre o mundo e, nesse sentido,
sintetiza o tema de todo o livro de Giselle Beiguelman.
Como a obra é de 2005, ficam de fora vários trabalhos mais
recentes dos artistas citados. Assim, vale a pena seguir os links indicados no
final de cada capítulo para se inteirar sobre as obras mais recentes dos mesmos.
Link-se, portanto, é uma obra que não se fecha no escrito, mas exige que o
leitor interaja seguindo as indicações de sites e se atualizando sobre o que
está no volume impresso.
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