Em 1982 dois grandes mestres do horror, o escritor Stephen
King e o cineasta George Romero se reuniram para fazer uma homenagem aos
quadrinhos da EC Comics. O filme se chamou Creepshow e fez tanto sucesso que
teve duas continuações.
Já que se tratava de um filme para homenagear os quadrinhos, por
que não transfomar o roteiro em um gibi? Para isso foi chamado um dos
desenhistas mais importantes da época, Bernie Wrightson, cujo personagem
Monstro do Pântano, criado em parceria com Len Wein, havia sido um dos marcos
do terror na década de 1970. Para fazer a capa contrataram um velho mestre da própria
EC, Jack Kamen. Aliás, a própria capa já dá o tom da publicação: um garoto lê
um exemplar de uma revista de terror enquanto uma figura cadavérica o observa
pela janela. Nas paredes, cartazes de filmes de terror: Carrie, Despertar dos
Mortos e O iluminado. Aliás, o cartaz do Iluminado é um curiosidade, já que
King sempre odiou o filme – talvez Kamen tenha feito a homenagem sem saber
disso.
O resultado é bastante divertido, especialmente para aqueles
que leram os quadrinhos da EC. King em seu texto satiriza o estilo da EC, inclusive
com o apresentador comentando a história e fazendo seus inevitáveis
trocadilhos. Bernie Wrightson é Bernie Wrightson e, embora esse não seja seu
melhor trabalho (só eu acho que o traço dele fica melhor em PB?), não
decepciona.
As histórias são irregulares, primando muito mais pelo escatológico
do que para o horror psicológico – que era uma das grandes características da
EC. Também é raro encontrar nas histórias a ironia do destino comum em histórias
da EC.
King nitidamente volta ao seu tempo de criança nessa homenagem
à EC, mas também parece escrever as histórias com um olhar de criança, que não
conseguia ver com profundidade as narrativas de terror de revistas como Tales
from the Crypt.
Algumas histórias parecem uma boa ideia desperdiçada, como o
caso de “Indo com a Maré”, em que um marido ciumento enterra o amante de sua
esposa na beira da praia, deixando apenas sua cabeça do lado de fora. Se fosse
uma história da EC, toda a narrativa se concentraria na agonia do homem, que
sabe que irá se afogar quando a maré encher. Mas King estica a narrativa para
mostrar os dois amantes voltando do mundo dos mortos para se vingar do esposo
ciumento – um ponto da história totalmente descartável, que foge do ritmo
narrativo já estabelecido na história e serve apenas apenas para aumentar a
escatologia da HQ.
Nesse sentido, “Vingança barata” talvez seja o que mais se
aproxima do que seria uma história EC Comics. Havia um padrão de histórias EC
sobre pessoas com TOC, como do homem que comete um assassinato e passa tanto
tempo limpando a cena do crime e de forma tão obsessiva que quando a polícia
chega ao local ele ainda está lá, limpando digitais. “Vingança barata” mostra
um magnata fanático por limpeza que de repente vê seu apartamento ser dominado
por baratas.
King se destacou por conseguir levar o estilo dos quadrinhos
EC para a literatura, criando narrativas envolventes que se aprofundam na
psicologia dos personagens. É uma pena que quando ele tentou levar isso de
volta para os quadrinhos não tenha mantido o mesmo nível. Ainda assim, Creepshow
é um álbum divertido e a edição da DarkSide é caprichada, em capa dura, papel
de boa qualidade, boa impressão e só peca pela total ausência de textos
explicativos.