segunda-feira, novembro 12, 2018

Morreu Stan Lee, o homem que mudou os quadrinhos, pessoas e o mundo



Sem Stan Lee não exisitiria Gian Danton.
No final da década de 1950 a grandiosa DC dominava o mercado de quadrinhos quase sozinha. Uma de suas concorrentes era editora pequena, composta apenas de uma sala, um editor e uma secretária. Poucos anos depois, essa editora secundária se tornaria o Davi que iria derrotar o Golias nas vendas e na imaginação do público.
Stan Lee, o editor da Marvel, era a mente por trás dessa mudança. Junto com Jack Kirby ele criou o Quarteto Fantástico, o grupo de heróis que revolucionaria os quadrinhos com personagens bidimensionais, brigas internas, histórias em continuidade e muita, muita ação.
O método criado por ele (chamado hoje de método Marvel) permitia que artistas como Jack Kirby imprimissem um ritmo, uma agilidade, um movimento que fazia parecer que as histórias do Super-homem aconteciam em câmera lenta. Por outro lado, o texto de Lee humanizava e caracterizava cada personagem. Até mesmo personagens terciários, como o Surfista Prateado, ganhavam um background, uma história de vida, um modo de falar, uma personalidade.
E Lee fazia questão de colocar créditos nas histórias. Ao contrário da DC, que fazia questão de esconder os nomes dos desenhistas e roteiristas, a Marvel alardeava aos quatro ventos que tinha os melhores artistas e escritores e dava nome a cada um. E mais: seus textos faziam acreditar que a Marvel era um verdadeiro mundo mágico, a casa das ideias e que a produção de quadrinhos eram uma nova forma de arte (Se estivessem vivos, Shakespeare e Michelangelo estariam fazendo quadrinhos, dizia ele).
Fazer quadrinhos era uma grande aventura!  
Como resultado, os leitores começaram a prestar atenção em quem fazia as histórias – e descobriram que havia alguém que escrevia as HQs, os roteiristas. Também como resultado, o público universitário se viu atraído pelos gibis e, com o tempo, isso abriu caminho para todo um campo acadêmico, o de pesquisadores de quadrinhos.
Como editor, Lee tinha uma máxima, que passou ao seu pupilo Roy Thomas: se uma revista está vendendo bem, deixe o time criativo livre. Isso fez com que a Marvel explodisse em criatividade nos anos 1970, com trabalhos impressionantes como o Dr. Estranho de Steve Englehart e Frank Brunner, que levou a psicodelia do personagem ao seu nível máximo e o texto a um nível poucas vezes alcançado, antes e depois.
O sucesso da Marvel balançou a DC, fazendo com que ela saísse de seu confortável conservadorismo. Durante anos a Distinta Concorrência, como chamava Stan Lee, fez de tudo para ser tão criativa quanto a Marvel – e conseguiu na década de 1980, quando trabalhos inovadores como os Novos Titãs, Crise nas infinitas terras e as séries autorais Cavaleiro das trevas e Watchmen balançaram a indústria de quadrinhos.
Eu lia quadrinhos desde pequeno, principalmente quadrinhos infantis como Turma da Mônica e Disney.
Ali pelos 15 anos eu já tinha me enjoado desse tipo de leitura. Foi quando, numa fila de banco, caiu em minhas mãos um exemplar de Superaventuras Marvel. Eu simplesmente pirei na revista e em especial naquele Doutor Estranho diferente, que flertava com a psicodelia (e que se tornaria por anos meu personagem predileto, ao lado dos X-men). E pirei mais ainda ao ver, nos créditos, o nome de quem fazia as histórias. Sim, cada HQ tinha um desenhista ... e um roteirista! Ali surgiu o sonho de ser roteirista.
Anos depois, o compadre Joe Bennett me emprestou Watchmen, de Alan Moore e Dave Gibbons. Foi um impacto incomparável, que me fez buscar tudo que achasse escrito por Alan Moore – e fez com que eu aceitasse escrever uma história desenhada pelo compadre, a Floresta Negra.
Se Stan Lee não tivesse transformado a Marvel no que ela se tornou, eu não teria lido aquela Superaventuras Marvel e nunca teria tido o sonho de ser roteirista de quadrinhos. Se não existisse a eterna concorrência com a Marvel, a DC continuaria sendo uma editora conservadora e nunca teria publicado trabalhos tão revolucionários como Monstro do Pântao e Watchmen – e, portanto, eu não teria tido o impulso de começar e o norte do tipo de histórias que queria contar como iria contá-las.
Se não fosse a geração de universitários criada pela Marvel, que a passou a ver os quadrinhos além do preconceito, eu nunca poderia ter escrito meu TCC, minha dissertação e minha tese sobre quadrinhos.  
Stan Lee mudou não só a indústria de quadrinhos. Mudou a minha vida e a de muitas outras pessoas. De certa forma, ele mudou o mundo.  
Eu poderia dizer descanse em paz, mas duvido que ele gostaria disso. Deve estar agora agitando as coisas lá no céu dos criadores.

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