Even Mehl Amundsen é um artista norueguês especializado em imagens de fantasia. Seu trabalho mais conhecido foi o concept art para os personagens da saga Senhor dos Anéis. Confira suas imagens incríveis.
sexta-feira, maio 31, 2019
Ponto de venda: preço
O preço é um elemento importante no ponto de venda. Já foi dito, mas não custa repetir: a falta de preço no produto desestimula o consumidor a comprar. Ninguém gosta de ficar perguntando preço.
Mas, claro, existem estratégias diferentes. Determinadas lojas trabalham com consumidores que dão grande valor à economia que fazem. Nesse caso, os preços são anunciados com alarde, em grande destaque. Já outras trabalham com consumidores mais sofisticados, que estão mais interessados na qualidade dos produtos que no preço. Nesse caso, os preços nas peças devem ser discretos.
Outro elemento importante no ponto de venda são os tablóides, impressos com os anúncios de ofertas. Eles podem ser muito úteis, incentivando o consumidor a comprar e a andar pela loja.
Mas é necessário tomar cuidado. Há comerciantes que acham que o sobrinho que mexe no computador pode fazer o tablóide. Como todo o material promocional, este impresso deve ser feito por profissionais, para não dar a ideia de algo amador. Outro cuidado importante: os preços no tablóide devem ser os mesmos da loja.
O culto à personalidade
O culto à personalidade é uma das características dos regimes
totalitários. Nele, o líder é visto como uma figura quase-religiosa,
incontestável. A primeira vez que o termo foi usado foi para se referir a
Stalin e à forma como a propaganda stalinista tratava o líder soviético.
Os brasileiros sempre tiveram uma queda pelo culto à
personalidade, a exemplo de Getúlio Vargas e, mais recentemente, Lula. Mas,
embora existisse esse culto á figura de Lula, ele não era unanime. Várias
figuras de esquerda continuaram populares, mesmo indo na contramão desse culto
(só dois exemplos: Ciro Gomes e Randolphe Rodrigues).
Com a direita, no entanto, não tem ocorrido isso. Qualquer
crítica ao mito tem sido vista como uma concessão à esquerda, de modo que a
direita tem fortalecido esse culto como nunca vimos antes.Aliás, a própria expressão "mito" já denota o culto à personalidade.
Quando finalmente pessoas de direita resolveram discordar do
mito, a exemplo do MBL, recentemente, perderam popularidade de forma assustadora: só em uma
semana o MBL perdeu um milhão de seguidores. Restou a eles voltar a se alinhar
ao culto à personalidade.
Até o final desses quatro anos a direita inteira estará alinhada
ao bolsonarismo (incluindo MBL, Partido Novo etc) e quem não o fizer não
conseguirá se eleger nem mesmo para síndico. Provavelmente todo mundo dentro do
mesmo partido.
El Greco - Cristo carregando a cruz
El grego é o mais importante nome do maneirismo na pintura.
O maneirismo é um movimento intermediário entre o racional
renascimento e o emocional barroco.
No maneirismo, o tema principal deixa de ocupar o centro do
quadro, quebrando com a estrutura certinha e rígida do renascimento. Além
disso, a imagem deixa de ser delineada de maneira clara, abrindo espaço para a
linha esfumaçada do barroco.
El Grego usou as características do movimento para imprimir uma
qualidade transcendental aos seus quadros religiosos. E acrescentou mais um
item: a proporção anatômica distorcida. Suas figuras santas eram alongadas,
mostrando que estavam mais próximas do mundo espiritual que do mundo material.
Nesta imagem de Cristo carregando a cruz, embora não seja possível
ver seu corpo, é possível advinhar sua estatura elevada pelas mãos de dedos
alongados. Além disso, o rosto de Jesus, que em obras do renascimento teriam
ocupado o centro do quadro, aqui se desloca para a parte superior.
Superaventuras Marvel 25
Superaventuras Marvel 25 foi a primeira revista que comprei em banca. É uma edição "morna", especialmente a história dos X-men, que apresenta um interlúdio entre a saga de Protheus e a saga da Fênix. Mesmo assim tinha uma boa história de Kull. E foi o suficiente para me conquistar. Nas edições seguintes seriam publicadas algumas das melhores histórias Marvel já lançadas no brasil. A capa seguia o modelo de capas da Abril: uma junção de mais de uma capa americana, ou de desenhos internos. Mas aqui temos um caso em que esse trabalho bem feito. A figura de Ororo em especial domina a capa, chamando atenção para seus olhos expressivos, no traço de John Byrne.
quinta-feira, maio 30, 2019
Outros tempos, outros mundos
Robert Silverberg é um dos mais importantes escritores de ficção
científica de todos os tempos. A antologia Outros tempos, outros mundos,
lançada pelo Círculo do Livro é um bom exemplo da habilidade do autor e se
tornou um clássico do gênero.
Silverberg mistura a ficção científica com biologia, psicologia,
filosofia, em um emaranhado instigante.
O primeiro conto do livro, “O homem que jamais esquecia”, mostra
as agruras de uma pessoa incapaz de esquecer. A maioria das pessoas considera,
ingenuamente, que a capacidade de se lembrar das coisas é uma benção, mas ela
pode ser um martírio. O protagonista é rejeitado pela sociedade e vive o tempo
todo viajando – tanto para evitar locais que já conhece nos mínimos detalhes
quando para evitar pessoas que o conheçam.
“Ismael apaixonado” é um dos contos mais curiosos do volume – e
certamente um dos mais interessantes já escritos por um autor de ficção
científica. Nele, um golfinho responsável por limpar as turbinas de um
mecanismo que desaliniza água do mar se apaixona por uma cientista. A grande
sacada: o conto é narrado pelo próprio golfinho, o que faz o escritor usar de
contorcionismos estilísticos para simular o modo de pensar e de se expressar de
um cetáceo.
“Viagem de ida sem volta” nos conta a história de um astronauta
que se apaixona por uma mulher de uma colônia terrestre – uma mulher monstruosa
para nossos padrões. É uma curiosa investigação psicológica que flerta com a
teoria freudiana.
“Nascer do sol em Mercúrio” mostra uma missão para espacial que
corre o risco de terminar com a morte de todos os tripulantes porque um dos
astronautas decide se matar. Uma interessante abordagem psicológica, inclusive
sobre inteligências alienígenas. Daria um ótimo filme de suspense.
“Os exógamos” traz uma interessante questão antropológica. Em um
planeta distante, colonizado por humanos, duas famílias se transformaram em
clãs que não se misturam por séculos: os Clingert (morenos) e os Baille
(loiros). Como tal, cada um cria uma cultura totalmente diferente – além das
diferenças exteriores. A inimizade entre eles é tão grande que famílias Baille
que tenham filhos morenos são apedrejadas. Tudo se complica quando um rapaz
Baille encontra uma moça do clã rival e se apaixona por ela. Silveberg usa esse
plot Romeu e Julieta como uma investigação antropológica.
“Um descer suave” mostra um computador especializado em terapias
psicológicas que enlouquece graças ao contato com seus pacientes. O interessante
aí é que a história é narrada em primeira pessoa. Da mesma forma que em “Ismael apaixonado”, o
destaque fica por conta da maneira como o escritor se coloca no lugar do
personagem, um golfinho no outro conto, um computador aqui.
Enfim, uma coletânea obrigatória. Um único ponto negativo: a
horrível capa, com imagem que mostra o horrível robô filme Logan´s run e uma
fonte que deveria remeter à ficção científica, mas é apenas datada (e
provavelmente já era datada na época em que o livro foi publicado).
Feira nerd vai movimentar biblioteca pública no próximo domingo
Neste domingo, 02 de junho, acontecerá a terceira Feira Diagonal na Biblioteca Pública Elcy Lacerda.
Novamente, teremos exibição de filme (Shazam!) e palestra, além de uma oficina de desenho com o ilustrador Igum D'Jorge (@igumdjorgeartwork).
Estandes de vendas de produtos da cultura pop nerd (quadrinhos, colecionáveis, livros, botons, etc)? Também teremos, bem como estandes de troca de livros.
Aliás, se quiser vender ou trocar os seus produtos, entre em contato pelo whatsapp 96 98405-8900 (Leno Serra Callins) ou pelo direct.
ENTRADA FRANCA
Novamente, teremos exibição de filme (Shazam!) e palestra, além de uma oficina de desenho com o ilustrador Igum D'Jorge (@igumdjorgeartwork).
Estandes de vendas de produtos da cultura pop nerd (quadrinhos, colecionáveis, livros, botons, etc)? Também teremos, bem como estandes de troca de livros.
Aliás, se quiser vender ou trocar os seus produtos, entre em contato pelo whatsapp 96 98405-8900 (Leno Serra Callins) ou pelo direct.
ENTRADA FRANCA
A última caçada de Kraven
No final da década de 1980 o Homem-aranha
vivia uma fase complicada. Os editores haviam decidido casar o personagem, o
que se revelara uma boa estratégia de marketing, pois trouxera mais leitores
para o título, mas parecia ser um problema editorial: o matrimônio se revelara
um complicador narrativo e parecia que não seria fácil escrever boas histórias
com um herói casado. Foi quando J M De Matteis criou uma das melhores histórias
do personagem, usando exatamente o casamento como mote narrativo.
A história surgira em 1984 quando De
Matteis apresentou à Marvel uma proposta de minissérie do personagem Magnum em
que ele era enterrado vivo por seu irmã, o Ceifador, e abre caminho até a
superfície para só então descobrir que estivera debaixo da terra por meses. O
editor-executivo da Marvel, Tom de Falco, recusou a ideia imediatamente.
Mas o roteirista sabia que ali havia uma
boa história e ofereceu a história como uma trama do Batman, para a DC Comics,
mas foi novamente recusado.
Quando em 1986 lhe ofereceram o título do
Homem-aranha, ele resolveu que aquela seria sua chance de ressuscitar a ideia
de um herói que é enterrado vivo. Na verdade, ele percebeu que aquele era o
personagem ideal para a trama: “Seu amor pela esposa, pela vida que estão
construindo juntos, foi o combustível emocional que moveu a trama. A presença
de Mary Jane alcançou as profundezas do coração e da alma de Peter, forçando-o
a sair daquele caixão”, declarou o roteirista.
A ideia inicial era criar um novo vilão,
mas quando De Matteis leu que Kraven era russo, percebeu que era o personagem
certo para a trama. Usando como inspiração Dostoievisky, o roteirista deu uma
profundidade ao caçador nunca imaginada. Nas histórias anteriores ele era
apenas um caçador que se dedicava a caçar o Homem-aranha. Na história de De
Matteis ele era um aristocrata russo, obcecado pela ideia de honra e oscilando
entre a selvageria e a civilização. Poucas vezes um vilão havia sido mostrado
de forma tão tridimensional. A sequência inicial, em que o personagem é
mostrado em suas três facetas (a fera, o nobre, o caçador) deu o tom da série e
mostrou que as historias do aracnídeo haviam chegado a outro patamar.
Para desenhar a história foi chamado Mike
Zeck, uma escolha perfeita para a história com seu traço elegante e poderoso.
A última caçada de Kraven era para ser
apenas mais uma das histórias da revista mensal do Homem-aranha, mas se tornou
um dos maiores clássicos do personagem, sendo republicada diversas vezes como
minissérie ou álbum de luxo.
As vidas de Chico Xavier
Chico Xavier é uma das figuras mais
importantes e polêmicas do Brasil. Sua popularidade é tão grande que, mesmo
depois de morto, continua levando milhares de pessoas para Uberlândia,
transformando o turismo religioso na principal fonte de renda da cidade. Não
admira, portanto, que a vida do médium fosse transformada em uma biografia.
Ainda assim, o jornalista Marcel Souto
Maior teve que vencer vários obstáculos para escrever o livro “As vidas de
Chico Xavier”. O primeiro deles veio dos próprios colegas jornalistas. “Chico
Xavier? Não é o Chico Buarque, não? Chico Anysio? Chico Mendes?”, ironizavam os
amigos do Jornal do Brasil.
Outro obstáculo filho adotivo de Chico,
Euripedes. Preocupado com a saúde do pai e em preservá-lo, Euripedes não deixou
o jornalista passar nem do portão. Ainda assim, Marcel insistiu: resolveu
assistir a uma sessão no Centro Espírita da Prece, fundado por Chico muitos
anos antes. Depois que o médium deixara de comparecer, o público minguara e
eram apenas 14. Surpreendentemente, naquele dia, ele resolveu reaparecer, com
um sorriso largo e um terno mal-ajambrado.
Cético, Marcel não soube explicar as
lágrimas que começaram a desabar em borbotões de seu rosto, sem nenhuma razão
especial.
Terminada a sessão, o jornalista
procurou Chico para pedir autorização para a biografia. Chico respondeu de
forma indireta, evitando a palavra não:
- Deus é que autoriza.
- E ele autoriza?
- Autoriza.
Mas a muralha de Euripedes ainda
continuava existindo. O jeito foi apelar para o outro filho adotivo de Chico,
Vivaldo, que mora nos fundos da casa do pai.
Quando o jornalista o visitava, Chico chamou o filho por um interruptor.
Quando Vivaldo saiu, um calor insuportável tomou conta das mãos do jornalista.
Sobressaltado, ele largou a caneta, saltou do sofá e correu para o quintal.
Ficou lá, sacudindo as mãos na noite fria, até que Vivaldo aparecesse:
- Meu pai disse que sua biografia vai
ser um sucesso. Parabéns!
O episódio mostra bem os mistérios e a
mística por trás de Chico Xavier. Chico escreveu quase 400 livros, cartas de
pessoas desencarnadas, virou celebridade nacional. No entanto, até o final da
vida, viveu de forma modesta, sem grandes fortunas, sendo quase um prisioneiro
de seu próprio sucesso.
O fato do livro ser escrito por um
cético, mas que passou pelas duas experiências acima (do choro descontrolado e
das mãos em fogo) faz com que ele tenha a abordagem correta, não caindo nem na
armadilha de um livro doutrinário, nem na reportagem sensacionalista que o
filho adotivo de Chico tanto temia.
O que se revela é uma figura ímpar, que
angariou milhões de fãs no Brasil todo e igual número de detratores. Essa
dualidade já se apresentava na infância do médium, quando ao ouvir que ele
conversava com os espíritos, a madrinha dizia que ele tinha o diabo no corpo e
lhe fincava garfos na barriga na tentativa de espantar o mal. Chico, convencido
de que que conversar com espíritos era errado, tentava tudo para se curar.
Chegou até a desfilar em uma procissão com uma pedra de 15 quilos na cabeça,
repetindo mil vezes a ave-maria. Nada adiantava. Quanto mais rezava, mais via
espíritos.
O livro nos revela um Chico sofredor,
que não era compreendido na infância e apanhava por causa da mediunidade.
Quando finalmente se tornou adulto, sofria com doenças, como a catarata que
fazia seus olhos sangrarem. À noite, era atormentado por espíritos baixos, que
lhe provocavam pesadelos em, alguns casos, tentavam matá-lo usando para isso
pessoas com mediunidade. Ao se queixar com seu guia espiritual, Emmanuel,
recebia reprimendas. Tinha que aceitar de bom grado tudo que lhe acontecia,
pois servia para expiar culpas de outras encarnações. Quando se tornou uma
figura famosa, sofria com o assédio, com pessoas que queriam falar com ele
mesmo quando ele estava muito doente. Além disso, Chico nunca ganhou nada com
isso, pois todo o dinheiro das vendas dos livros ia para instituições de
caridade.
Sua missão espírita parecia mais um
castigo do que um prêmio. Por outro lado, havia as tentações. Uma vez Chico
entrou no banheiro e encontrou três mulheres tomando banho nuas, jogando água
umas nas outras e rindo para ele, convidativas. O médium fechou os olhos e
rezou. Quando os abriu, elas haviam desaparecido.
Abnegado, Chico usava a humildade para
resistir aos sofrimentos e tentações do mundo. Dizia que era um Cisco Xavier,
brincando com o próprio nome. Quando lhe disseram que talvez fosse eleito para
a Academia Brasileira de Letras, ele perguntou: “E agora aceitavam cavalos
lá?”.
Se a biografia revela esse lado
humilde, abnegado e caridoso, revela também um homem carismático e divertido.
Chico gostava de contar casos e gostava de rir. Uma vez, convidado pelos amigos
a pescar, foi, mas não pescou nada. Passaram a tarde na beira do rio e os
amigos pegaram muito peixe. De Chico não se aproximava nem lambari. Ele acabou
confessando: não tinha colocado isca no anzol, para não incomodar os bichinhos.
Ao ser assediado por uma figura demoníaca, que lhe perguntava se tinha sido
chamada, ele saiu-se com essa: “É que a vida anda difícil e queria que o senhor
me abençoasse em nome de Deus ou das forças que o senhor crê”. O diabo
reclamou: “É só a gente aparecer que você já cai de joelhos!” e sumiu.
Em suma: As vidas de Chico Xavier é um
livro que abarca as várias facetas dessa famosa personalidade, num livro leve e
gostoso de ler. É tão fascinante que serviu de base para o filme de Daniel
Filho sobre a vida do médium mineiro.
Como era e como é
Tudo muda, as pessoas mudam. Isso é comum. Mas em alguns casos as mudanças são extremas. Muito extremas. Tenho visto guinadas de uma ponta a outra. Exemplo disso é um ex-amigo. Ele era fã do Raul Seixas, hoje em dia é fã do mito e diz que Raul Seixas é marxismo cultural. Era fã do Alan Moore, hoje em dia é fã do mito e diz que Alan Moore é marxismo cultura. Era professor de universidade pública, hoje em dia diz que universidades são marxismo cultural. Como as pessoas mudam!
Maria Erótica e o clamor do sexo
No ano de
2003, o jornalista baiano Gonçalo Júnior chamou atenção com um livro essencial
para qualquer que queira entender o mercado editorial brasileiro. Guerra dos
Gibis mostrava como alguns dos principais impérios editoriais haviam sido
erguidos a partir das vendas astronômicas dos gibis, em especial nos anos 1940
e 1950. Focado na vida de Adolfo Aizen, o livro contava também a perseguição
aos gibis, feita por padres, professores e políticos. Mas, como a narrativa
terminava na década de 1960, faltava uma segunda parte. É exatamente a segunda
parte dessa epopéia que a editora Peixe Grande está lançando agora, com o livro
Maria Erótica e o clamor do Sexo (Peixe Grande, 2010, 494 p.).
Se o
primeiro livro tinha como personagem principal o editor Adolfo Aizen (dono da
Ebal), este segundo é focado em dois outros personagens: Minami Keizi e Cláudio
Seto. Ambos viveram a fase mais difícil dos quadrinhos nacionais, quando a
perseguição aos gibis nacionais era institucionalizada e fazia parte do
programa da ditadura militar. E ambos revolucionaram a linguagem dos quadrinhos
ao introduzir os mangás em nosso país.
Minami
chegou em São Paulo com pouquíssimo dinheiro no bolso, foi rejeitado pela
maioria dos editores da época (que estranharam seu traço com fortíssima
influência oriental), mas acabou criando uma das melhores editoras de quadrinhos
da década de 1970, a Edrel.
Vindo da
mesma cidade que Minami, Lins, no interior paulista, Cláudio Seto foi um dos
principais e mais revolucionários artistas da Edrel e, posteriormente, comandou
o setor de quadrinhos da Grafipar, a maior trincheira dos quadrinhos nacionais
no final da década de 1970 e início da década de 1980.
O livro
acompanha ora um, ora outro, oscilando entre as histórias desse personagens tão
interessantes quanto as histórias que criaram.
A forma
como Minami consegue sair da miséria para se tornar dono de uma editora é digna
de nota. Após ter seu trabalho rejeitado, ele investiu seu pouco dinheiro num
sistema de venda de livros por reembolso postal (os anúncios do serviço eram
conseguidos em publicações em troca de tiras de quadrinhos produzidas por ele) que
deu tão certo a ponto de Sebastião Bentivegna, dono da editora Pan-Juvenil
convidá-lo a ser supervisor editorial. Com o tempo, afundado em dívidas com
agiotas, Sebastião chamou Minami e o dono da gráfica que fazia fotolitos para a
editora e ofereceu a Pan-Juvenil, de graça, desde que eles assumissem as
dívidas.
Minami
investiu em quadrinhos ousados tanto pelo erotismo quanto pelas inovações
estéticas, que aproximavam os gibis dos mangás e teve tanto sucesso que a
editora, agora chamada Edrel, não só conseguiu quitar seus débitos, como ainda
cresceu e chegou a ameaçar as grandes.
Foi nesse
momento que começou a calvário de Minami com a ditadura. Felizmente, o editor
guardou todo o histórico de correspondências com a censura, o que permitiu a
Gonçalo Júnior fazer um raio x da repressão ditatorial, nos brindando com
alguns dos momentos mais interessantes do livro.
O
argumento da ditadura é que, por trás da liberdade sexual, que se mostrava
através das publicações da Edrel, escondia-se o comunismo internacional, que
pretendia desestabilizar a família brasileira. Curiosamente, o mesmo fenômeno
era também combatido na União Soviética como um vício capitalista.
Gonçalo
amplia a investigação sobre a censura na época, abarcando de revistas como
Garotas de Piadas da Edrell aos gibis do Pato Donald e Luluzinha, além de
revistas de reportagens, como a Realidade.
Mas a
perseguição ao Pato Donald nem se comparava à repressão ao erotismo. Sem querer
perder o negócio, Minami procurava se informar como continuar publicando sem
ter suas revistas apreendidas. Logo descobriu que não havia parâmetros. Tudo
dependia muito da cabeça do censor.
O risco
maior não era só a apreensão de revistas: as sedes das editoras poderiam ser invadidas a
qualquer momentos e seus funcionários presos.
O esquema
da censura era cruel especialmente para os pequenos editores, com poucas
ligações com o poder. Na fase mais cruel da ditadura, as bonecas das revistas
tinham de enviadas para Brasília, onde muitas vezes demoravam meses para serem
analisadas. Se houvesse algum corte ou pedido de mudança, uma nova boneca
deveria ser feita e enviada para Brasília para uma análise igualmente demorada.
Se a
revista focasse em assuntos do momento, esse esquema era morte certa. No final,
a repressão levou ao fechamento tanto da Edrel quanto da editora seguinte de
Minami, a M&C.
Para
fugir da repressão, Cláudio Seto, escondeu-se no único lugar onde não se esperava
encontrar um subversivo: no partido do regime a Arena, pela qual foi eleito
vereador em Lins.
Quando se
casou, resolveu pegar a estrada e fazer uma viagem pelo sul do país. Ao chegar
em Curitiba, encontrou a cidade envolta pela neve e, encantado, resolveu morar
lá.
Sua ida
para Curitiba parece ter sido arquitetada pelo destino, pois, na mesma época um
editor local pretendia entrar no mercado erótico, aproveitando a abertura da
censura e o interesse da população pelo tema. Era o início da Grafipar. Deu tão
certo que virou uma verdadeira trincheira do quadrinho nacional, a ponto de
alguns dos mais importantes artistas da época se mudaram para a capital do
Paraná.
Erros editoriais,
perseguição política e a crise econômica selaram o fim da editora, o que não a
impediu de deixar uma marca poderosa nos quadrinhos brasileiros.
O livro
se torna ainda mais importante pelo fato de tanto Minami quanto Seto terem
morrido recentemente, quase no esquecimento, em especial Minami. Numa época em
que os mangás dominam as bancas, poucos se lembram desses grandes artistas e
editores que introduziram a linguagem oriental nos quadrinhos nacionais. Nas
palavras de Toninho Mendes, que escreve a orelha da publicação: “Gonçalo Júnior
faz ressurgir do limbo um segmento da imprensa nacional quase desconhecido: o
dos pequenos editores de revistas e livros de sexo que desafiaram a polícia e
os censores com forma criativas de enganar a repressão e fazer o brasileiro
participar mais ativamente – em vários sentidos – da revolução sexual, que a
ditadura tanto se empenhou por não deixar entrar no país”.
quarta-feira, maio 29, 2019
Como a geração sexo drogas e rock´n´roll salvou Hollywood
No final da década de 1960, Hollywood vivia o seu pior momento. Poucos
filmes faziam sucesso, muitos estúdios estavam em vias de fechar e o sistema
que perdurou durante décadas se revelava um beco sem saída. A venda de
ingressos, que em 1946 era de 78,2 milhões de dólares por semana caíra para
15,8 milhões e estava ladeira abaixo.
Esse sistema permitia, por exemplo, a existência de um diretor quase
cego, como Norman Taroug, de Canções e
Confusões, com Elvis Presley. Os diretores eram funcionários de luxo que estava
no set apenas para garantir que os atores ficassem nos lugares certos quando a
câmera começasse a filmar. A maioria dos diretores não podia nem entrar na sala
de projeção para ver o corte final.
Era também uma situação que dificultava a inovação. Só dirigia um filme quem já tivesse dirigido
um filme. A média de idade nas equipes técnicas era de 60 anos.
Foi justamente nesse período que um grupo de diretores jovens, a maioria
amigos, revolucionou a indústria de cinema, com equipamentos novos, mais leves,
e a vontade de fazer as coisas de maneira totalmente diferente. É a história desses revolucionários que Peter Biskind conta no livro
Como a geração sexo, drogas e rock´n´roll salvou Hollywood. Biskind é editor
executivo da revista Premiere e editor-chefe da American Film, sendo um famoso
crítico de cinema.
O autor conta a história dos filmes, diretores, roteiristas, produtores
e atores que formaram a chamada Nova Hollywood usando uma narrativa deliciosa,
que vai pulando de um personagem para outro, conforme eles se encontram. Embora
vivessem uma guerra de egos, a maioria desses astros eram amigos, ou tão amigos
quanto Hollywood permite. Spielberg, Scorcese e Copolla freqüentavam as festas
na casa de Brian De Palma. George Lucas servia comida nas recepções na casa de
Copolla e tinha com ele uma relação pai-filho, inclusive nos seus conflitos...
David Newman, analisando o sucesso de Bonnie e Clyde, filme roteirizado
por ele, diz que os personagens foram mortos não porque roubavam bancos
(“Ninguém gostava da porra dos bancos”), mas por serem revolucionários estéticos.
E provavelmente por colocarem na tela o conflito de gerações que caracterizou
toda a década de 1970 e todo o cinema do período.
A mudança estética proposta por Bonnie e Clyde não ficou apenas nas
películas, mas em todos os aspectos. Na nova Hollywood, executivos, diretores e
produtores trocavam ternos e gravatas por calças boca de sino, colares, cabelos
compridos, barba e sandálias. Também mergulhavam nas drogas – qualquer droga
que estivesse na moda, até gás do riso.
Bert Schneider e Bob Rafaelson são exemplos disso. Donos da BBS, a mais
importante produtora do período, eles pareciam ter caído de outro planeta,
mesmo estando ligados à Colúmbia, o mais conservador dos estúdios. Na BBS, as
secretárias passavam a maior parte do tempo enrolando baseados para os
visitantes.
Poucos filmes sintetizaram, tanto no resultado final quanto na produção,
o melhor e o pior da década quanto Sem Destino, de Dennis Hopper.
Hopper era um bad boy, odiado pelos estúdios. Costumava ir nas festas e,
quando via um produto, o ameaçava perguntando porque não estava dirigindo
nenhum filme. Era violento (batia na mulher) e vivia à base de drogas e álcool.
Mesmo assim, o ator Peter Fonda o chamou quando teve a ideia de fazer um filme
sobre motoqueiros que atravessam o país depois de conseguirem muito dinheiro
vendendo cocaína.
Como ninguém queria patrocinador, eles procuraram a BBS, que na época se
chamava Raybert. “Esse cara é louco pra caralho, mas eu acredito totalmente
nele, e acho que faria um filme brilhante para nós”, disse Peter.
Os produtores deram 40 mil
dólares de teste para que a dupla filmasse o carnaval de Nova Orleans. A
reunião da equipe reuniu um monte de gente cabeluda, todos sentados no chão.
Eles não tinham iluminador. Uma garota que não tinha nenhuma experiência na
área se ofereceu. “Você quer fazer isso mesmo? Tô curtindo! Você vai iluminar o
filme!”, responde Hopper, sem se preocupar com o fato de que o iluminador é um
dos técnicos mais importantes da equipe.
Eles não tinham roteiro e ninguém sabia exatamente o que filmar, só
sabiam que se tratava de uma viagem de ácido. O diretor mantinha consigo sempre
duas armas de fogo e gostava de gritar com a equipe, lembrando que o filme era
dele. Numa cena no cemitério, Dennis insistiu para que Peter Fonda subisse no
colo de Nossa Senhora e falasse sobre o seu relacionamento com a mãe, que havia
se suicidado há pouco tempo. Fonda aceitou, mas nunca mais perdoou o diretor e
a partir daí virou praticamente um inimigo público do mesmo.
Além de diretor, Dennis fazia Billy e Peter fazia o Capitão América. O
terceiro papel, de um advogado que se junta à dupla, deveria ser interpretado
por Rip Torn, mas depois de uma briga com o diretor em que os dois quase se
mataram, acabou sendo substituído por Jack Nicholson, no seu primeiro papel
importante.
Em meio a brigas pela autoria do roteiro e muita droga, as filmagens
acabaram sendo feitas, mas o filme não ficava pronto. Dennis Hoppe era um
péssimo montador e não conseguia diminuir para menos de 4 horas. Tiveram que
pagar-lhe uma passagem de férias para
Laos. Quando voltou, ficou furioso ao descobrir que tinham diminuído seu
filme para uma duração normal (“Você arruinou meu filme! Você transformou meu
filme num programa de TV”), mas não
matou ninguém, de modo que Sem Destino estava finalmente pronto para as salas
de cinema.
Mesmo assim, a Colúmbia não queria lançá-lo. Só depois do sucesso no
festival de Cannes o estúdio resolveu colocá-lo no circuito. Foi um sucesso
estrondoso. O filme custou apenas 501 mil dólares e faturou 19 milhões.
Os donos de estúdios ficaram estarrecidos com a possibilidade de fazer
filmes baratos que iriam faturar alto. Qualquer um que aparecesse com uma ideia
diferente ganhava a possibilidade de realizar o seu projeto. Se alguém
aparecesse querendo fazer um filme sem imagens, eles provavelmente aceitariam.
Foi esse esquema que permitiu o surgimento de nomes como Francis Ford Copolla,
William Friedlin, George Lucas, Bob Rafelson, Martin Scorcese, Hal Ashby,
Robert Altman, Brian De Palma e Peter Bogdanovich e criou um sonho que duraria
quase uma década antes de ser soterrado pela cocaína e pelos orçamentos
descontrolados, já que os diretores, longe da ditadura dos produtores, gastavam
até não poder mais e chegavam a se dar o luxo de passar o dia se drogando
enquanto toda a equipe esperava para filmar ou mandar vir comida da Itália num
jatinho enquanto filmavam na selva.
É essa história que Peter Biskind conta com maestria em Como a geração
sexo drogas e rock´n´roll salvou Hollywood, provavelmente um dos melhores
livros sobre o cinema norte-americano e seus bastidores.
O seriado do Monstro do Pântano
A DC, que tem errado feio nos filmes, parece estar acertando nos seriados. Titãs foi uma agradável surpresa e conquistou público e crítica com bom roteiro e ótimas atuações.
Outra aposta que tem tudo para se tornar um grande sucesso é Monstro do Pântano.
O personagem foi remodelado por Alan Moore na década de 1980 e se tornou um dos quadrinhos mais revolucionários e influentes de todos os tempos.
A série é baseada na fase de Moore e isso já fica óbvio no cartaz, que faz referência direta a uma das mais icônicas capas dessa fase.
Quem viu, gostou muito. Jornalistas especializados deram nota 92 no Rotten Tomatoes.
Clique aqui para assistir ao trailer.
Outra aposta que tem tudo para se tornar um grande sucesso é Monstro do Pântano.
O personagem foi remodelado por Alan Moore na década de 1980 e se tornou um dos quadrinhos mais revolucionários e influentes de todos os tempos.
A série é baseada na fase de Moore e isso já fica óbvio no cartaz, que faz referência direta a uma das mais icônicas capas dessa fase.
Quem viu, gostou muito. Jornalistas especializados deram nota 92 no Rotten Tomatoes.
Clique aqui para assistir ao trailer.
Ponto de venda: cores e aromas
Cor
Todo mundo sabe a importância da cor em uma loja, mas poucos sabem usá-la. A maioria acha que usar bem a cor é usar o máximo possível, poluindo visualmente a loja. Na verdade, a regrinha básica é exatamente o oposto: em se tratando de cores, menos é mais.
O cliente deve ser capaz de identificar a cor da empresa. As cores da Volkswagen são azul e branco. Assim, tudo é azul e branco. Até mesmo se a loja fizer um feirão e resolver enfeitar com balões, os balões devem seguir essas cores. Isso ajuda a criar a identididade visual do estabelecimento, fixando a marca na cabeça do cliente.
Aromas
A ciência do ponto de venda inclui até os cheiros. Sim, os cheiros podem ajudar a vender. Quem nunca teve vontade de comer pão ao passar ao lado de uma padaria de supermercado e sentir o cheiro de pão fresco?
Algumas experiências com aromas artificais têm sido usadas, como colocar cheiro de bacon perto dos salgadinhos, ou de flores perto de produtos de limpeza. As lojas de perfume usam aromas como forma de incentivar o consumidor a comprar.
Já estão sendo testados até mesmo feromônios, hormônios sexuais, que deixariam os clientes mais propensos a aceitar sugestões dos vendedores. Mas isso ainda é especulação. O que se sabe mesmo é o que o uso correto de aromas pode aumentar em até 20% as vendas de uma loja ou supermercado.
Se existem cheiros bons, que ajudam a vender, existem aromas ruins, que devem ser evitados, entre eles o de peixe, carne e mofo.
Roteiro de quadrinhos: a narrativa
Skreemer apresenta flash backs de vários personagens |
Falaremos agora de um dos temas mais fáceis de
serem percebidos e mais difíceis de serem usados numa história em quadrinhos.
Falo da narrativa. O
que é a narrativa? É a maneira como a história se desenrola. Com isso não quero
me referir aos diálogos e ao texto, assuntos de que trataremos mais tarde e que
pertencem ao mundo da FORMA.
O tipo mais evidente
de narrativa é a linear. Ou seja, é aquela história com início, meio e fim
muito bem delineados.
Por exemplo: um
bando de assaltantes resolve roubar um banco. Eles chegam de carro, rendem o
gerente, pegam o dinheiro e fogem. É quando aparece o Super-homem e prende
todos os malfeitores. Termina a história com os meninos maus atrás das grades e
um texto do tipo: "Viram, meninos? O crime não compensa".
Esse é o tipo de
narrativa mais comum de se encontrar nos quadrinhos clássicos (claro que não me
refiro a algumas pérolas do roteiro, tais como Príncipe Valente, Spirit ou
Capitão César). É o que chamamos de roteiro linear. Há um início, um meio e um
fim bem delineados. E também não há complicações no miolo da história. As
coisas se resolvem facilmente.
Imaginemos, no
entanto, que o roteirista queira tornar esse roteiro um pouco mais complexo.
Ele pode, por exemplo, focar o Super-homem. O homem de aço está numa reunião no
Planeta Diário e percebe que o banco está sendo assaltado. Como sair da reunião
sem ser notado? Isso pode criar algumas situações interessantes, que vão tirar
a atenção do leitor do assunto principal (no caso, o assalto ao banco).
Isso é bom? Isso é
ótimo! O roteirista deve ser, antes de tudo, um sádico. O leitor está louco
para saber se o assalto vai se concretizar e você fica enrolando, mostrando
Clark Kent tentando se transformar no
homem de aço. Chama-se a isso suspense. Toda boa história tem algum tipo de
suspense, mesmo aquelas que fogem do esquema comercial.
Mas voltemos à nossa
história. Imaginemos que os bandidos estão em dois carros. O pessoal de um
carro vê o Super-homem interceptando o outro veículo. Eles estão desesperados e
tentam fugir. Mas... o destino e o roteirista são cruéis. O carro não pega. O
motorista tenta, mas não consegue fazer o motor funcionar.
Isso vai introduzir
um pouco mais de suspense na história e, como já disse, todo suspense é
bem-vindo. Podemos, inclusive, melhorar as coisas. Um dos bandidos sai correndo
desesperadamente. Ele está fugindo
agora. Está entrando em becos escuros, está pisando em latas de lixo e pulando
cercas. Tudo o que ele queria agora era estar em algum lugar seguro...
O que acharam? Nossa
história melhorou um pouco, hein? Mas, apesar de todo o suspense, ainda é uma
história linear. Os acontecimentos se sucedem em perfeita ordem cronológica.
Voltemos ao nosso
amigo. Ele corre, fugindo do Super-homem e, enquanto pisa o lixo, pula as
cercas e entra nos becos escuros, vai se lembrando do que aconteceu antes. A
história é toda contada do ponto de vista das lembranças do personagem.
Chama-se a isso flash back. Flash back é tudo aquilo que é contado, mas que
aconteceu antes do tempo real da história. É o principal recurso para tornar a
história não linear.
Em Piada Mortal os flash backs seguem uma ordem cronológica |
Existem vários tipos
de flash backs. No simples, as lembranças do personagem seguem uma seqüência
cronológica. Assim, nosso amigo vai se lembrar de quando seus comparsas estavam
planejando o roubo para depois se lembrar do roubo em si. Um exemplo de flash
back simples é Piada Mortal, de Alan
Moore.
Mas as memórias não
precisam, necessariamente, seguir uma ordem. Pelo contrário, elas podem vir
embaralhadas, como cartas de um baralho.
Certa vez, eu e Joe
Bennett (Bené Nascimento) fizemos uma história em que usávamos esse recurso.
Ela começava com o Puritano, o personagem principal, sobre uma clarabóia de
vidro. Lá embaixo uma garota estava sendo sacrificada num rito satânico. Ele
pula e quebra a clarabóia. O tempo real da história se passa em alguns segundo:
é o tempo de chegar ao chão. Toda a trama é contada pelas lembranças, tanto de
Puritano quanto da moça.
Poderíamos, claro,
ter mostrado primeiro os flash backs da moça e depois os do Puritano. Mas não.
Preferimos embaralhar tudo. As lembranças eram mostradas intercalada e numa
ordem não cronológica... Outro exemplo de narrativa não-linear é a história
Belzebu, escrita por mim e desenhada por Joe Bennett. A história começa do
final, e os fatos do passado são narrados como uma lembrança da personagem. No
caso dessa história há também uma interessante estrutura de elipse, pois a
história começa e termina com um cachorro morto.
Watchmen e o flash back não cronológico |
Um ótimo exemplo de
flash back embaralhado é o capítulo quatro (dois no Brasil) de Watchmen, quando Dr. Manhathan está em
marte e começa a lembrar do seu passado.
Outro ótimo exemplo
é a mini-série Skreemer, de Peter
Millingan. Lá existem tantos flash backs não cronológicos e de tantos
personagens que o colorista optou por usar tons pastéis nas cenas de passado.
Isso para não confundir o leitor. O resultado é que cada releitura de Skreemer nos revela novos detalhes da trama. E, falando em
detalhes, aí vai um: o tempo real da trama é de 15 minutos, o tempo que Skreemer está esperando para soltar seus
balões infectados.
Um recurso
interessante de narrativa que Alan Moore diz ter emprestado de Gabriel Garcia
Marques é contar a história através das narrativas de vários personagens. Só
que nenhum deles tem a história completa, de modo que o leitor é obrigado a
montar a trama mentalmente, como se
montasse um quebra-cabeça.
O filme Cidadão Kane, de Orson Wells, mostra uma
técnica narrativa semelhante. A história é construída através do depoimento de
várias pessoas que conheceram Kane e muitas vezes os mesmos fatos são mostrados
de maneiras bem diferentes.
Há um livro da
coleção Perry Rhodan que leva ao
extremo essa possiblidade narrativa. Dois agentes que se odeiam são mandados
para realizar, juntos, uma missão em um planeta distante. A aventura é contada
através do relatório dos dois. Acontece que os dois documentos são
absolutamente discordantes. Um fato é mostrado como heróico em um dos
relatórios e patético em outro. O resultado é muito divertido de se ler.
A revista Pilote
A revista Pilote surgiu em 1959, criada por quadrinistas oriundos da revista Spirou, que resolveram criar sua própria publicação: Goscinny, Charlier, Albert Uderzo eJean Hébrard. Desde o surgimento tornou-se a mais importante revista do quadrinho franco-belga. Sua principal atração era o humorístico Asterix, mas desfilaram por suas páginas muitos outros quadrinhos hoje clássicos, entre eles Blueberry (parceria de Charlier e Moebius). A revista foi publicada até 1989.
terça-feira, maio 28, 2019
Roteiro de quadrinhos: o texto como camada de significado
O bom texto deve dar uma camada a mais de significado à HQ, indo além daquilo que o desenho mostra.
Um bom exemplo disso é o Surfista Prateado. Ele foi colocado por Jack Kirby na história em que o Quarteto enfrenta Galactus. Para Kirby, Galactus era tão poderoso que deveria ter um arauto, o que não estava na sinopse entregue para por Stan Lee. Para Kirby, o Surfista era um personagem que tinha função apenas decorativa. Mas quando Stan Lee viu o desenho achou que ele se parecia com um filósofo, um profeta, de alma nobre e bons propósitos, que era obrigado a servir Galactus. Stan Lee acrescentou ao desenho de Kirby uma camada a mais de significado que transformou um mero coadjuvante num dos personagens mais interessantes e cults da Marvel.
O mesmo aconteceu com a história A insólita Família Titã escrita por mim e desenhada por Joe Bennett e publicada em diversas revistas eróticas na década de 1990 e finalmente reunida em álbum pela Opera Graphica em 2014.
A história surgiu de um convite do editor Franco de Rosa, que precisava urgente de uma história em quadrinhos de 30 páginas. Nós tínhamos duas semanas para produzir tudo: roteiro, desenho, arte-final, balonamento. Dessa forma, assim que soubemos do pedido, começamos a discutir a trama. A pressa era tanta que nós íamos conversando e o Bené já ia fazendo um esboço das páginas. Ao final, peguei aquele calhamaço e fui colocando texto. Esse processo todo durou menos de uma manhã, pois início da tarde já era necessário dar início à produção do desenho.
A pressa fez com que nós não tivéssemos tempo de discutir sobre a história. O resultado disso foi que eu jurava que o personagem Tribuno era o herói da história. Afinal, ele era o único dos três heróis que queria usar seus poderes para o bem da humanidade. Já para o Bené, ele era o vilão, pois só um vilão entraria numa jornada de vingança como fez o Tribuno.
Ou seja: o herói estava ali, cometendo as maiores atrocidades, mas eu estava lhe dando motivações, comprando o leitor com meu texto.
A história acabou ficando com uma dualidade ímpar: para alguns leitores, o Tribuno era um tremendo vilão, para outros, era um herói. A mistura de desenho e texto permitiu essa dupla leitura.
O texto e os diálogos, portanto, devem ir muito além da simples narrativa. Devem dar humanidade aos personagens, devem mostrar suas motivações e, principalmente, devem fazer o leitor se sentir dentro da HQ. Os quadrinhos são bidimensionais, mas o leitor deve se sentir dentro de uma história com todas as dimensões possíveis. Deve sentir os cheiros, deve ouvir os sons. Uma boa história é como uma realidade virtual, que transporta os leitores para um mundo em que tudo é possível.
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