A construção de personagens tem sido tema de teóricos teatrais,
cinematográficos, etc... sem que se chegue a uma conclusão decisiva. De modo
que não pretendo dar a última palavra sobre o assunto. Longe de mim. Mas posso
dar alguma dicas.
A primeira delas é
aprender a observar as pessoas. Da mesma forma que um desenhista precisa
precisa ver um anão para desenhar um anão, um roteirista precisa
conhecer e entender um neurótico para poder escrever sobre um personagem
neurótico.
Há um exercício
muito útil : observar as pessoas no ônibus. Escolha uma pessoa e comece a
observá-la, dando uma de Sherlock Holmes. Através da aparência externa, tente
descobrir quem é aquela pessoa, como ela pensa, de onde vem...
Por exemplo, se, de
noite, você encontra no ônibus uma
garota muito bem vestida, é provável que ela esteja indo para uma festa.
Se ela estiver levando cadernos ou uma bolsa grande, essa teoria estará furada,
pois pessoas normais não costumam levar cadernos para festas. Pelo tipo de
roupa é possível imaginar para que festa ela está indo. Se ela olhar
insistentemente no relógio, é provável que a tal festa signifique muito para
ela. É provável que nessa festa esteja alguém importante. Um ex-namorado do qual
ela ainda gosta, por exemplo. Ela sabe que a festa será uma grande chance para
a reconciliação e por isso se sente ansiosa...
Você pode compor
todo um perfil psicológico baseado
nessas especulações. Essa garota
poderá ficar numa espécie de "arquivo mental" para ser usada
posteriormente em uma história.
Outra grande dica é
pesquisar livros de linguagem corporal. Na maioria das vezes o corpo fala mais
do que as palavras. O escritor policial Dashiel Hammett era um especialista no
assunto. Suas descrições detalhadas dos gestos dos personagens muitas vezes
indicavam ligações insuspeitas entre estes
que iriam influenciar no final da história...
Um exemplo
quadrinístico. Quem tiver conhecimentos mínimos de linguagem corporal vai
percerber que o personagem Rorschach, de Watchmen,
é um homossexual e nutre uma paixão platônica pelo amigo Nite Owl.
Ainda sobre a
criação de personagens, é importante ter em mente o que ele significa, o que
ele representa. Batman é um homem obcecado pela idéia de ordem. "O mundo só
faz sentido se você o força a ter", ele diz em Cavaleiro das Trevas.
Batman é o protetor de Gothan e, para cumprir a missão que ele mesmo se
incubiu, vale qualquer coisa, até mesmo recrutar uma criança (no caso, o
Robin).
A história Para um Homem que Tem Tudo é um interessante estudo de personagem. Nela, descobrimos que o
maior sonho de Super-homem é que Kripton não tivesse sido destruído. O maior
sonho de Batman é que seus pais não tivessem morrido. Portanto, se seus sonhos
tivessem se realizado, eles jamais seriam super-heróis. Super-homem sente-se um
alienígena em nosso planeta, um órfão completo. Já Bruce Waine talvez se sinta
culpado pela morte dos pais. Moore expõe sua opinião de que só pessoas
neuróticas e infelizes se tornariam super-heróis.
Os personagens
normalmente podem ser divididos em categorias, de acordo com o grau de
importância dos mesmos na trama. Assim, temos:
Protagonista – é o personagem principal, aquele que o leitor irá
acompanhar. A história será vista do ponto de vista do protagonista.
Antagonista – é o vilão, muito comum em histórias de super-heróis e
filmes.
Personagens secundários – são aqueles personagens que convivem com
o protagonista e com o protagonista. Boas histórias costumam ter personagens
secundários bem desenvolvidos, com uma personalidade e uma história de vida.
Personagem bucha-de-canhão – essa categoria é uma brincadeira feita
entre roteiristas e se refere àqueles personagens que não têm importância
nenhuma na trama. Eles surgem na história só para dar o gancho de alguma
situação. Pode ser, por exemplo, o assaltante que rouba o dinheiro do
protagonista, fazendo com que ele caia numa maré de azar que será o tempero da
trama.
Do ponto de vista da
personalidade, os personagens podem ser divididos em:
Personagem unidimensional – é o personagem que tem uma dimensão,
uma só característica que domina seu comportamento. Por exemplo, a Magali é
comilona, o Cascão é sujo, a Mônica é brava. No começo dos quadrinhos de
super-heróis a maioria dos personagens eram unidimensionais. Na década de 1990,
na era Image, também predominaram personagens unidimensionais.
Personagem bidimensional – são personagens mais elaborados. Nos
quadrinhos de super-heróis, um grande responsável por tornar mais bidimensionais
os heróis foi Stan Lee. Seus heróis sempre tinham um pé de barro, algo que os
fazia mais humanos. Assim, Thor é um ser extremamente poderoso, mas também é
Don Blake, um médico aleijado; Demolidor é o homem sem medo, mas também é cego;
Homem de ferro é invencível, mas sofre com problemas no coração; o Hulk é um herói, mas também é um monstro incontrolável e irracional.
Personagem
tridimensional – São personagens muito parecidos com pessoas normais, que têm
uma personalidade complexa e não podem ser definidos apenas por uma ou duas
características. Personagens tridimensionais têm motivações inconscientes, e
estudar um pouco de psicologia ajuda a criá-los. Frank Miller, por exemplo,
transformou o Demolidor em um personagem tridimensional. Ele acrescentou mais
uma camada ao herói ao mostrar que, além de corajoso e cego, ele também tinha ódio
do pai por este tê-lo obrigado a estudar ao invés de seguir a carreira de
lutador.
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