Américo
só percebeu que se metera numa enrascada quando já estava casado. A esposa era
uma megera. Tratava-o por palerma, idiota, desengonçado... Certo dia, como ele
encontrasse dificuldade em consertar um chuveiro, a mulher acrescentou um novo
adjetivo á coleção:
- Nem pra isso você serve, seu
imprestável!?!
Imprestável. Parece que gostou do
termo, pois passou a usá-lo em todas as frases dirigidas ao marido:
- Venha jantar, seu imprestável....
faça a barba, imprestável...
Com o tempo, Américo foi abandonando
todos os seus prazeres. Deixou de comprar livros (ela sempre reclamava dos
gastos com esse tipo de bobagem...), deixou de visitar os amigos e, por fim,
desistiu até de assistir seus programas prediletos na TV. Isso porque, sempre
que estava assistindo algo, ela o chamava com o pretexto de trocar uma lâmpada,
enxugar a louça do jantar ou fazer qualquer outros desses serviços domésticos.
- Você lavou a louça e não enxugou,
seu imprestável! - arrematava ela, como agradecimento.
À medida em que o humor da esposa ia
piorando, também ia aumentando seu sedentarismo. Até o ponto em que os vizinhos
só tomavam conhecimento dela através dos gritos histéricos com que ela recebia
o marido todas as noites...
Depois de muitos anos trabalhando
sempre no mesmo serviço burocrático, chegando em casa sempre à mesma hora,
Américo teve, finalmente, uma atitude que se poderia chamar de autônoma. Chegou
em casa com um belo aparelho de som. A esposa que já o esperava pronta para
reclamar do atraso, não se conteve:
- Para que isso, seu imprestável?
Não sabe que eu não gosto de música?!?
E desatou a reclamar por duas horas
inteiras. Américo gravou tudo. E gravou também a reprimenda do dia seguinte, e
do outro. Quando achou que já tinha o suficiente, esganou a esposa e enterrou o
corpo no porão.
A partir de então chegava em casa
toda a noite e ligava o toca-fitas. Depois ligava a TV, ou pegava um livro, e
se divertia pelo resto da noite. Os vizinhos, acostumados a só saberem da
mulher pelos seus tremendos gritos, nunca desconfiaram de nada. Pelo contrário.
De vez em quando algum vizinho pensava consigo:
- Coitado do Seu Américo. Agüenta
poucas e boas da sua mulher. Se fosse eu, já a tinha matado...
Obs: Este texto foi o vencendor do I concurso de crônicas e contos da editora Geração.
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