segunda-feira, outubro 26, 2020

Coringa - mergulho em uma mente ensandecida


Coringa é um filme perturbador. Um mergulho profundo na mente do mais perigoso vilão de Gothan.
Alan Moore já havia introduzido a ideia de que a personalidade louca havia surgido após um dia difícil. Frank Miller havia sugerido que ele era tão perigoso justamente por ser imprevisível: ao contrário de outros vilões que querem dinheiro ou poder, o Coringa só quer o caos.
Mas nenhum dois aprofundou tanto o  personagem quanto o diretor Todd Phillips.
O diretor explora o processo de transformação de Arthur Fleck, um palhaço e humorista fracassado  que aos poucos se torna um louco e imprevisível assassino.
E esse processo é um acúmulo de acertos, a começar pela ambientação nos anos 1970, que ecoa diretamente a Nova York de Taxi Drive, de Martin Scorsese. Mas Gothan do filme é uma uma Nova York ampliada à quinta potência. Uma greve de lixeiros faz com que o lixo se espalhe pelas ruas, a economia está em frangalhos, uma revolta está prestes a eclodir.
Nessa panela de pressão, o programa de maior audiência é um talk show apresentado por Murray Franklin, interpretado por Robert De Niro. A referência é óbvia: na década de 1970, De Niro fez o papel de um comediante fracasso que sequestra Jerry Lewis para aparecer em seu programa.    
Há diversas outras referências: o visual final do personagem é parcialmente inspirado na maquiagem de John Wayne Gacy, o palhaço psicopata, que quando não estava matando garotos, estava se apresentando para crianças em um hospital infantil (em uma das cenas Arthur Fleck  também se apresenta em um hospital infantil). Há, óbvio, a referência à Piada Mortal, de Alan Moore e o conceito de que o vilão era inicialmente um humorista fracassado que só conseguia fazer a esposa rir (mas o filme eleva ainda mais o nível de tensão ao mostrar qual é a verdadeira natureza da relação entre Fleck e sua namorada).
Outro grande acerto é conectar a origem do Coringa à origem do Batman, inclusive a suspeita do personagem de que ele poderia ser filho de Thomas Wayne.
Soma-se a isso a atuação de Joaquim Fênix, simplesmente antológica. Dizem que todos os atores que aturam como o Coringa teriam sido abalados por ele. Conta-se que Heath Ledger teria praticamente enlouquecido durante as filmagens do Cavaleiro das Trevas. Difícil não acreditar que Fênix também não tenha sido afetado. Sua atuação é perturbadora, em especial a risada, que no filme tem uma história: seria um problema neurológico, fruto de maus tratos na infância, que o fariam rir nos momentos mais inoportunos ou quando está nervoso.
Some a isso a trilha sonora, tensa, nervosa, pesada que faz com que uma simples cena de dança se torne assustadora. Aliás, o filme brinca com o expectador, fazendo-o ficar tenso em momentos cotidianos e levando-o a rir durante um assassinato.
De tudo, apenas uma coisa a lamentar: que esse filme não tenha conexões com futuras da produção da DC. Adoraria ver esse Coringa já totalmente desenvolvido  em outras produções.

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