Atualmente, no mundo ocidental, temos uma visão muito específica da sexualidade. Inventamos categorias sexuais excludentes, como homossexual, heterossexual, bissexual e congêneres, tentamos enjaular toda a diversidade sexual nesses rótulos. Entretanto, embora essas palavras usem radicais gregos e latinos, elas não refletem a maneira como gregos e romanos viam o sexo. Para eles, por exemplo, um homem que se relacionava com outro homem não era homossexual pela simples razão de que o conceito não existia. É essa variedade de comportamentos (que podia incluir desde o incesto dinástico aos agrupamentos militares de amantes) que se debruça o livro O prazer do sexo, de Vicki León (Apicuri, 334 páginas).
Vicki León é especialista em pesquisas em documentos históricos, tendo escrito os livros Mulheres audaciosas da antiguidade, Mulheres audaciosas da Idade Média e Meu chefe é um senhor de escravos.
As fontes históricas originais consultadas pelo autor fazem a diferença do livro no meio de vários lançamentos sobre sexualidade que abarrotam as livrarias recentemente, muitos dos quais com pouco conteúdo. Para entender como gregos e romanos viam o sexo, o autor consultou documentos oficiais, como leis, cartas, narrativas teatrais e vários outros.
Uma das informações que certamente irão chocar o leitor é a relação entre sexo e religiosidade. Num mundo dominado pela religião cristã, no qual a sexualidade é vista como pecado, pode ser espantoso descobrir que os antigos constantemente uniam as duas coisas. No Egito antigo, por exemplo, o novo Faraó deveria semear o Egito. Ele fazia isso se masturbando e ejaculando no rio Nilo. O ritual garantiria a inundação anual do rio, providenciando a prosperidade da região.
A palavra orgia, por exemplo, tem origem em uma cerimonia em honra aos deuses (o mais famoso deles, Dionísio, deus grego do vinho, ou seu equivalente romano Baco – de onde vem a palavra bacanal). As orgias, ou bacanais, envolviam bebidas alcóolicas, danças frenéticas e segredos espirituais – afinal, era uma cerimônia religiosa, não?
Em quase toda a antiguidade, eram comuns prostíbulos sagrados. Havia centenas de escravas religiosas vinculadas a centenas de templos diferentes, chamadas de cortesãs sagradas.
Na Roma antiga, um dos rituais mais famosos eram os lupercais, ou lupercalis, em homenagem a Inuo, deus do sexo e realizado no dia 15 de fevereiro. Os mancebos começavam o dia reunindo-se nos arredores da cidade, onde sacrificavam um bode à divindade, tiravam a pele do bode, cortavam em tiras e faziam chicotes com elas. Depois percorriam as ruas da cidade, seminus, o corpo reluzindo de óleo. As moças se aglomeravam para receber uma chibatada nas nádegas. Acreditava-se que isso afastava os espíritos maléficos, tornava a mulher mais receptiva ao marido, dava-lhe uma boa gravidez e um parto sem incidentes. Ou seja: o sonho de toda mulher romana.
Além disso, havia pênis na maioria dos templos. O deus Príapo, conhecido por sua enorme ereção, era famoso na península itálica e sua imagem aparecia em casas e muros. Objetos fálicos eram considerados uma espécie de talismã contra o mau-olhado e as forças malignas e por essa mesma razão era comum encontra-los na maioria das casas.
Outro aspecto interessante é a análise do autor sobre a sexualidade, em especial grega e romana, que ele chama de polissexualidade. Para esses povos, deveria parecer absurdo definir esta ou aquela opção sexual como opções de vida ou práticas anti-naturais: “A questão era que não tinham de escolher isto ou aquilo. Podiam provar de tudo, ou quase tudo”.
Na verdade, a variedade sexual era vista como natural e muitas vezes parte do aprendizado. Na Grécia antiga, por exemplo, os casais masculinos eram invariavelmente cidadãos livres, sempre um homem adulto com um jovem de uma família não imediata. Essa relação era considerada pedagógica para o jovem e podia incluir aspectos sexuais e eróticos, nos quais o jovenzinho era sempre passivo. “Quando o adolescente atingia a plena idade adulta, o relacionamento acabava; mais tarde ele, por sua vez, tornava-se o mentor (erastés) de um erómenos, um jovem amado de doze a dezessete anos”.
Na verdade, se for necessária uma definição, esta será através da dicotomia ativo versus passivo. A grande questão na antiguidade clássica não era se a pessoa se relacionava com homens ou mulheres, mas quem penetrava e quem era penetrado. Havia aí, por exemplo, uma relação de poder. Um nobre poderia tranquilamente ter uma relação com seu escravo e isso não era visto com maus olhos pela sociedade (dependo da situação, poderia até mesmo ser elegante, como no caso dos delicatus, meninos bonitos e escravos sexuais usados para penetração anal por parte dos homens ricos). Mas o nobre deveria sempre manter na condição de ativo. Um escravo penetrando um nobre seria um verdadeiro escândalo.
O ato sexual passivo era visto como tão degradante que podia ser usado até mesmo como castigo. O adultero poderia, por exemplo, ser sodomizado pelo marido ofendido. Mais degradante que a penetração anal passiva, só o sexo oral. Os adeptos da felação e da cunilíngua que acabavam caindo na boca do povo nunca eram convidados para jantar. Dizia-se que sua conduta pervertida lhes dava um mau hálito terrível.
De aspecto negativo, o fato do livro em alguns momentos resvalar no que podemos chamar de fofoca histórica, aspecto destacado inclusive por alguns títulos, como “Otávia & Marco Antonio: o amor materno supera o resto”. O leitor, no entanto, pode simplesmente ignorar essas partes.
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