domingo, junho 06, 2021

O experimento de Milgran

 

Filho de imigrantes que haviam saído da Europa fugindo da perseguição aos judeus, Stanley Milgran se perguntava como havia sido possível o holocausto. Como milhares de pessoas normais, pais de família, pessoas do bem, haviam se tornado carrascos nazistas nos campos de concentração, matado e torturado pessoas que mal conheciam. Um fato ainda mais perturbador: nos julgamentos que se seguiram, muitos desses criminosos de guerra alegaram que estavam apenas cumprido ordens superiores.
Para verificar como a obediência à autoridade poderia levar pessoas normais a atos extremos, Milgran bolou uma experiência. Um voluntário era levado a acreditar que estava participando de um experimento a respeito da influência da punição na aprendizagem. A cada resposta errada, o professor deveria acionar uma chave que aplicava um choque em um “aluno”, em outra sala. Os choque aumentavam gradativamente de potência. Na outra sala havia na verdade um ator, que gritava, alegava que tinha problemas cardíacos e pedia para parar o experimento. 65% das pessoas foram até o choque mais potente, que poderia até matar o “aluno”. Isso porque uma autoridade, o pesquisador lhe dizia que deveria continuar apicando choque.
A experiência abalou a psicologia social – até então a maioria dos psicólogos acreditava que pouquíssimas pessoas iriam até o final.
A vida de Milgran é mostrada no filme O experimento de Milgran, de Michael Almereyda, lançado pela Netflix, com Peter Sarsgaard e Winona Ryder no elenco.
Não é um filme convencional, que permita uma fácil identificação com o protagonista, em especial graças à quebra da quarta parede – em diversos momentos Milgran se vira para a câmera e conversa com o telespectador. Isso pode provocar alguma rejeição de receptores mais acostumados a filmes convencionais, mas certamente serve aos propósitos do filme. O objetivo aqui parece ser não mergulhar o expectador numa história, mas principalmente força-lo a refletir sobre determinadas situações. Nesse sentido, é quase uma experiência social, fato reforçado por algumas situações estranhas, como um elefante que anda atrás de Milgran em determinados momentos ou o filho do psicólogo, que sempre aparece pintado de verde.
Embora sua experiência com autoridade o tenha tornado famoso, Milgran é também autor da teoria dos seis laços, segundo a qual há no máximo seis graus de separação entre qualquer pessoa do mundo. Ou seja: eu conheço alguém que conhece alguém que conhece alguém que conhece aquela pessoa. É a base filosófica das redes sociais, como o Facebook.
Milgran também criou experiências que se tornaram famosas como pegadinhas, como a da pessoa que no meio da rua começa a olhar para cima até que várias outras pessoas também começam a olhar para cima até que uma multidão se junta para ver nada... numa perfeita demonstração da chamada conformidade social.
O filme passeia por essas experiências e pela vida de Milgran focando inclusive na versão televisiva de sua experiência, o filme The Tenth Level, de1975, estrelado por William Shatner (sim, o mesmo ator que ficou famoso no papelo do Capitão Kirk!!!).
Em tempos em que pessoas acreditam cegamente em boatos anônimos em redes sociais e parecem cada vez mais inclinadas a seguirem líderes autoritários, é um filme necessário, que nos alerta sobre o lado terrível da natureza humana.

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