Antigamente,
quando os dentistas eram poucos, era comum a população ser atendida por
práticos: pessoas que aprendiam a arrancar dentes, mas que não tinham muita
noção de anatomia ou de qualquer outra coisa que não fosse a prática de
arrancar dentes. Os práticos não participavam de congressos, não liam as
últimas descobertas da área e não tinham uma visão geral de sua profissão e
suas correlações com áreas correlatas, como a medicina. Então, era comum
ocorrerem casos grotescos.
Uma conhecida
minha foi levada a um prático quando era criança por causa de uma cárie. Hoje
um detista faria de tudo para salvar o dente, mas o prático disse ao pai:
“Melhor arrancar todos os dentes dessa área, pois um dente cariado estraga os
dentes do lado”. E lá se foram três dentes, ao invés de um. Em outra situação,
um prático aconselhou ao pai arrancar todos os dentes de um jovem, para que
“ele não tivesse mais problemas de dor de dente”.
Casos como esse
parecem grotestos porque temos hoje a idéia de que é necessária uma formação
especial para que se mexa na boca dos outros. Ninguém com o mínimo de
informação se sentaria na cadeira de um prático hoje em dia.
No entanto, situação
semelhante ocorre com o jornalismo. Sabe-se que alguns jornalistas não formados
em comunicação são preocupados com a constante atualização e muitos até se
destacam por sua brilhante atuação, como é o caso do sociólogo Lúcio Flávio
Pinto. Mas esses parecem ser exceção (e as exceções parecem ser aqueles que já
têm nível superior). A maioria dos jornalistas práticos não tinha a menor
preocupação com atualização. Conheci um jornalista que se orgulhava de nunca
ter lido um livro.
Tais práticos
aprenderam a fazer as coisas de determinada maneira e a repetem como papagaios,
sem saber exatamente por que fazem o que fazem. Certa vez eu fazia assessoria
de imprensa para um grupo de teatro em Belém e sugeri ao fotógrafo de um jornal
(um rapaz sem nenhuma formação profissional) que fizesse uma foto com um ângulo
e poses diferentes, que expressassem a história da peça. Ele se recusou terminantemente:
“Não se pode fazer isso numa foto jornalística!”. E ele insistiu em tirar a
foto dos atores de costas para uma parede, olhando para a câmera, como nas
fotos de bandidos nas páginas policiais. Ele tinha aprendido que tais fotos
estáticas eram as únicas que podiam sair nos jornais e não podia imaginar outra
forma de exercer a sua profissão. É como o prático que aprendeu a extrair
dentes e se sente feliz em quanto mais banguela deixar o cliente.
Pode-se
argumentar que há diferença entre o jornalismo e a odontologia, que a
odontologia trata de vidas humanas. Mas o jornalismo trata de informações, e
hoje a informação pode ser a diferença entre a vida e a morte de uma pessoa.
Hoje as pessoas fazem questão de exigir serem atendidas por dentistas formados
porque tiveram informação sobre o que pode acontecer com elas nas mãos de um
prático.
Quem lida com
algo tão importante quanto informação tem que ter uma formação mínima e deve
estar sempre atualizado sobre sua área de atuação. Infelizmente, atualmente o
que temos visto são muitas pessoas sem a menor formação fazendo verdadeiras
bizarrices, como inventar notícias do nada. Manipulação sempre houve: o editor
poderia escolher a pior foto de um político durante uma inauguração por ele ser
inimigo do jornal, mas a foto existia, o fato existia, apenas fora escolhida
uma abordagem que interessava a alguém.
Hoje em dia,
entre os “jornalistas” de zap zap, de blogs e de canais de Youtube, nada
precisa existir – a notícia surge como puro simulacro.
Um exemplo: há
pouco tempo um “jornalista” afirmou que tinha provas concretas de que a eleição
norte-americana tinha sido fraudada pela Venezuela. A prova: uma empresa
norte-americana que, segundo ele, tinha atuado na Venezuela e que agora tinha
sede nos EUA. E a tal empresa não tinha relação nenhuma com a eleição (que,
diga-se de passagem, é totalmente descentralizada e coordenada pelos estados).
A única verdade ali era o fato da empresa existir, de resto, tudo fora
inventado do nada. Seria como dizer que os EUA fraudaram a eleição brasileira
porque a Coca-cola é uma empresa americana.
O mais curiosos é
que essas mesmas pessoas que criam notícias do nada reclamam que a imprensa
manipula as notícias.
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