A Ilha, filme de 2004, de Michael Bay, tem uma ótima
premissa e tinha tudo para ser um verdadeiro clássico do cinema. No entanto, o
roterio perde-se na tentativa desesperada de transformar uma distopia num filme
de ação.
O grande problema é que o grande segredo do filme acaba se
revelando cedo demais e sem impacto nenhum com o objetivo de partir logo para a
ação desenfreada. A reviravolta é tão banal que todo mundo, mesmo aqueles que
não assistiram o filme, já sabem: um grupo de pessoas é criada em um local
afastado, um dos poucos refúgios seguros depois que a Terra foi devastada por
uma doença. Todos ali sonham com o dia em que serão sorteados na loteria e
terão direito a ir para A Ilha, o último local paradisíaco que sobrou.
Ocorre que a Ilha não existe, nem a doença que exterminou a
humanidade. Tudo faz parte de um projeto médico e as pessoas que estão ali são
clones de outras, que pagaram para terem clones cujos órgãos precisariam usar
quando necessário. As pessoas sorteadas na loteria vão, na verdade, para a mesa
de cirurgia, onde seus órgãos são retirados.
Um dos clones descobre a verdade e a partir daí tentar fugir
e salvar uma amiga que foi sorteada na loteria.
Como havia uma necessidade tão grande de deixar tempo para a
ação, não há tempo para que o telespectador crie uma empatia com os personagens.
O expectador não sente, por exemplo, o medo do lado de fora (contaminado).
De resto, o filme sucinta várias discussões (não
aprofundadas) e remete a várias outras obras. O mito da caverna, de Platão, em
que pessoas vivem presas em uma caverna e tudo que vêm são sombras das coisas
verdadeiras do lado de fora, é uma referencia óbvia. Para Platão, tudo que
vemos tem a sua contraparte perfeita no mundo das idéias, da mesma forma que
todos os clones do filme têm sua contraparte no mundo verdadeiro.
A questão da clonagem também é algo que não passa nem perto
de ser aprofundado. No filme, os clones começam a desenvolver habilidades de seus
originais. Matéria recente do Fantástico mostrou que pessoas que recebem
transplantes começam a desenvolver características dos doadores, como se as
células humanas guardassem algum tipo de memória não-genética.
Há algum tempo um cientista norte-americano concentrou suas
pesquisas nas planária, um tipo de verme dos pântanos. As planárias têm
características interessantes. Por exemplo, se você cortar uma ao meio,
terá duas guzanos novas. É assim que ela se reproduz: agarrando-se a uma pedra
e puxando o rabo até que cabeça e rabo se separem (convenhamos, o sexo foi uma
descoberta bem mais divertida!). Pois bem, esse mesmo cientista descobriu que,
se ensinasse um desses bichinhos a percorrer um labirinto, depois o retalhasse
e desse de comer aos outros, os comilões aprendiam a percorrer o labirinto.
Tal experiência nos diz que talvez não fosse tão sem sentido
a idéia dos índios brasileiros, que comiam a carne dos guerreiros abatidos afim
de conseguir dele a sua coragem.
A estarrecedora conclusão de que habilidades e memórias
podem ser transmitidas pela comida me faz pensar o que estamos comendo?
Ah, mas nem pense que A Ilha faz esse tipo de discussão: os
tiros e perseguições de carro são bem mais importantes...
Sem comentários:
Enviar um comentário