Era uma família segurada. O pai, Rivaldo, fizera a primeira apólice como presente de casamento para a esposa. Se ele morresse nas núpcias, já estava tudo arranjado...
Em seguida nasceu a primeira filha, Patrícia, e Rivaldo
providenciou logo um seguro para a esposa, tendo como beneficiária a filha.
Em uma noite escura e tempestuosa, berrara pela primeira vez
Roberto, o caçula. O pai achou que era um mal agouro e fez um seguro para
Patrícia, tendo como beneficiário o irmão.
Desde então, a família pegou a febre do seguro. Carro,
bicicleta, casa, móveis, até os seios de Márcia (que, aliás, eram belíssimos)
foram segurados.
Viveram felizes por vários anos, coberto pelo manto protetor
de duas ou mais dezenas de apólices. Até aquela tarde...
Márcia fora visitar o marido no escritório e tivera de
esperar ao lado da Secretária.
- O seu Rivaldo está ocupado. A senhora espera um
instantinho... – sugeriu a Secretária.
- Só dez minutos, advertiu Márcia.
Esperou meia-hora. Só então a porta se abriu e saiu dela um
homem gordo, vestindo um terno antigo e suando bicas. Era um segurador. Márcia
conhecia-o muito bem. Vira-o várias vezes em sua casa. Mas, de tudo que tinham,
apenas um candelabro velho que ficava jogado no porão ainda não fora segurado.
Não, não podia ser. Não, a explicação era outra: o sacripanta arranjara uma
amante. E, não satisfeito, ainda fazia um seguro para a concubina... Hipócrita,
desavergonhado, fanfarrão!
Havia de se vingar!
A partir daquela tarde, a vida de Rilvado passou a ser uma
contagem regressiva. Até que aconteceu. Numa noite de chuva, o freio falhou. Os
pneus derraparam, o carro despencou num despenhadeiro e explodiu. Não sobrou
muito para ser investigado.
Márcia recebeu o seguro do marido e do carro. Estava feita!
Comprou uma casa nova – bem maior – contratou um motorista, colocou o resto do
dinheiro no banco e viveu numa boa desde então. Ou viveria, se não fosse aquela
tarde...
Se havia uma coisa que enervava completamente Patrícia, era
a matemática. Odiava fazer as lições de casa e já tinha repetido um ano na
escola por causa da dita. Naquela tarde, ela e a mãe tiveram uma briga dos
diabos. Márcia queria obrigá-la a fazer a lição de casa.
- Eu não preciso fazer a lição de casa, eu sou rica! –
gritou a garota.
- Ah, é? Pois fique sabendo que enquanto eu estiver viva,
você não toca em um tostão... aliás, pode ir esquecendo a mesada, que este mês
não tem!
Foi uma briga feia! Feia demais por sinal. Se fosse um pouco
mais esperta, Márcia teria se preocupado com a expressão maquiavélica que a
filha passou a ostentar desde então. Passava horas trancada no quarto e andava
com ares de quem pensa – o que, aqui para nós, era bastante raro naquela
família...
Por fim, aconteceu. Foi durante o banho. Um fio solto provocou
um curto circuito e eletrocutou a dona da casa. Quando finalmente desligaram a
chave, não havia sobrado muita coisa de Márcia para ser enterrado.
Estavam ricos. Patrícia com 18 anos e Roberto com 16,
sozinhos em casa, donos de seu futuro. Era a vida que qualquer jovem pediria a
Deus, mas não Patrícia. Pegara o gosto pela coisa e a lembrança de que teria de
dividir a herança com o irmão simplesmente a aterrorizava. Resolveu, então, matá-lo.
Mandou preparar um jantar especial, dispensou os empregados e armou o seu
circo.
- Jantar à luz de velas, maninha? – perguntou Roberto,
entrando na sala.
- Claro! Antes de morrer, papai fez um seguro para este
candelabro velho. Coloquei aí para ver se quebra... pedi à cozinheira para
fazer seu prato predileto... isso tudo para o meu irmãozinho predileto...
Sentaram-se.
- Vejo que temos vinho. – observou Roberto.
- É do Porto. Não faz mal mexer na adega de vez em quando,
não é? Especialmente para ocasiões especiais.
- Claro, passe a garafa.
- Não, deixe que eu o sirva...
- Está bem, mas só se você deixar que eu a sirva...
- Claro.
Serviram-se. Disfarçadamente, Patrícia despejou um pouquinho
de pó no copo. Era um veneno feito especialmente para não deixar vestígios.
Tivera um grande trabalho para conseguir...
Tilintaram os cristais, beberam de uma só vez e ficaram
sorrindo um para o outro.
Patrícia foi a primeira a falar:
- Sabe, maninho, que você é um tipo insuportável?
- Pode ter certeza de que tenho os mesmos sentimentos com
relação a você...
Patrícia cortou-o:
- Mas eu tomei providências para que isso não dure muito!
De repente uma dor aguda despontou como uma alfinetada no
peito de Patrícia. O sorriso desapareceu do rosto de Roberto. Foi substituído
por grandes rugas de dor.
- Não me diga que... – gemeu ele.
- ... você colocou... – continuou Patrícia.
- ...Veneno no vinho! – completaram juntos.
Deram um último suspiro e morreram um nos braços do outro.
Teria dado um bom dinheiro de seguro...
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