terça-feira, agosto 10, 2021

A diferença invisível: autismo em quadrinhos

 


Segundo algumas estimativas, uma em cada 100 pessoas está dentro do espectro autista. Entretanto, a maioria das pessoas tem a visão do autista como alguém que vive babando e batendo a cabeça na parede. Esse estereótipo do autismo dificulta inclusive o diagnóstico. Por outro lado, as características de pessoas do espectro, como a hiper-sensibilidade ao som, são vistas apenas como frescura pela maioria das pessoas. Esses foram os desafios enfretados pela francesa Jule Dachez relatados na história em quadrinhos A diferença invisível, com desenhos de Mademoislle Caroline e publicado no Brasil em 2017 pela Nemo.
A HQ narra o cotidiano da personagem fictícia Marguerite e sua vida repleta de rotinas: as idas diárias à panificadora para comprar sempre pão de espeita; as dificuldades com os mais diversos sons dentro da empresa, de pessoas falando ao som de sapatos de salto alto; as dificuldades de socialização a ponto do momento do intervalo ser considerado o mais cansativo de toda a jornada. Relata também sua dificuldade de enteder subetextos e sua honestidade absoluta, a ponto de dizer que a blusa de uma colega parecer ter cor de “cocô de ganso”. E as pressões, inclusive dos chefes, para que ela seja mais sociável e que use roupas “mais adequadas” – ou seja, nada de roupas largas.
Os autistas costuma ser muito sensíveis a barulhos.

A angústia da personagem é óbvia e começa a se transformar em depressão até que, em uma busca na internet, ela descobre o transtorno de espectro autista e sua forma menos conhecida, a Síndrome de Asperger.
Aí começa mais uma odisseia: encontrar alguém que entenda seus sintomas. Um psicanalista acha que pode ter relação com a mãe. O médico diz que ela não pode ser autista porque ela olha nos olhos – e autistas, segundo ele, não olham nos olhos. Uma amiga lhe diz que ela não pode ser autista porque ela consegue falar, é inteligente e não vive eternamente com meleca no nariz.
Quando finalmente a personagem encontra um local específico para diagnóstico de autistas, é uma libertação: ela percebe que todas as “manias”, como sempre falar dos mesmos assunto, eram na verdade características do espectro.
Toda essa jornada é narrada de forma muito sensível e sutil, com os desenhos simples, mas muito expressivos de Mademoiselle Caroline. O roteiro é bem arranjado para detalhar alguns aspectos do autismo e da incompreensão das pessoas sobre o fenômeno sem decair no didatismo. Em mais de um momento, ao longo do álbum, por exemplo, alguém diz à protagonista que ela não pode ser autista por olhar nos olhos das pessoas – e isso acaba se tornando um elemento de humor. O leitor ri da falta de compreensão das pessoas com o transtorno.
Aliás, o título é muito apropriado: o autismo parece muitas vezes invisível para a sociedade e até para a medicina.
O volume ainda inclui um texto final que explica o que é autismo, características e até estratégias de adaptação.
Enfim, uma leitura deliciosa e obrigatória.

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