segunda-feira, setembro 20, 2021

Os Passa vida, de Osmar Júnior e Rambolde Campos

 


Uma verdadeira preciosidade para quem gosta de música amapaense é o livro Então, foi assim?, de Ruy Godinho. Na obra o autor conta o processo de criação de algumas das principais musicais tucujus, entre elas Os passa vida, de Osmar Júnior e Rambolde Campos, em minha opinião a mais poética de todas, um belo exemplo de como usar vários recursos poéticos, em especial a personificação, em uma música.  
Para começar, ao contrário do que muitos imaginam, a música não é sobre Belém, embora tenha ficado famosa na versão da banda Sayonara.
Segundo o livro, a composição surgiu num momento de depressão do poeta Osmar Júnior, após o fim de um relacionamento. O amigo Rambolde Campos foi visitá-lo e, vendo-o daquele jeito, convidou-o para darem uma volta de carro. Iam andando à toa e Osmar Júnior apontando para as mangueiras e comentando o quanto elas eram bonitas.
Daí os versos “Quando o sol chegou, acendendo o dia, foi pra me socorrer da noite que eu vinha”. Aliás, quando foi gravada em Belém por Alcyr Araújo este mudou a letra para “Quando o sol chegou, iluminando dia”, um versão bem menos força poética e simbólica.  
Uma outra mudança ocorreu no trecho: “É que nessa cidade, as mangueiras falam sempre em ti. No passo da chuva nos passa a vida, é sempre assim”, Na gravação paraense ficou É que nessa cidade, as mangueiras falam sempre em ti. Na chuva da tarde os passa a vida, é sempre assim” para deixar a música mais com a cara de Belém. A mudança, no entanto, fez com que a composição perdesse força, pois perdeu-se a aliteração (Nos passos... passa vida) e simbologia.
Uma das partes mais lindas da letra, no entanto, foi preservada integralmente: “Mandei a saudade te buscar pra perto de mim”.
Para que não conhece, a personificação é uma figura de linguagem na qual se atribui características humanas a objetos, coisas. É o uso dessa figura que faz Os passa vida ser tão bonita. É o sol que acende o dia e tira o poeta da depressão da noite, são as mangueiras da cidade que falam da amada, é a saudade que vai buscar a amada de volta para o poeta.
Abaixo a letra completa:

Quando o sol chegou acendendo o dia.
Foi pra me socorrer da noite que eu vinha.
É que nessa cidade tudo ficou entre nós dois.
Uma noite em claro, e o claro da noite vem depois.
o que aperta o peito é o tempo é o cheiro, O amor é assim.
Eu quis você pra mim.
Eu quis você pra mim.
É que nessa cidade as mangueiras falam sempre em ti.
No passo da chuva, nos passa a vida, é sempre assim
Eu te procurei, te achei em minha solidão.
Ai minha solidão!
Oh minha solidão!
Peguei pra cantar na beira do rio.
Meu coração, mandei a saudade te buscar pra perto de mim
Eu me debrucei por sobre o meu verso
E o violão, um beijo no tempo segurei e guardei pra você, aqui.

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