Em A queda de Murdock, o gancho é o fato de Karen Page vender a identidade do Demolidor. |
Na tira de aventura o roteirista deve resolver o gancho e criar outro gancho. |
Neil Gaiman usou ganchos mais complexos em Sandman |
Em A queda de Murdock, o gancho é o fato de Karen Page vender a identidade do Demolidor. |
Na tira de aventura o roteirista deve resolver o gancho e criar outro gancho. |
Neil Gaiman usou ganchos mais complexos em Sandman |
Embora pareçam personagens muito diferentes, Super-homem e He-man têm muito em comum. Ambos não usam máscaras, mas escondem suas identidades secretas ao adotarem um comportamento extremamente desastrado.
A semelhança entre eles foi explorada por Paul Kupperberg (roteiro) e Curt Swan (desenhos) na edição especial DC Comics Presents 47, publicada em 1982.
A trama explora isso ao mostrar cada um dos personagens em seus mundos: Clark Kent cai num cabo ao andar no estúdio de TV e o príncipe Adam coloca em desespero mentor ao não seguir as orientações para os exercícios.
Roteirismo: O Super precisa ir para Eternia, vamos mandá-lo para lá então. |
É quando esqueleto tenta entrar no castelo de Grayskull e acaba abrindo um portal que leva o homem de aço para eternia. Dificilmente poderíamos achar um exemplo melhor de roteirismo: o Super-homem vai para eternia porque o roteirista precisava que isso acontecesse. A explicação para isso é pífia e forçada.
Inicialmente os heróis se unem... |
Além disso, logo que chega em Etérnia, o herói enfrenta o esqueleto e chama o vilão pelo nome, sem que qualquer outra pessoa tivesse pronunciado o nome do personagem. O roteirista provavelmente esqueceu que era necessário em algum momento apresentar o vilão para o homem de aço.
Tudo na trama é igualmente forçado e simplista, mas ainda assim a edição vale muito a pena por ser reflexo de uma época em que os quadrinhos eram mais ingênuos.
Enfeitiçado, o Super ataca He-man, mas depois consegue facilmente se livrar do feitiço. |
A edição brasileira, recentemente lançada pela Panini, traz a capa original de Ross Andru. Andru era um cara que sabia criar cenas de impacto e equilibrar os elementos do desenho, o que sem dúvida acontece nessa belíssima capa.
Valor: 25 reais (frete incluso)
Pedidos: profivancarlo@gmail.com
Keith Giffen, J. M. De Matteis e Kevin Maguire ficaram famosos por sua versão humorística da Liga da Justiça – conhecida entre nós como Liguinha.
Em 2005 essa turma foi contratada pela Marvel para fazer sua versão do grupo mais disfuncional da editora: os Defensores. Se o estilo humorístico do trio funcionava na Liga, funciona melhor ainda aqui, pois quem realmente levaria a sério um grupo formado pelo Dr. Estranho, Namor, Hulk e Surfista Prateado?
Maguire é um especialista em expressões faciais. |
Na história, Dormammu se uniu a sua irmã Umar com o objetivo de conquistar e reformular nossa dimensão – e aparentemente só os Defensores podem lidar com esse problema místico.
A história já começa fora da curva, quando Pesadelo encorpora em Wong para dar o aviso da invasão – e aqui temos diversos closes e muitos, muitos diálogos afinadíssimos, com destaque para o talento incrível de Maguire para expressões faciais. A forma grandiloquente com que o mestre das artes místicas fala é objeto de muitas piadas, assim como sua relação com Wong de criado e amo, que na década de 1960 era normal e hoje parece estranha. “Vamos por você num espelho. Quanto antes remover você de Wong melhor”; “Wong. Este é o nome ou sobrenome dele? Você não sabe... né?”; “O espelho”.
O Surfista Prateado tenta se enturmar com... surfistas. |
Uma das grandes sacadas da minissérie diz respeito ao Surfista Prateado. Afinal, até então ninguém tinha tido a ideia de fazê-lo se enturmar com surfistas, o que parece óbvio. Só que surfistas não são conhecidos pela eloquência, ao contrário do herói prateado, o que gera momentos memoráveis. À certa altura, por exemplo, ele diz: “O que é a felicidade? Será apenas a satisfação de nossas necessidades animais... ou algo mais profundo? Algo intangível... que mobiliza nossas almas?”. “Você devia falar com uma das minas. Elas se ligam nessa de poesa e tal”. “Se está se referindo às mulheres, sim, eu falarei com uma delas... e talvez possamos penetrar no grande mistério”, ao que uma das garotas responde: “Então... tipo... tá afim de ficar comigo?”.
Umar resolve tomar o Hulk como seu amante. |
Umar, a irmã arrogante e hiper-sexualizada de Dormammu, é a grande atração da série – e provavelmente ela nunca foi tão bem representada, inclusive em termos de desenho. Aliás, a sequência dela com o Hulk (ela resolve pegar o gigante esmeralda como amante) é uma das mais memoráveis de todos os tempos.
Mas para além das boas sacadas, das piadas, dos diálogos afinados, Indefensáveis é uma grande história em quadrinhos que sabe ser humorística nos momentos certos e tensa nos momentos certos. Chega num ponto que se transforma numa grande história em quadrinhos, com um perigo realmente impressionante.
Para além das piadas, a série mostra uma história com uma ameaça real. |
Lançada em cinco partes nos EUA, essa série foi reunida aqui pela salvat no volume 23 da série Os heróis mais poderosos da Marvel.
O Recruta Zero (Beetle Bailey) surgiu nas tiras dos quadrinhos em 1950, criado por Mort Walker. No começo o personagem era um universitário, mas a tira só começou a fazer sucesso mesmo em 1951, quando o criador resolveu que o protagonista deveria se alistar no exército para aproveitar a onda de nacionalista provocada pela guerra da Coreia. A mudança agradou: mais de 100 jornais americanos compraram a tira e ela passou a ser publicada no mundo todo. No Brasil o personagem chegou a ser chamado de Recruta 23 e Zé - o soldado raso, mas acabou conhecido como Recruta Zero, nome adotado pela editora RGE, que publicou o personagem com grande sucesso até a década de 80.
Zero é um preguiçoso, praticamente impossível de ser acordado quando finalmente dorme. Ele é atormentado pelo sargento tainha, que constantemente aparece nas histórias pulando sobre o recruta na tentativa de acordá-lo.
A série tinha uma incrível galeria de personagens secundários, entre eles o soldado Platão, caracterizado pela inteligência e erudição e o seu oposto, o Dentinho, caracterizado pela burrice. Ou o general Dureza, um inepto que prioriza até o golfe à administração do quartel e é constantemente tiranizado por sua esposa Martha.
Embora a tira fizesse muito sucesso, ela também acabou sendo alvo da fúria dos oficiais norte-americanos que a consideravam uma afronta à ordem militar.
Com tal popularidade, não é de se admirar que o recruta ganhasse um desenho animado produzido pela King Features Syndicate entre 1963 e 1964. Foram cinquenta episódios e cinco pilotos. No Brasil esse desenho foi exibido pelo SBT.
Philip K. Dick é um dos mais importantes e disruptivos autores de ficção científica de todos os tempos. Seus textos transgressores colocavam em dúvida a nossa noção de realidade e até as verdades mais arraigadas. Eram textos perturbadores.
A série Eletric Dreams, disponível no Brasil pela Amazon Video adapta dez contos do autor em episódios que vão do brilhante ao confuso, mas na média respeitam a obra do grande autor norte-americano, sendo igualmente perturbadores.
Abaixo relaciono os episódios, do melhor ao pior.
Real Life
Na história, uma policial do futuro se sente culpada pela morte dos colegas. Por sugestão da esposa, ela embarca numa viagem virtual que deveriam ser de férias. Nessa nova realidade, ela é o presidente de uma empresa de realidade virtual que perdeu a esposa recentemente. A situação se complica quando a protagonista (ou o protagonista) não consegue mais identificar qual realidade é falsa e qual é verdadeira. Da mesma forma, o próprio expectador não consegue fazer essa distinção. É o episódio que melhor lida com os temas mais caros a Philip K. Dick.
Human is
Uma cientista vive uma relação abusiva com o marido, que parte em uma missão espacial para um planeta distante, onde deve conseguir uma substância essencial para a sobrevivência da humanidade, já que o ar se tornou rafefeito. Mas o planeta é defendido por agressivos seres extraterrestres. Quando volta, no entanto, ele parece diferente, surpreendentemente afetuoso. É o episódio que melhor discute a questão da humanidade, também presente na obra de Dick. Uma curiosidade é que, embora a Amazon não tenha traduzido, o título em português seria muito mais interessante por sua dupla interpretação: “Ser humano”.
Kill all others
O episódio se passa num futuro em que todos os aparelhos da casa são acionados por comando de voz (o que parecia ficção científica, hoje, surpreendentemente, é realidade) e anúncios holográficos são invasivos a ponto de aparecer para as pessoas até mesmo no banheiro. Philbert Noyce é um operário dividido entre uma rotina tediosa e a esposa, que parece estar apaixonada por um anúncio. Só essa premissa já tornaria o episódio interessante. Mas a trama se torna ainda mais pulgente quando Noyce assiste à entrevista da única candidata à presidência e fica estarrecido quando ela diz: “Mate todos os outros”. Surpreendentemente, ninguém mais parece se preocupar com essa fala, nem mesmo jornalistas ou colegas de trabalho. Teria ele ouvido mesmo a frase? O episódio se destaca tanto por abordar temas caros a Philip K. Dick como por refletir sobre como a comunicação digital pode contribuir para uma distopia.
The Hood Maker
Num futuro incerto, mutantes telepatas são a principal forma de comunicação a longa distância. Mas surge um movimento de resistência, que considera os telepatas uma forma de invasão à privacidade. Soma-se a isso um enorme preconceito contra telepatas, facilmente reconhecíveis por uma marcar no rosto.
The Commuter
Mais um episódio que lida com a noção de realidade. Na história, um pacato funcionário de uma estação ferroviária vive um drama: seu filho sofre de problemas psiquiátricos e tem surtos de violência. Em meio à rotina e à tragédia, ele conhece uma mulher que quer comprar uma passagem para um local que não existe. Seguindo as pistas, descobre que é possível descer do trem em uma estação inexistente e, uma vez ali, realizar seus maiores desejos. O grande problema é que para ter essa vida de sonhos, ele precisará sacrificar alguém próximo. É um episódio muito bem dirigido e comovente.
Safe And Sound
Mais uma história de Dick que lida com a vigilância como forma de controle social. Na história, vários atentados fizeram com que se criasse um estado policial em que estudantes são monitorados o tempo todo por pulseiras. Uma garota chega com sua mãe vinda de uma comunidade sem tecnologia de vigilância, que ainda resiste. Os problemas começam quando a garota tenta se encaixar nesse mundo tecnológico, comprando uma pulseira de vigilância (ela traz também diversos aplicativos, inclusive usados na escola, como forma de manter o interesse dos jovens) e a voz de um técnico de suporte a convence de que seus colegas estão envolvidos num plano de terrorismo. Além do tema de vigilância do cidadão, mais um aspecto caro à obra de Dick: à certa altura ela não sabe se a voz em seu ouvido é real ou não.
Impossible Planet
Num futuro distante, a Terra está extinta. Uma mulher aparece numa estação espacial de turismo pedindo para ser levada à Terra e oferece uma fortuna em troca. Os dois resolvem enganá-la levando-a outro planeta. Mas a situação se torna estranha quando um dos tripulantes descobre que é muito parecido com a avô da velhinha. À certa altura ele, a senhora e até o expectador passam a se questionar se eles não estão indo de fato para a Terra.
Father Thing
Father Thing é uma história estranha vinda da lavra de Philip K. Dick, mas seria uma história perfeita de Stepeh King por misturar drama pessoal com terror. Um garoto cujos pais estão se separando começa a desconfiar que seu pai foi substituído por um alienígena. Pesquisando em fóruns na internet, ele começa a desconfiar que várias pessoas no mundo todo foram substituídas. Repleto de metáforas, com uma trama na qual crianças descobrem algo que os adultos nem desconfiam, Father Thing e uma narrativa frenética, e um bom episódio.
Autofac
Num futuro distópico, os recursos naturais se exauriram. O problema é ainda mais agravado por uma fábrica, que continua produzindo produtos inúteis e consumindo todos os recursos naturais disponíveis. Resta a um grupo de rebeldes tentar destruir o local. É uma premissa interessante, com uma crítica ao consumismo desenfreado, mas é também um episódio fraco, que poderia desenvolver muito melhor as questões envolvidas.
Crazy Diamond
De longe o episódio mais confuso de toda a série. Num futuro cuja data não é revelada, a terra está sendo desgastada pela erosão, fazendo com que casas caiam no mar. Híbridos de humanos com porcos são comuns e vivem em meios aos humanos. O protagonista é um engenheiro que produz consciências para os híbridos e as rouba a pedido de um híbrida. Há uma questão não explicada a respeito de plantas cultivadas dentro das casas. Parece confuso? Tente assistir. Provavelmente ficará ainda mais confuso. É o tipo de história em que o roteirista parecia ter muita informação em mãos, mas não sabia o que fazer com elas.
Um rapaz chega para seu primeiro dia na universidade, mas se espanta ao perceber que todo mundo parece conhecê-lo. Depois de várias recepções calorosas, ele encontra alguém que desconfia do que está acontecendo e sugere que ele tem um irmão gêmeo. Quando finalmente os dois se conhecem, isso se torna matéria de jornal, o que leva à descoberta de um terceiro gênio.
Se isso fosse um roteiro de cinema, a maioria
das pessoas acusaria o roteirista de falta de verossimilhança. Mas Três
estranhos indênticos, filme de Tim Wardle, é baseado em uma história real. Na verdade,
é um docudrama, uma mistura de documentário e encenação.
O encontro dos trigêmeos de fato aconteceu no
início da década de 1980 e o docudrama acompanha toda a trajetória a partir da
descoberta: a transformação dos três em astros da mídia, a relação entre os três,
os relacionamentos.
O filme poderia ser dividido em dois lados,
como um disco antigo.
O lado A, a primeira parte, é empolgante. Os encontros
entre os irmãos, a amizade apaixonada entre eles, as curtições (os três
chegaram a alugar uma apartamento em Nova York), tudo é narrado em ritmo rápido
e divertido, incluindo aí a trilha sonora.
O lado B é a busca sobre o que realmente
teria acontecido. Por que três gêmeos foram separados e entregues para famílias
diferentes? A resposta a essa pergunta dá origem a uma parte densa, que se
aproxima de um filme de terror ou suspense. Essa parte também é acompanha da
separação entre os três. Nesse ponto, até a trilha sonora muda.
Para o expectador, fica uma sensação de
insegurança. Quando achamos que finalmente entendemos o que está acontecendo,
surge um novo fato que nos surpreende e assim por diante, até o final da película.
Empolgante, instigante, surpreendente, Três estranhos
idênticos é aquele tipo de filme que te prende na poltrona.
Em tempo: os docudramas estão se tornando meu
gênero preferido. E, dos que assisti, esse é provavelmente o melhor.