domingo, junho 30, 2024

Roteiro de quadrinhos: os ganchos

 

Em A queda de Murdock, o gancho é o fato de Karen Page vender a identidade do Demolidor. 


Para o profano o termo pode parecer engraçado, mas quem está acostumado a mexer com quadrinhos provavelmente conhece a palavra gancho O gancho é algo que puxa a história. Na citada A Queda de Matt Murdock, o gancho é o fato de Karen Page vender a identidade do Demolidor. É isso que vai dar origem à trama.
                Nesses mais de 100 anos de quadrinhos, o gancho assumiu muitas formas. Nas tiras de aventura, por exemplo, o último quadrinho era sempre uma situação de suspense que proporcionava o gancho para a tira seguinte. Por exemplo, no começo de uma nova aventura, Flash Gordon chega a uma floresta. Os primeiros quadrinhos são usados para ambientar o leitor. Mas no último quadrinho irá aparecer uma  criatura, que irá atacar Flash. Conseguirá o nosso heróis se livrar das terríveis garras do Monstro da Floresta Tempestuosa? Essa situação será o gancho que irá puxar a história seguinte.
Na tira de aventura o roteirista deve resolver o gancho e criar outro gancho. 

                A vida de um roteirista de tiras de aventura não deve ser nada fácil. Em 3 quadrinhos (no máximo 5) ele deve fazer três coisas: 1 recapitular o gancho da tira anterior (Flash está sendo atacado pelo monstro da Floresta Tempestuosa);  2  solucionar o gancho (Flash pega sua arma e atira. O monstro cai no chão, entre convulsões); 3 criar um novo gancho (Enquanto isso, um grupo de caçadores observa os terráqueos. "Hum... o rei gostaria de ter esses especimes em seu zoológico", pensa o chefe dos caçadores).
                O surgimento dos gibis deixou o gancho para o início e o fim das revistas. Como expliquei anteriormente, tudo que ocasiona uma história pode ser considerado um gancho. Mas com Stan Lee surgiram coisas do tipo: "Thor está preso sob os escombros e vai ser atacado pelo Monstro da Dimensão Soturna. Conseguirá ele alcançar o seu Mjorn?". E lá tínhamos motivo para mais uma revista...
                Depois começaram a surgir ganchos mais refinados. A história parava no meio, em geral em plena ação, e acompanhávamos um acontecimento aparentemente sem importância, que acabava tendo grande importância mais à frente. Chris Claremont costumava fazer isso nos X-Men.
Neil Gaiman usou ganchos mais complexos em Sandman

                Outros autores são ainda mais refinados. Neil Gaiman é um deles. No primeiro número de Sadman vemos que o Senhor dos Sonhos  ficou preso durante anos e que, enquanto isso, seus objetos de poder foram espalhados pelo mundo. Sabemos, então, que a primeira saga mostrará o Senhor dos Sonhos tentando recuperar seus objetos.
                Esse tipo de gancho específico, além de ser um recurso muito interessante, é também uma delícia para o escritor. Ele serve para que tenhamos em mente os passos que vamos seguir e nos livrar de maiores preocupações, ao menos enquanto durar a saga.
                Mas Gaiman trabalha com um outro tipo de gancho, esse mais complexo. São pequenos detalhes no meio da história que, depois, vão puxar outra história ou até uma saga. Assim, vemos no capítulo 4 de Sandman que o Mestre dos Sonhos encontra uma mulher no inferno e nos perguntamos quem é ela e em que situação os dois se conheceram. No mesmo número vemos Lúcifer sendo humilhado e prometendo vingança, o que vai dar origem à série Estação das Brumas. Esse tipo de gancho é complexo porque você deve ter uma boa noção do todo. Em entrevistas, Gaiman diz que planejou, desde o começo, toda a história de Sandman, do primeiro ao último número.
                Quando um gancho não é resolvido, costuma-se dizer que o escritor deixou uma ponta solta. Pontas soltas são características de maus escritores.
Um último comentário sobre os ganchos é que eles são fundamentais nas histórias policiais. Eles são as pistas deixadas ao leitor. Um bom escritor implanta uma dezena de pistas na história, mas o faz tão disfarçadamente que o leitor, coitado, nem nota...

Superman e os mestres do universo

 


Embora pareçam personagens muito diferentes, Super-homem e He-man têm muito em comum. Ambos não usam máscaras, mas escondem suas identidades secretas ao adotarem um comportamento extremamente desastrado.

A semelhança entre eles foi explorada por Paul Kupperberg (roteiro) e Curt Swan (desenhos) na edição especial DC Comics Presents 47, publicada em 1982.

A trama explora isso ao mostrar cada um dos personagens em seus mundos: Clark Kent cai num cabo ao andar no estúdio de TV e o príncipe Adam coloca em desespero mentor ao não seguir as orientações para os exercícios.

Roteirismo: O Super precisa ir para Eternia, vamos mandá-lo para lá então. 



É quando esqueleto tenta entrar no castelo de Grayskull e acaba abrindo um portal que leva o homem de aço para eternia. Dificilmente poderíamos achar um exemplo melhor de roteirismo: o Super-homem vai para eternia porque o roteirista precisava que isso acontecesse. A explicação para isso é pífia e forçada.

Inicialmente os heróis se unem...



Além disso, logo que chega em Etérnia, o herói enfrenta o esqueleto e chama o vilão pelo nome, sem que qualquer outra pessoa tivesse pronunciado o nome do personagem. O roteirista provavelmente esqueceu que era necessário em algum momento apresentar o vilão para o homem de aço.

Tudo na trama é igualmente forçado e simplista, mas ainda assim a edição vale muito a pena por ser reflexo de uma época em que os quadrinhos eram mais ingênuos.

Enfeitiçado, o Super ataca He-man, mas depois consegue facilmente se livrar do feitiço. 



A edição brasileira, recentemente lançada pela Panini, traz a capa original de Ross Andru. Andru era um cara que sabia criar cenas de impacto e equilibrar os elementos do desenho, o que sem dúvida acontece nessa belíssima capa.

Livro Jornalismo em Quadrinhos

 

Em Jornalismo em Quadrinhos, Gian Danton não apenas traça um histórico dessa área, mas também analisa as principais obras publicadas no Brasil e no mundo. Além do conteúdo servir como uma generosa introdução ao tema, o autor ainda traz os bastidores de diversas produções de Jornalismo em Quadrinhos feitas por ele mesmo.

Valor: 25 reais (frete incluso)

Pedidos: profivancarlo@gmail.com 

Defensores – Indefensáveis

 


Keith Giffen, J. M. De Matteis e Kevin Maguire ficaram famosos por sua versão humorística da Liga da Justiça – conhecida entre nós como Liguinha.

Em 2005 essa turma foi contratada pela Marvel para fazer sua versão do grupo mais disfuncional da editora: os Defensores. Se o estilo humorístico do trio funcionava na Liga, funciona melhor ainda aqui, pois quem realmente levaria a sério um grupo formado pelo Dr. Estranho, Namor, Hulk e Surfista Prateado?

Maguire é um especialista em expressões faciais. 


Na história, Dormammu se uniu a sua irmã Umar com o objetivo de conquistar e reformular nossa dimensão – e aparentemente só os Defensores podem lidar com esse problema místico.

A história já começa fora da curva, quando Pesadelo encorpora em Wong para dar o aviso da invasão – e aqui temos diversos closes e muitos, muitos diálogos afinadíssimos, com destaque para o talento incrível de Maguire para expressões faciais. A forma grandiloquente com que o mestre das artes místicas fala é objeto de muitas piadas, assim como sua relação com Wong de criado e amo, que na década de 1960 era normal e hoje parece estranha. “Vamos por você num espelho. Quanto antes remover você de Wong melhor”; “Wong. Este é o nome ou sobrenome dele? Você não sabe... né?”; “O espelho”.

O Surfista Prateado tenta se enturmar com... surfistas. 


Uma das grandes sacadas da minissérie diz respeito ao Surfista Prateado. Afinal, até então ninguém tinha tido a ideia de fazê-lo se enturmar com surfistas, o que parece óbvio. Só que surfistas não são conhecidos pela eloquência, ao contrário do herói prateado, o que gera momentos memoráveis. À certa altura, por exemplo, ele diz: “O que é a felicidade? Será apenas a satisfação de nossas necessidades animais... ou algo mais profundo? Algo intangível... que mobiliza nossas almas?”. “Você devia falar com uma das minas. Elas se ligam nessa de poesa e tal”. “Se está se referindo às mulheres, sim, eu falarei com uma delas... e talvez possamos penetrar no grande mistério”, ao que uma das garotas responde: “Então... tipo... tá afim de ficar comigo?”.

Umar resolve tomar o Hulk como seu amante. 


Umar, a irmã arrogante e hiper-sexualizada de Dormammu, é a grande atração da série – e provavelmente ela nunca foi tão bem representada, inclusive em termos de desenho. Aliás, a sequência dela com o Hulk (ela resolve pegar o gigante esmeralda como amante) é uma das mais memoráveis de todos os tempos.

Mas para além das boas sacadas, das piadas, dos diálogos afinados, Indefensáveis é uma grande história em quadrinhos que sabe ser humorística nos momentos certos e tensa nos momentos certos. Chega num ponto que se transforma numa grande história em quadrinhos, com um perigo realmente impressionante.

Para além das piadas, a série mostra uma história com uma ameaça real. 


Lançada em cinco partes nos EUA, essa série foi reunida aqui pela salvat no volume 23 da série Os heróis mais poderosos da Marvel.

Fundo do baú - Recruta zero

 


O Recruta Zero (Beetle Bailey) surgiu nas tiras dos quadrinhos em 1950, criado por Mort Walker. No começo o personagem era um universitário, mas a tira só começou a fazer sucesso mesmo em 1951, quando o criador resolveu que o protagonista deveria se alistar no exército para aproveitar a onda de nacionalista provocada pela guerra da Coreia. A mudança agradou: mais de 100 jornais americanos compraram a tira e ela passou a ser publicada no mundo todo. No Brasil o personagem chegou a ser chamado de Recruta 23 e Zé - o soldado raso, mas acabou conhecido como Recruta Zero, nome adotado pela editora RGE, que publicou o personagem com grande sucesso até a década de 80.

Zero é um preguiçoso, praticamente impossível de ser acordado quando finalmente dorme. Ele é atormentado pelo sargento tainha, que constantemente aparece nas histórias pulando sobre o recruta na tentativa de acordá-lo.

A série tinha uma incrível galeria de personagens secundários, entre eles o soldado Platão, caracterizado pela inteligência e erudição e o seu oposto, o Dentinho, caracterizado pela burrice. Ou o general Dureza, um inepto que prioriza até o golfe à administração do quartel e é constantemente tiranizado por sua esposa Martha.

Embora a tira fizesse muito sucesso, ela também acabou sendo alvo da fúria dos oficiais norte-americanos que a consideravam uma afronta à ordem militar.

Com tal popularidade, não é de se admirar que o recruta ganhasse um desenho animado produzido pela King Features Syndicate entre 1963 e 1964. Foram cinquenta episódios e cinco pilotos. No Brasil esse desenho foi exibido pelo SBT.

Eletric Dreams

 


Philip K. Dick é um dos mais importantes e disruptivos autores de ficção científica de todos os tempos. Seus textos transgressores colocavam em dúvida a nossa noção de realidade e até as verdades mais arraigadas. Eram textos perturbadores.

A série Eletric Dreams, disponível no Brasil pela Amazon Video adapta dez contos do autor em episódios que vão do brilhante ao confuso, mas na média respeitam a obra do grande autor norte-americano, sendo igualmente perturbadores.

Abaixo relaciono os episódios, do melhor ao pior.



Real Life

Na história, uma policial do futuro se sente culpada pela morte dos colegas. Por sugestão da esposa, ela embarca numa viagem virtual que deveriam ser de férias. Nessa nova realidade, ela é o presidente de uma empresa de realidade virtual que perdeu a esposa recentemente. A situação se complica quando a protagonista (ou o protagonista) não consegue mais identificar qual realidade é falsa e qual é verdadeira. Da mesma forma, o próprio expectador não consegue fazer essa distinção. É o episódio que melhor lida com os temas mais caros a Philip K. Dick.



Human is

Uma cientista vive uma relação abusiva com o marido, que parte em uma missão espacial para um planeta distante, onde deve conseguir uma substância essencial para a sobrevivência da humanidade, já que o ar se tornou rafefeito. Mas o planeta é defendido por agressivos seres extraterrestres. Quando volta, no entanto, ele parece diferente, surpreendentemente afetuoso. É o episódio que melhor discute a questão da humanidade, também presente na obra de Dick. Uma curiosidade é que, embora a Amazon não tenha traduzido, o título em português seria muito mais interessante por sua dupla interpretação: “Ser humano”.



Kill all others

O episódio se passa num futuro em que todos os aparelhos da casa são acionados por comando de voz (o que parecia ficção científica, hoje, surpreendentemente, é realidade) e anúncios holográficos são invasivos a ponto de aparecer para as pessoas até mesmo no banheiro. Philbert Noyce é um operário dividido entre uma rotina tediosa e a esposa, que parece estar apaixonada por um anúncio. Só essa premissa já tornaria o episódio interessante. Mas a trama se torna ainda mais pulgente quando Noyce assiste à entrevista da única candidata à presidência e fica estarrecido quando ela diz: “Mate todos os outros”. Surpreendentemente, ninguém mais parece se preocupar com essa fala, nem mesmo jornalistas ou colegas de trabalho. Teria ele ouvido mesmo a frase? O episódio se destaca tanto por abordar temas caros a Philip K. Dick como por refletir sobre como a comunicação digital pode contribuir para uma distopia.



The Hood Maker

Num futuro incerto, mutantes telepatas são a principal forma de comunicação a longa distância. Mas surge um movimento de resistência, que considera os telepatas uma forma de invasão à privacidade. Soma-se a isso um enorme preconceito contra telepatas, facilmente reconhecíveis por uma marcar no rosto.



The Commuter

Mais um episódio que lida com a noção de realidade. Na história, um pacato funcionário de uma estação ferroviária vive um drama: seu filho sofre de problemas psiquiátricos e tem surtos de violência. Em meio à rotina e à tragédia, ele conhece uma mulher que quer comprar uma passagem para um local que não existe. Seguindo as pistas, descobre que é possível descer do trem em uma estação inexistente e, uma vez ali, realizar seus maiores desejos. O grande problema é que para ter essa vida de sonhos, ele precisará sacrificar alguém próximo. É um episódio muito bem dirigido e comovente.




Safe And Sound

Mais uma história de Dick que lida com a vigilância como forma de controle social. Na história, vários atentados fizeram com que se criasse um estado policial em que estudantes são monitorados o tempo todo por pulseiras. Uma garota chega com sua mãe vinda de uma comunidade sem tecnologia de vigilância, que ainda resiste. Os problemas começam quando a garota tenta se encaixar nesse mundo tecnológico, comprando uma pulseira de vigilância (ela traz também diversos aplicativos, inclusive usados na escola, como forma de manter o interesse dos jovens) e a voz de um técnico de suporte a convence de que seus colegas estão envolvidos num plano de terrorismo. Além do tema de vigilância do cidadão, mais um aspecto caro à obra de Dick: à certa altura ela não sabe se a voz em seu ouvido é real ou não.



Impossible Planet

Num futuro distante, a Terra está extinta. Uma mulher aparece numa estação espacial de turismo pedindo para ser levada à Terra e oferece uma fortuna em troca. Os dois resolvem enganá-la levando-a outro planeta. Mas a situação se torna estranha quando um dos tripulantes descobre que é muito parecido com a avô da velhinha. À certa altura ele, a senhora e até o expectador passam a se questionar se eles não estão indo de fato para a Terra.



Father Thing

Father Thing é uma história estranha vinda da lavra de Philip K. Dick, mas seria uma história perfeita de Stepeh King por misturar drama pessoal com terror. Um garoto cujos pais estão se separando começa a desconfiar que seu pai foi substituído por um alienígena. Pesquisando em fóruns na internet, ele começa a desconfiar que várias pessoas no mundo todo foram substituídas.  Repleto de metáforas, com uma trama na qual crianças descobrem algo que os adultos nem desconfiam, Father Thing e uma narrativa frenética, e um bom episódio.



Autofac

Num futuro distópico, os recursos naturais se exauriram. O problema é ainda mais agravado por uma fábrica, que continua produzindo produtos inúteis e consumindo todos os recursos naturais disponíveis. Resta a um grupo de rebeldes tentar destruir o local. É uma premissa interessante, com uma crítica ao consumismo desenfreado, mas é também um episódio fraco, que poderia desenvolver muito melhor as questões envolvidas.



Crazy Diamond

De longe o episódio mais confuso de toda a série. Num futuro cuja data não é revelada, a terra está sendo desgastada pela erosão, fazendo com que casas caiam no mar. Híbridos de humanos com porcos são comuns e vivem em meios aos humanos. O protagonista é um engenheiro que produz consciências para os híbridos e as rouba a pedido de um híbrida. Há uma questão não explicada a respeito de plantas cultivadas dentro das casas. Parece confuso? Tente assistir. Provavelmente ficará ainda mais confuso. É o tipo de história em que o roteirista parecia ter muita informação em mãos, mas não sabia o que fazer com elas.

As vinhas da Ira

 


Em 1936, John Steinbeck foi contratado pelo San Francisco News para fazer uma reportagem sobre os migrantes okies na Califórnia (a reportagem, um clássico do jornalismo americano, chamou-se “Morte na poeira”). Ele viu muita miséria, pessoas morrendo de fome, famílias inteiras arruinadas. E percebeu que, além da matéria, poderia também escrever um livro, uma mistura de romance e reportagem que antecipou em muitos anos o new jornalismo. O resultado foi As vinhas da Ira, publicado em 1939.
O livro conta a história de uma família de Oklahoma, os Joad, expulsa de suas terras pelos bancos. Da mesma forma, milhares de outras famílias eram expulsas de suas terras. Para os bancos, um homem com um trator poderia fazer o trabalho com dezenas de homens. Essas pessoas, desalojadas e totalmente sem perspectiva, resolvem ir para a Califórnia, para trabalhar na colheita de frutas. Um folheto, espalhado pela região promete trabalho para todos e bons salários. Mas é uma armadilha: a ideia dos fazendeiros é fazer uma verdadeira multidão se mudar para o local e, como o excesso de mão de obra, pagar o mínimo possível.
A obra é uma mistura de capítulos jornalísticos com ficcionais, que contam a jornada dos Joads (a viagem ocupa metade do livro) e sua tentativa de manter a dignidade no meio da fome, das péssimas condições de vida.
A narrativa é seca, mas detalhada, minunciosa, como o olhar de um jornalista experimentado, a exemplo da sequência em que um funcionário do banco avisa o chefe de uma família que eles serão despejados: “As mulheres dos arrendatários também chegavam às portas das cabanas, e com os filhos pequenos atrás delas, crianças de cabelo cor de milho, olhos dilatados, um pé nu sobre outro pé nu, os dedos a catar poeira”.
Se na maioria das vezes é seco, o livro tem momentos de candura, como quando a família para num posto de gasolina de beira de estrada e a atendente, compadecida, vende um doce para as crianças por um preço muito inferior ao normal. E até momentos felizes, como quando a família se instala em um acampamento do governo administrado pelos próprios moradores.
Mas na maioria das vezes a obra é um acúmulo de tragédias, antecipadas pela morte do avô, logo na parte inicial da viagem. Sem dinheiro, enterram ele ali mesmo, na beira da estrada. Na Califórnia, intalam-se em um acampamento que é queimado pela polícia, quando no acampamento do governo, vêm os fazendeiros armarem uma briga para que os policias possam entrar no local e destruir o acampamento. E, quando começam a trabalhar, se deparam com fazendeiros que querem pagar preços justos, mas são obrigados a baixar seus salários por pressão dos sindicatos patronais. Na maioria das vezes, o trabalho, quando arranjam, é de 12 horas para toda a família e gera dinheiro o suficiente apenas para que não morram de fome.
O livro foi um sucesso absoluto ao mostrar as condições de boa parte da população americana no período pós-crise de 1929. Mas transformou-se num inferno para seu criador: Steinbeck foi chamado de comunista, investigado, ameaçado.
Aliás, o próprio livro define o que é um comunista, quando um dos trabalhadores pergunta um fazendeiro o que é um vermelho: “Um vermelho é um desses filhos da puta que exigem 30 cents a hora quando a ente só quer pagar 25”. O rapaz ficou pensando sobre a coisa e disse: “Olha, seu Hines, eu não sou nenhum filho da puta e quero 30 cents a hora. Quem é que não quer? Que diabo, seu Hines, se é assim todo mundo é vermelho”.
Surpreendentemente, o livro acabou gerando um filme de Joh Ford com Henry Fonda no papel já em 1940. É um dos melhores filmes de Ford e um dos grandes clássicos do cinema.  

X-men: Fênix Negra

 


A saga da Fênix Negra foi criada em uma época em que matar heróis não tinha se tornado uma muleta criativa. Foi uma decisão corajosa, mas necessária (já que a personagem se tornara poderosa demais) e provocou uma verdadeira comoção dos fãs. É a história mais clássica dos X-men e a que mais marcou a minha geração. Suas histórias eram publicadas em Superaventuras Marvel. Nunca uma revista foi tão esperanda quanto na fase da Fênix Negra.
Quando os X-men chegaram aos cinemas, todo fã pensou: será que vão fazer a Fênix Negra? Fizeram. Transformaram a melhor saga dos mutantes em uma sub-sub-trama de X-men 3, desperdiçando a história no meio de muita porrada. Decepção geral, em especial para os que tinham lido os quadrinhos.
Quando a série mutante foi retomada com o excelente Primeira Classe, retormaram as esperanças de vermos finalmente a saga da Fênix no cinema.
Vieram dois filmes horríveis, trocas e mais trocas de diretores e finalmente chegamos à Fênix Negra, dirigida por Simon Kinberg.
Visto como filme isolado, é um bom filme. Sofie turner está perfeita como Fênix (infinitamente melhor que a insossa Famke Beumer Janssen, que fazia o papel na trilogia original) e sua história, em especial a relação com o pai, é muito bem desenvolvida (aliás, mais interessante que a dos quadrinhos). A propósito, esse é o filme dessa nova fase que melhor conversa com o Primeira Classe. Há boas cenas (eu particularmente adorei a referência à Cristal).
O maior problema de Fênix Negra é que ele veio depois de dois filmes horríveis. Nos quadrinhos, a saga da Fênix foi preparada ao longo de pelo menos uma dezena de edições e de uma saga realmente eletrizante (a famosa história de Protheus). Quando finalmente eclodiu, a personagem era uma das mais queridas dos fãs e uma das que mais chamavam atenção.
A Marvel fez isso muito bem isso no cinema com a saga de Thanos. Ela foi construída ao longo de diversos filmes em uma trama que foi se desenvolvendo aos poucos, que acostumou o expectador aos personagens e foi num crescendo até o seu antológico momento final.
Em Fênix Negra, como não houve uma construção ao longo dos filmes anteriores, tudo acontece muito rápido. Mal vemos a Fênix e ela já vira a Fênix Negra. E como tudo tinha que ser criado, desenvolvido e resolvido num único filme, inventaram uma raça alienígena da qual a Rainha Branca faz parte.
O curioso é que Simon Kinberg, diretor e roteirista de Fênix Negra, foi roteirista dos filmes anteriores e poderia ter jogado isso lá atrás, criando a expectativa e desenvolvendo a Fênix. Mas não sabemos até que ponto os diversos diretores que assumiram a franquia interferiram no roteiro. Além disso, a cronologia dos personagens ficou ainda mais zoada que nos quadrinhos.

Três estranhos idênticos


Um rapaz chega para seu primeiro dia na universidade, mas se espanta ao perceber que todo mundo parece conhecê-lo. Depois de várias recepções calorosas, ele encontra alguém que desconfia do que está acontecendo e sugere que ele tem um irmão gêmeo. Quando finalmente os dois se conhecem, isso se torna matéria de jornal, o que leva à descoberta de um terceiro gênio.

Se isso fosse um roteiro de cinema, a maioria das pessoas acusaria o roteirista de falta de verossimilhança. Mas Três estranhos indênticos, filme de Tim Wardle, é baseado em uma história real. Na verdade, é um docudrama, uma mistura de documentário e encenação.

O encontro dos trigêmeos de fato aconteceu no início da década de 1980 e o docudrama acompanha toda a trajetória a partir da descoberta: a transformação dos três em astros da mídia, a relação entre os três, os relacionamentos.

O filme poderia ser dividido em dois lados, como um disco antigo.

O lado A, a primeira parte, é empolgante. Os encontros entre os irmãos, a amizade apaixonada entre eles, as curtições (os três chegaram a alugar uma apartamento em Nova York), tudo é narrado em ritmo rápido e divertido, incluindo aí a trilha sonora.  

O lado B é a busca sobre o que realmente teria acontecido. Por que três gêmeos foram separados e entregues para famílias diferentes? A resposta a essa pergunta dá origem a uma parte densa, que se aproxima de um filme de terror ou suspense. Essa parte também é acompanha da separação entre os três. Nesse ponto, até a trilha sonora muda.  

Para o expectador, fica uma sensação de insegurança. Quando achamos que finalmente entendemos o que está acontecendo, surge um novo fato que nos surpreende e assim por diante, até o final da película.

Empolgante, instigante, surpreendente, Três estranhos idênticos é aquele tipo de filme que te prende na poltrona.

Em tempo: os docudramas estão se tornando meu gênero preferido. E, dos que assisti, esse é provavelmente o melhor.  

sábado, junho 29, 2024

A arte incrível de Chris Wahl

 


Chris Wall é um artista australiano de quadrinhos. Ele começou sua carreira em 1992 com um quadrinho de ficção científica e fantasia chamado Oblagon .Em 1993 ele abriu a editora X-press Comics e publicou a revista Platinum, que durou apenas três edições, mas ganhou diversos prêmios.  Ele então se tornou um requisitado capista, tendo produzido capas para a MAD, Fantasma e Tank Girl, entre outros.