quarta-feira, julho 31, 2024
Distopias hipodérmicas em Literatura Lado B
O título refere-se ao fato desse tipo de literatura ter pouca visibilidade nos estudos acadêmicos. Geralmente o lado B é o que trazia as músicas menos conhecidos dos discos. Da mesma forma, são poucos os estudos sobre literatura de gênero no Brasil
SAM 4 – a primeira revista Marvel que li
No início dos anos 1980 não existia caixa eletrônico e muito menos aplicativos de bancos. A única forma de pagar uma conta era passar horas numa fila. Foi numa situação dessas que consegui ler pela primeira vez uma revista Marvel. O primeiro contato tinha acontecido anos antes, que quando vi na vitrine de uma mercearia um exemplar de uma Heróis da TV com uma capa realmente impressionante com o Motoqueiro Fantasma. Mas a primeira vez que li uma revista, foi ali, na fila do banco.
Alguém levara a superaventuras Marvel número 4 para ler e emprestara para alguém, que emprestara para o seguinte da fila e assim em diante até que chegou em mim. Eu só devolvi quando li a última página.
Passei anos procurando essa revista. Nunca encontrei em sebos.
Enfim, desisti e resolvi apelar para uma pessoa que produz fac símiles. Então, quase 40 anos depois, tive a oportunidade mágica de reler aquela revista, tentando entender como e porque ela me marcou tanto.
A capa era uma colagem, feita pelos artistas da Abril com um desenho em destaque de Luke Cage e dois boxes com o Demolidor (num estilo que não lembrava nada Frank Miller) e de Conan (num traço que lembrava remotamente John Buscema). O verdadeiro impacto estava no miolo. A revista reunia quatro histórias, uma de Luke Cage, uma do Demolidor, uma do Dr Estranho e, fechando, uma de Conan.
Luke Cage era um herói nada convencional. |
Relendo, é possível perceber o quanto a história do Herói de aluguel deve ter sido marcante. Era algo totalmente diferente de qualquer coisa que eu já tivesse lido de super-heróis. Nada de máscaras, identidade secreta, um herói que parecia muito mais um anti-herói, que vendia seus serviços e, nessa história, alugava um muquifo acima de um cinema como escritório.
Na história, cortesia de Archie Goodwin no roteiro e George Tuska na arte, o personagem enfrenta um tal de Cascavel, que teria sido o responsável pela morte da namorada do herói. A HQ mostrava também a origem do personagem e a forma como ele escolhera seu marcante uniforme, escolhendo entre os itens descartados numa loja de fantasia.
Para quem estava acostumado com os heróis certinhos, que tinham tudo nas mãos, como os Superamigos, era algo totalmente diferenciado.
A cena página de Demolidor que me marcou. |
Mas o que vinha depois era muito mais revolucionário: o Demolidor de Frank Miller, nessa época ainda com roteiro de Roger Mckenzie. Na história, o herói investiga o roubo de um carregamento de adamantium.
A diagramação de Miller era revolucionária, assim como a abordagem do Demolidor (algo que eu não sabia na época) e a cena que mais me marcou já estava lá, na segunda página. O herói está num bar, tentando tirar informações de um bandido, quando outro meliante se aproxima dele pelas costas com uma faca. Sem se virar ou mesmo tirar o olho do que está sendo interrogado, o Homem sem medo para o agressor com um soco no rosto. Eu me lembro que pensei: caramba! Esse cara é incrível! Não sabia naquela época que o personagem era incrível porque tinha um gênio por trás de suas histórias. A ambientação urbana e factível era mais uma quebra com os coloridos Superamigos, que pareciam incapazes de dar um soco num vilão.
Em seguida vinha a história do Dr. Estranho. Essa história era continuação de uma trama anterior, inciada por Archie Goodwin e Barry Smith, toda baseada na mitologia lovecraftiana. Nessa edição, o roteiro já estava a cargo de Gardner Fox e a arte de Irv Wesley.
Doutor Estranho se tornou um dos meus personagens prediletos na Marvel. |
Na HQ, o mago se envolve com uma seita secreta que tenta trazer de volta um deus adormecido. Hoje vejo que a trama tinha todos os elementos que tornariam Lovecraft famoso, numa nítida homenagem, entre eles uma cidade isolada com habitantes que são resultado de uma mistura de raças. Mas na época o que mais me marcou foi a sequência inicial: com o herói aprisonado por grilões numa mesa de concreto, uma cruz invertida com uma cobra ao seu lado e um demônio reptiliano se aproximando para matá-lo.
Eu não tinha lido a história anterior, mas apenas aquele quadro já era o suficiente para despertar minha atenção e tornar o Dr. Estranho um dos meus personagens prediletos da Marvel de todos os tempos. Aquilo não era só super-herói. Havia uma essência de terror ali, de mistérios assombrosos. Imaginem isso para alguém que estava saindo da infância (eu devia ter uns 12 anos na época) e praticamente só conhecia os Superamigos.
Quarenta anos depois eu ainda consigo me lembrar do diálogo final dessa história de Conan. |
Fechando a revista, uma história de Conan com roteiro de Roy Thomas e arte de Barry Smith na qual o cimério salva uma prostituta chamda Jenna das garras de um demônio morcego. Aqui foi a sequencia final que me marcou profundamente, a ponto de eu conseguir me lembrar do diálogo 40 anos depois. Os dois estão no deserto e Jenna sugere que Conan durma e sonhe sonhos de ouro. Quando o cimério acorda, ela fugiu com o ouro, ao que ele comenta: “Tenha sonhos de ouro, ela me disse... e eu fiquei com os sonhos... e ela com o ouro!”.
Era o fechamento perfeito de um mix perfeito que simplesmente fez pirar um garoto de 12 anos e mudou totalmente a forma como eu via os quadrinhos.
Quarenta anos depois essa edição ainda parece ter o mesmo encanto.
Psicopatas: uma mente peversa
Psicopatas são pessoas acima de qualquer suspeita. |
Doutor Estranho contra Drácula
Colocar o mago supremo em rota de colisão contra o príncipe dos vampiros e ao mesmo tempo fazer um crossover entre duas revistas Marvel. Essa foi a ideia que os roteiristas Marv Wolfman e Steve Englehart tiveram em 1976.
A história começou em The Tomb of Dracula 44 e terminou em Doctor Strange 14. Para ilustrar as duas histórias foi chamado Gene Colan, o veterano da Marvel, que, depois de passar por vários heróis da editora, se consolidara, merecidamente, como o ilustrador oficial de Drácula. Colan tinha um traço sujo e constantemente distorcia as figuras humanas, usando e abusando do escorço e de sombras – recursos que o tornavam perfeito para um título de terror.
Na trama, o assistente do Dr. Estranho, Wong, é morto pelo vampiro, o que coloca o mago em seu encalço.
Englehart e Wolfman são dois grandes roteiristas, dois dos principais nomes da era de bronze da Marvel e mostram aqui toda a sua destreza.
O texto de abertura da história escrita por Wolfman já dá o tom sombrio: “Stephen Strange está preocupado! Ele olha atentamente para a névoa cinzenta no interior da esfera brilhante e sabe seu significado! Em breve haverá uma batalha e, antes da noite terminar, o doutor estranho , o mestre das artes místicas encontrará a morte! Nem mesmo o poder contido no supremo cristal poderá salvá-lo quando à meia-noite soarem suas badaladas mortais!”.
A grande questão aí é como um vampiro poderia ser um adversário à altura de um mestre das artes místicas – e a solução encontrada é perfeita. No final da primeira parte, o doutor estranho tomba diante de Drácula.
A segunda parte, já na revista do Dr. Estranho, começa com o herói derrotado, incapaz de voltar ao seu corpo. E aqui a forma encontrada por Englehart para solucionar a situação é igualmente engenhosa.
No Brasil essas histórias foram publicadas pela primeira vez em Superaventuras Marvel 19 e 20.
Livro Como escrever quadrinhos
Homem-aranha - longe de casa
Lanterna Verde e Arqueiro Verde – Ulysses Estrela está vivo
Em
sua série sobre os dois heróis verdes da DC Comics, Denny O´Neil e Neal Adams
falaram de várias mazelas dos EUA. A
situação dos indígenas norte-americanos foi abordada no número 79 da revista.
A
história começa com um indígena sendo perseguido por dois homens que pretendem
matá-lo. Ao interferir, os heróis descobrem que os perseguidores são o
presidente do sindicato dos lenhadores e um brutamontes que se diz dono da
área. Há 100 anos, o chefe Ulysses Estrela tinha feito um acordo com
Washington, que cedia toda a madeira da região para sua tribo. O problema é que
o registro desse acordo se perdeu e agora os lenhadores querem aproveitar para
derrubar a floresta e lucrar com isso.
Neal Adams inovava nas soluções gráficas. |
A
partir desse problema, cada herói tenta resolver o caso à sua maneira. O
certinho Lanterna Verde procura os meios legais e chega a acionar um deputado
em Washington, além de procurar o último descendente de Ulysses Estrela. Já o
Arqueiro, em consonância com sua personalidade impetuosa, prefere se disfarçar
como o fantasma de Ulysses Estrelas e convencer os indígenas a lutarem.
O Lanterna salva o último descendente de Ulysses Estrela de um incêncio criminoso... |
As
divergências entre os dois termina com ambos lutando em um riacho.
O desenho de Adams está soberbo, como sempre, mas o roteiro tem problemas. Por exemplo, por que o descendente de Ulysses Estrela foi para a cidade ao invés de usar o documento para garantir os direitos da tribo?
... enquanto o Arqueiro se disfarça como o fantasma do chefe indígena. |
Além disso, no final, as
ações dos heróis não interferem em nada e tudo acaba se resolvendo de outra
maneira. Talvez essa fosse uma forma O´Neil de afirmar que no final, quem deve
resolver seus problemas são as pessoas normais, e não heróis, embora a história
não deixe isso claro.
terça-feira, julho 30, 2024
Veludo Azul
Uma cena idílica. Flores, uma cerca de madeira pintada de branco, o céu azul, crianças atravessando na faixa, bombeiros passando e acenando. Parece o retrato perfeito de uma pequena e feliz cidadezinha do interior dos Estados Unidos. Então, a câmera enquadra um homem que rega alegremente o gramado de seu quintal. Ele tem um ataque cardíaco e cai ao chão enquanto a câmera se aproxima do gramado e a música Blue Velvet, de Bobby Vinton dá lugar a um som perturbador unido a imagens de insetos se devorando.
Esse é início de Veludo Azul, filme de David Lynch, de 1986 e representa perfeitamente a proposta da obra: mostrar o que se esconde por trás da aparência de normalidade e felicidade. Mostrar a sombra de uma cidade aparentemente pacata e feliz.
Na trama, o estudante Jeffrey Beaumont volta para casa para visitar o pai internado (o homem que sofre um ataque cardíaco na cena inicial). No caminho de volta do hospital, encontra uma orelha humana num matagal. Ele a entrega para a polícia, mas insatisfeito com os rumos da investigação oficial, resolve investigar o caso por conta própria. Isso faz com que ele vá penetrando cada vez mais fundo num reino sórdido de crimes e abuso sexual.
Sua investigação o leva até uma cantora de boate, Dorothy Vallens, cujo marido e o filho foram sequestrados por um mafioso local, Jack. A cena em que Jeffrey, escondido no armário, vê Jack abusando da cantora enquanto usa drogas é uma das mais marcantes do cinema de todos os tempos.
O filmes só foi feito porque o produtor, Dino DeLaurents, prometeu que daria liberdade total a Lynch em um filme barato se ele aceitasse as mudanças feitas em Duna (o produtor retalhou a obra). Lynch aproveitou bem a liberdade. Não só fez um filme que desnudava uma América que todos queriam encobrir como fez isso usando elementos de surrealismo. O filme todo parece ora um sonho, ora um pesadelo. Do nada surgem cenas gratuitas, como o bombeiro que passa no carro acenando ao lado de um dálmata, ou quando um dos personagens pega uma lâmpada e começa a cantar, sem razão nenhuma. Essa sensação de sonho/pesadelo é ainda mais destacada pelo clima teatral da obra, inclusive do ponto de vista de posicionamento dos atores em cena.
O filme foi ignorado pelo Oscar (só teve uma indicação, de melhor diretor, que Lynch perdeu para Sydney Pollack, de Entre dois amores). Dennis Hopper, que simplesmente encarnou o papel de mafioso depravado sequer foi indicado.
Mas com o tempo se firmou um culto em torno do filme e hoje Veludo Azul é considerado hoje uma das obras mais importantes do anos 80, abrindo caminho para que Lynch revolucionasse os seriados televisivos com Twin Pinks. Houve também uma consequência inesperada: a canção Blue Velvet, interpetada pela atriz Isabella Rossellini se tornou uma das mais tocadas nas rádios.
Howard, o pato
I-ching
As mudanças constantes do universo são representadas nas figuras do Yin Yang. Yang representa a força masculina do universo, violenta, criadora. Yin é a força feminina, receptiva, flexível. Yin é a intuitiva, meditativa e complexa. Yang é racional, criativo e ativo.
Na filosofia taoista, Yin e Yang são elementos do mesmo processo. Quando um chega ao seu auge, engendra o outro. Ser sábio é combinar esses dois pólos, harmonizando Yin e Yang.
O estudo do ciclo de Yin Yang, embora seja muito influenciado pelas ideias taoistas, é comum a toda a cultura chinesa e já existia em um livro ancestral, o I-ching.
A mais antiga forma de adivinhação chinesa era a leitura de sinais nos ossos de bois, surgidos depois que eram expostos ao fogo. Daí foi criada a adivinhação em cascas de tartaruga. Na dinastia Shang, o oráculo era consultado com o uso de varetas. O sábio jogava as varetas e determinava se a linha era inteira ou cortada. Depois de jogar seis vezes, formava-se o hexagrama e era possível interpretar seu significado.
Em torno do ano 1150 a.C., o imperador Shang Chou Hsin mandou prender o governador da província de Chou, o rei Wen. Na prisão, ele elaborou os julgamentos dos hexagramas. Posteriormente, seu filho tomou o poder, tornando-se imperador e, descobrindo o trabalho do pai, resolveu ampliá-lo, escrevendo os comentários às linhas mutáveis. Posteriormente, o oráculo foi enriquecido com comentários atribuídos a Confúcio e seus discípulos.
O I-ching não é um livro de adivinhações, pois ele não prevê o futuro, mas estabelece o estado em que as coisas estão, analisando a mudança e a relação entre as forças Yin e Yang.
Por exemplo, no primeiro hexagrama, todas as linhas são inteiras. A imagem formada representa uma situação apenas de linhas fortes Yang, que significam força, criatividade e liderança, razão pela qual esse hexagrama é normalmente chamado de O criativo. O julgamento diz que as forças do céu impelem o homem e o ajudam a iniciar ou levar adiante um empreendimento. O comentário diz que “as forças da natureza favorecem tudo aquilo que se inicia”.
O hexagrama oposto, chamado de O receptivo, é formado apenas por linhas cortadas, representando Yin, a passividade, a dedicação e concórdia, a diplomacia, a perseverança e a paz. O julgamento diz que o sucesso está garantido se a pessoa que consulta o oráculo colaborar e se deixar conduzir, mantendo-se sempre flexível e disponível. O comentário diz que “Ser receptivo é muito importante, pois todos os seres lhe devem o nascimento. Como a Terra, cuja função é receber a semente que depois darão os frutos, também obterá muitos benefícios àquele que souber tolerar e compreender as pessoas e as situações”.
Tom Strong e o planeta do perigo
... para salvá-la, Tom e o genro vão para a Terra Obscura, mas o local está arrasado por uma pandemia. |