Uma cena idílica. Flores, uma cerca de madeira pintada de branco, o céu azul, crianças atravessando na faixa, bombeiros passando e acenando. Parece o retrato perfeito de uma pequena e feliz cidadezinha do interior dos Estados Unidos. Então, a câmera enquadra um homem que rega alegremente o gramado de seu quintal. Ele tem um ataque cardíaco e cai ao chão enquanto a câmera se aproxima do gramado e a música Blue Velvet, de Bobby Vinton dá lugar a um som perturbador unido a imagens de insetos se devorando.
Esse é início de Veludo Azul, filme de David Lynch, de 1986 e representa perfeitamente a proposta da obra: mostrar o que se esconde por trás da aparência de normalidade e felicidade. Mostrar a sombra de uma cidade aparentemente pacata e feliz.
Na trama, o estudante Jeffrey Beaumont volta para casa para visitar o pai internado (o homem que sofre um ataque cardíaco na cena inicial). No caminho de volta do hospital, encontra uma orelha humana num matagal. Ele a entrega para a polícia, mas insatisfeito com os rumos da investigação oficial, resolve investigar o caso por conta própria. Isso faz com que ele vá penetrando cada vez mais fundo num reino sórdido de crimes e abuso sexual.
Sua investigação o leva até uma cantora de boate, Dorothy Vallens, cujo marido e o filho foram sequestrados por um mafioso local, Jack. A cena em que Jeffrey, escondido no armário, vê Jack abusando da cantora enquanto usa drogas é uma das mais marcantes do cinema de todos os tempos.
O filmes só foi feito porque o produtor, Dino DeLaurents, prometeu que daria liberdade total a Lynch em um filme barato se ele aceitasse as mudanças feitas em Duna (o produtor retalhou a obra). Lynch aproveitou bem a liberdade. Não só fez um filme que desnudava uma América que todos queriam encobrir como fez isso usando elementos de surrealismo. O filme todo parece ora um sonho, ora um pesadelo. Do nada surgem cenas gratuitas, como o bombeiro que passa no carro acenando ao lado de um dálmata, ou quando um dos personagens pega uma lâmpada e começa a cantar, sem razão nenhuma. Essa sensação de sonho/pesadelo é ainda mais destacada pelo clima teatral da obra, inclusive do ponto de vista de posicionamento dos atores em cena.
O filme foi ignorado pelo Oscar (só teve uma indicação, de melhor diretor, que Lynch perdeu para Sydney Pollack, de Entre dois amores). Dennis Hopper, que simplesmente encarnou o papel de mafioso depravado sequer foi indicado.
Mas com o tempo se firmou um culto em torno do filme e hoje Veludo Azul é considerado hoje uma das obras mais importantes do anos 80, abrindo caminho para que Lynch revolucionasse os seriados televisivos com Twin Pinks. Houve também uma consequência inesperada: a canção Blue Velvet, interpetada pela atriz Isabella Rossellini se tornou uma das mais tocadas nas rádios.
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