No início da década de 1970 a revista do selvagem Conan estava iniciando sua escalada para se tornar uma das mais vendidas do mercado de quadrinhos norte-americanos e Roy Thomas, o roteirista, tinha um problema: ele queria uma personagem feminina, que não estivesse na cronologia do herói e que ele pudesse usar à vontade. Das personagens criadas por Robert E. Howard, Valeria era loira e Belit era morena. Thomas precisava de uma ruiva. Foi quando leu um texto num livro de ensaios sobre o gênero espada e magia que mencionava o conto A sombra do abutre, que apresentava uma personagem ruiva que seria uma boa companheira para Conan.
O roteirista foi atrás do conto original e descobriu que a história se passava no final da Idade Média, durante o cerco de Viena por parte dos turcos. A personagem era Red Sonya de Rogatino e dividia a história com um guerreiro alemão.
Thomas colocou a personagem na era hiboriana e trocou seu nome para Sonja. Surgia assim, numa história desenhada por Barry Windson Smith, uma das personagens mais queridas dos quadrinhos. Mas Roy Thomas não gostava da cota de malha e da calça collant que a personagem usara na história. Assim, quando chegou em suas mãos uma pin-up de Esteban Maroto da heroina com um biquíni de ferro, ele sabia que aquele seria o visual definitivo da heroína.
Maroto criou o visual da personagem. |
Em 2018, Roy Thomas foi convidado a participar de uma convenção de quadrinhos em Barcelona e surgiu a ideia de aproveitar o evento para o lançamento de um álbum de Sonja desenhado por ninguém menos que Esteban Maroto (com a colaboração de Santi Casas). O resultado foi o álbum A balada da deusa ruiva, publicado no Brasil em 2021 pela Pipoca e Nanquim.
A história mostra uma menestrel cantando uma balada para o rei Thallos, que conquistara um império. Thallos tem poder e riquezas inimagináveis, mas é atormentado pelo fantasma da morte e procura a fonte da juventude na qual Sonja se banhou.
Santi Casas desenha parte da história. |
Essa moldura, desenhada com muita competência por Santi Casas, serve de introdução para a origem de Conan, desenhada por Maroto. Embora seu desenho seja mais comportado do que na época que colaborava com a Warren, Maroto dá um show de narrativa com destaque para o trecho em que Sonja, após ser estuprada e quase morrer nas mãos de bandoleiros, é revivida por uma deusa – enquanto toda a HQ é preto e branco, a deusa é mostrada em vermelho – cor que Sonja passa a exibir nos cabelos após ser revivida e empreender sua vingança. Algo a se destacar é que a origem mostrada nesse álbum é muito mais crua e violenta que aquela que os leitores da Marvel conheceram lá nos anos 70.
O álbum da Pipoca e Nanquim já seria obrigatória para os fãs de Robert E. Howard só por conta da HQ, mas traz uma incrível supresa: A sombra do abutre, o conto original na qual aparece a personagem Red Sonya. Antes do resgate feito por Roy Thomas, o texto era tão obscuro que só tinha publicado uma vez, na revista Magic Carpet. E o texto é surpreendentemente bom, uma tremenda aventura com as descrições detalhadas e poderosas de Robert E. Howard.
O álbum faz um uso criativo da cor vermelha. |
A primeira vez que a heroína aparece, Howard a descreve da seguinte forma: “Ela era alta, esplendidamente bem torneada, mas ágil. Por baixo do elmo de aço, tranças rebeldes ondulavam como ouro vermelho ao sol, caindo sobre os ombros compactos. Botas altas de couro cordovês chegavam até o meio das coxas, estas cobertas por calças largas. Ela vestia uma camisa da mais fina cota de malha turca enfiada dentro das calças. Sua cintura delgada estava envolva por um cinturão de seda verda, no qual portava duas pistolas cruzadas, uma adaga, e do qual pendia um longo sabre húngaro. Um manto escarlate cobria desleixadamente todo o conjunto”.
A Sonya da literatura é, portanto, muito diferente visualmente da personagem dos quadrinhos, mas a personalidadeé muito parecida: irascível, corajosa a ponto de se mostrar temerária... e uma boca suja sem igual (característica que nos quadrinhos foi atenuada).
A história mostra a personagem ajudando o grandalhão Gottfried von Kalmbach, que, tirando o porte físico, não se parece em nada com Conan, a começar pelo longo bigode.
Os dois defendem Viena contra os turcos e mais especificamente contra o guerreiro Mkhal Oglu, que, para apavorar os inimigos usa, presa à armadura, uma asa com penas de abutre, daí o título do conto: A sombra do abutre.
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