A minissérie 1963 surge num
contexto muito específico. Em 1993, Alan Moore estava há anos sem escrever
super-heróis e brigado com as duas principais editoras do gênero, a Marvel e a
DC. Nesse período (mais especificamente em 1992), alguns dos desenhistas mais
populares da Marvel abandonaram a editora para criar a Image Comics.
Aproveitando a especulação dos fãs, que comprovam muitas vezes vários
exemplares do mesmo número esperando que os gibis valorizassem, a Image teve
vendas estrondosas, tornando-se a terceira editora norte-americana.
Nesse ano, Jim Valentino, um dos
sócios da Image, convidou Steve Bissette (antigo colaborador de Moore no
Monstro do Pântano) para desenhar um número de seu personagem ShadowHawk. Bissette
fez o convite para que Moore escrevesse o roteiro.
Só então Alan Moore resolveu ler
os gibis da Image e o que viu não o impressionou. Faltava roteiro e os
personagens eram todos violentos e anatomicamente distorcidos. Moore percebeu
que parte da culpa dos quadrinhos terem entrado nesse caminho, de heróis
violentos, cínicos ou simplesmente depressivos era de Watchmen e decidiu que
precisava fazer algo para devolver aos quadrinhos seu lado divertido. Além
disso, havia a possibilidade de colaborar com uma editora que estava pisando
nas duas principais companhias de quadrinhos.
Embora não tenha aceitado o
convite para escrever ShadowHawk, Moore propôs à editora uma missérie em seis
capítulos chamada 1963, com personagens que mimetizavam os heróis da era de
prata dos quadrinhos (deveria existir um sétimo capítulo especial, em que esses
personagens clássicos se encontravam com os heróis da Image, mas esse final se
tornou inviável quando os sócios da editora começaram a brigar entre si).
1963 era um pastiche das
histórias da Marvel do início da década de 1963, em especial as escritas por
Stan Lee e desenhadas por Jack Kirby e Steve Ditko. O nome, aliás, era uma
referência ao ano de maior criatividade dessa editora, em que vários heróis
foram criados.
Cada número da minissérie era
referência a uma ou mais publicação da Marvel. Assim, Mystery Incorporated era
o Quarteto Fantástico. Fury era uma mistura de Homem-aranha e Demolidor. Tales
to Atomish foi homenageada em Tale from Beyond (com histórias de N-man, uma
espécie de Hulk) e Johnny Beyond (referência direta ao Dr. Estranho). Tales of
Suspense deu origem a Tales of Uncanny, com USA (Ultimate Special Agent), um
pastiche do Capitão América e Hypernaut, uma espécie mais elaborada de Homem-de
ferro. Horus – lord of Light é Thor, o deus do trovão. Finalmente, Tomorrow
Syndicate é a versão 1963 dos Vingadores, unindo a maioria dos personagens
anteriores em um só gibi.
Moore 1963 imitou meticulosamente
as publicações da Marvel da década de 1963. No ano que foi publicado, 1993, as
revistas da Image e depois da Marvel e da DC se destacavam pelas capas em alta
gramatura, coloração por computador e impressão de altíssima qualidade. Moore
resgatou o papel jornal, as capas em baixa gramatura e, principalmente, a
coloração reticulada, típica da década de 1960. Além disso os títulos,
desenhados a mão, mimetizam a tipografia extravagante dos gibis da época.
Os créditos imitam o marketing
pessoal usado por Stan Lee nas revistas da Marvel. Assim, por exemplo, na
revista Mystery Incorporated, trazia o seguinte crédito: “Sensacional roteiro
pelo afável Al Moore”.
Para tornar autêntico até mesmo o
processo criativo, Alan Moore abandou o roteiro “full script à prova de
desenhista”, em que cada quadro é minunciosamente descrito, em favor do Marvel
Way, providenciando apenas um plot entregue aos desenhistas, sendo colocados
textos e diálogos posteriormente, como era feito por Stan Lee.
Outro fator relevante de
verossimilhança (e. ao mesmo tempo, ironia) eram as propagandas, que mimetizam
não só o estilo dos anúncios da Marvel da época como também o clima da guerra
fria. A revista Tales of Uncanny traz o anúncio de um pôster de monstro que tem
as feições de Stalin (o texto diz que também existe a versão Lenin). Um anúncio
publicado na revista The Fury tenta vender um submarino nuclear por apenas 6,98
dólares.
Esses anúncios falsos são
misturados com anúncios reais, de camisetas com reproduções das capas e de
lojas de quadrinhos. Um deles, da loja Moondog´s, diz: “O poderoso místico
Moondog prediz: No futuro haverá lojas
que venderão apenas gibis!”.
Alan Moore não poderia esquecer
da sessão de cartas. Na maioria das vezes, o próprio autor escrevia as cartas e
as respostas, mas algumas pessoas resolveram “entrar na brincadeira”, incluindo
o roteirista Neil Gaiman, que se faz passar por um garoto fã dos personagens
que se oferece para revisar os roteiros sempre que eles passarem na Inglaterra
e aponta erros, como uma história de Johnny Beyond que mostra a Rainha da
Inglaterra morando no Big Bem e policiais britânicos usando armas de fogo.
A imitação era tão perfeita que
um leitor desavisado poderia imaginar que estava, de fato, diante de um gibi da
década de 1960.
Por conta da briga entre os
sócios da Image, a mini acabou não sendo finalizada e, provavelmente por isso,
nunca foi publicada no Brasil. É, no entanto, um dos trabalhos mais geniais de
Alan Moore.
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