Conta-se que um psiquiatra, chegando ao seu consultório, encontrou
um bilhete de seu primeiro paciente, dizendo que estava dispensando o
tratamento com médico, pois havia encontrado a causa de seus traumas. E
ilustrava a situação com uma tira de Peanuts.
A história, real ou lendária, ilustra a incrível capacidade que
Schulz tinha de perceber os dramas e traumas humanos, sintetizando-os na figura
de crianças. Umberto Eco disse que a ¨a poesia dessas crianças nasce do fato de
que nelas encontramos todos os problemas, todas as angústias dos adultos que
estão nos bastidores¨.
Nessa história aparentemente ingênua, encontramos os mais variados
tipos humanos e seus conflitos.
Charlie Brown, o personagem principal, é o estereótipo do
fracassado. Ele não consegue empinar uma pipa ou chutar uma bola. A única vez
em que ganhou algo na vida, foi um corte de cabelo. ¨Mas eu sou careca, e meu
pai é barbeiro!¨ retrucou ele. Noutra ocasião, dançou com a rainha do baile,
mas foi incapaz de lembrar de nada desse acontecimento.
Se Charlie Brown é o a bigorna, na qual batem todos os males e
dissabores da vida, a menina Lucy Van Pelt, irmã de Linus, é o martelo. Sua
vida é provocar traumas no pobre Minduim, mostrando a cada momento o quanto ele
é incapaz. Sua tirada mais clássica é fazer Charlie Brown acreditar que
finalmente será capaz de chutar a bola, para tirá-la no último momento.
Interessante que, apesar disso, ninguém jamais pensa em culpá-la pela derrota
do time. O culpado é sempre aquele que não conseguiu chutar a bola.
Uma biografia escrita recentemente publicada com o título de Schulz and Peanuts dá a
entender que o próprio autor colocava suas neuroses nas tiras, razão pela qual
elas parecem tão reais. O autor o descreve como um homem solitário, tímido e
infeliz, dominado por figuras autoritárias, como sua primeira esposa e sua mãe,
ambas representadas na personagem Lucy. Schulz se identificaria tanto com
Charlie Brown, o fracassado, quanto com Schroeder, o músico.
Este último seria o lado artístico, através do qual ele se libertaria da
tirania da esposa. Sintomaticamente, outra cena famosa é a de Lucy tentando
conseguir a atenção do pianista, que a despreza solenemente enquanto toca.
Nesse sentido, Snoopy, provavelmente,
representaria a liberdade criadora. Se Charlie Brown é o pé no chão, as
tristezas e arguraras da vida, Snoopy pode viajar o mundo e até mesmo ser um
famoso piloto da I Guerra Mundial. Não por acaso, Charlie Brown é o personagem
predileto dos adultos, que vêm nele seus traumas (a tirinha é a mais recortada,
exibida e enviada a colegas nos EUA) e Snoopy é o personagem preferido das
crianças pequenas, que ainda vislumbram na vida mais seus pontos positivos que
negativos.
A tira foi criada por Schulz no início da
década de década de 1950 e rapidamente tornou-se um sucesso, chegando a
aparecer em mais de 2600 jornais em todo o mundo, chegando a ter um público
leitor estimado em 355 milhões, em 75 países.
Na década de 1970 o sucesso da tira levou
ao surgimento do desenho animado, que era pessoalmente supervisionado por
Schulz. Ao invés de descaracterizar a obra, o desenho a ampliou para além dos
limites dos quatro quadros diários.
De todas as histórias exibidas, a de natal
é provavelmente mais lembrada por uma geração que cresceu assistindo a esses
desenhos. Indo muito além da melancolia habitual, o episódio captou o espírito
natalino como poucas vezes isso foi feito. É como se, em meio a todos os
traumas e problemas da vida, ainda houvesse espaço para a felicidade de
momentos simples e singelos.
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