Se você lê
quadrinhos, certamente já teve contato com o trabalho de Luiz Antônio Aguiar,
por mais que não saiba. Ele foi o roteirista responsável, por exemplo, pela
versão em quadrinhos do Sítio do Pica-Pau Amarelo (lembra? Tinha até chamada na
TV!). Além disso, ele escreveu muito tempo para a divisão Disney da Abril e fez
histórias que devem ter divertido você.
Luiz
também teve a oportunidade de trabalhar com personagens próprios na época em
que participou de uma das mais famosas revistas do quadrinho nacional, a
Spektro, editada pelo OTA, que hoje é responsável pela MAD.
Luiz tem
em seu currículo alguns trabalhos curiosos. Na época em que era assistente na
RGE, ele ajudou a batizar alguns dos personagens mais queridos dos fãs. Foi ele
que batizou o Noturno e a Tempestade e evitou que o Wolverine fosse chamado de
Carcaju.
Nesta
entrevistas, feita por e-mail, Luiz, que atualmente é escritor de literatura
infantil, fala de sua experiência com quadrinhos, explica porque a RGE deixou
de trabalhar com gibis e diz que sente falta dos “CA- POU” e dos “ BUUUMM”.
1) Como começou a sua relação com os quadrinhos? O que vc lia?
quais eram seus autores prediletos?
Começo em
criança. Aprendi a ler no Tio Patinhas e as histórias de Carl Barks sempre foram a minha
fascinação. Entrei na Disney pensando sempre em escrever histórias como
aquelas. Consegui,
mas só algumas.
2) Você, quando era só um leitor, já imaginava tornar-se um
roteirista de quadrinhos?
Nunca,
quadrinhos sempre foi curtição para mim. Mesmo hoje, muito afastado do mercado
e do ofício, já que me dedico à literatura Infanto Juvenil, continua sendo
assim: quero
relaxar, pego um Donald.
3) Como você começou a escrever quadrinhos?
Em 77,
para pagar minha segunda faculdade. Comecei fazendo roteiros para a Revista do
Sítio do Picapau Amarelo, da então Rio Gráfica Editora (que depois virou Globo
e foi para São Paulo).
4 – Você começou a
escrever a convite de alguém ou foi atrás da editora?
Eu fui
atrás. Precisava ganhar dinheiro para pagar o curso de sociologia na PUC (já
tinha me formado em Comunicação), até por uma questão de brio. Sabia que o
curso não era para valer, era só desculpa para continuar fazendo política
estudantil, e não queria descarregar essa em cima do meu pai. Apareci na
Editora com um roteiro, que foi comprado, e passei a escrever outros.
5 - O Sítio do Pica-Pau
chegou a vender muito, não foi? Pelo que me lembro, tinha até anúncio na TV....
Como era para você essa reação positiva do público? Como foi o seu trabalho na
RGE?
Depois, em
79, fui trabalhar como assistente de editora, na RGE. Todas as revistas de lá
passaram pela minha mão. Dei nome a um bocado deles, do inglês, inclusive a uns
X-Men da vida. O Wolverine, por exemplo, apareceu nas primeiras revistas como
Carcaju. Uma aberração. Resolvi apenas deixar como o chamavam em Inglês.
Batizei também o Noturno e a Tempestade. Trabalhei, sim, com a Kripta, e foi
uma belíssima revista que inspirou muita gente. Quanto ao Sítio, caiu muito a
vendagem depois que saiu da tevê, mas ainda se sustentaria. Ocorre que a direção da RGE na época, por
incrível que parecesse, não tinha a menor boa vontade com quadrinhos. Queriam
todos era deixar de ser editores de quadrinhos, coisa de que não entendiam, nem
gostavam, e foram
desinvestindo no setor, para abrir outras revistas, muitas delas fracassadas,
em outras áreas. Quando a galinha dos ovos de ouro foi finalmente estripada,
fecharam 12 revistas, das 15 que havia - isso foi em 83 - e demitiram quase
toda a redação. Tempos depois, foram para São Paulo e mudaram de nome e de
direção, mas aí já é outra história, que inclui até o Maurício de Souza.
6 - O fato de vc ser um
escritor de quadrinhos e literatura deve dar-lhe uma perspectiva interessante.
Quais são as diferenças de narrativa?
Na
literatura há mais espaço para o texto e, de certa forma, mais flexibilidade
para composição de personagens e ritmo de trama, coisas que, em quadrinhos,
ficam com o desenhista. Mas sinto
falta dos CA-POU! e dos BUUUUUMMM!
7- Como foi a experiência com a Vecchi?
Excelente,
pelas pessoas com quem trabalhei, desenhistas como Júlio Shimamoto, que foi meu
parceiro favorito por lá. Depois, fizemos um albúm juntos, Nos tempos de Madame
Satã. O Shima era fantástico. Foi a minha chance de começar a criar personagens
meus. Fizemos umas séries bastante originais, em terror e faroeste. O Otacílio
sempre deu força para a gente criar à vontade. Pena que a Editora foi
canibalizada de dentro para fora pelo despreparo e falta de profissionalismo da
direção.
8 - Quais foram os
melhores desenhistas com os quais você trabalhou? Por quê?
Shimamoto,
sem dúvida, pela intensidade que ele acabava dando à história, e Guidacci, com
quem fiz o Indecências e
desmandos do herói Macunaím em sua passagem pela história da terra-Brasil.
O Guidacci é uma verdadeira enciclopédia de recursos de desenho. Ambos são
fenomenais. Fiz boas histórias com o Mozart Couto, também, uma revista de
histórias de futebol muito manêra, com personagens meus, a Futebol e Raça.
9 – Quais foram os seus
últimos trabalhos em quadrinhos? Por que parou de fazer HQ?
Não me
lembro bem dos últimos trabalhos, mas creio que foram os Disney, ainda, na
Abril, e o que fiz no Estúdio Artecômix, inclusive o Futebol e Raça. Larguei HQ
porque o mercado de produção nacional de massa se extinguiu. HQ hoje é cult, muito restrito, a produção
nacional, bem entendido, e esse nunca foi o meu barato. Produz-se muita coisa
boa, mas eu sempre
sonhei mesmo é em ver a garotada comprando aos montes minhas histórias, como eu fazia, e se esbaldando,
sem mais nem menos.
10 – Já aconteceu de você entregar
um roteiro para o desenhista e o desenhista não entender a proposta e estragar
a história? O que você fazia para evitar isso?
O melhor é ir fazendo junto, coisa que existe
pouco no circuito comercial. Pelo menos um contato, uma discussão cena a cena,
é sempre bom. Mas o que mais aconteceu comigo foi de o desenhista dar belas
interpretações que avivaram o roteiro.
11 – Qual é o segredo para escrever
um bom roteiro?
Imaginar a
coisa passando na cabeça da gente, é óbvio. Se perder de vista o que está
fazendo, não funciona. Tem de conseguir ler o próprio roteiro como se estivesse
na revista. Assim, a gente vê o que funciona e o que não funciona. E, ah, sim, lembrar que tudo o que a gente faz
bem, literatura ou roteiro de quadrinhos, não faz nem por vaidade nem por
exercício de virtuosismo, mas para ser lido por outras pessoas. Senão, é sexo
solitário.
12 – Você sente vontade de voltar a
escrever quadrinhos?
Sim, se
houver uma chance de quadrinhos de massa, muito, muito lidos, voltarem a
circular. Hoje, além do Maurício e o que ainda tem do Disney, isso não existe
mais. Quadrinhos
Cult não são a minha praia, apesar de ter feito o Macunaíma e o Madame Satã,
citados em antologias e enciclopédias de quadrinhos. Meu barato seria uma revista que
todo mundo pudesse ler, e gostasse de ler, não apenas quem é aficionado em
quadrinhos.
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