A obra de Edgar Alan Poe é básica para todos os fãs de
horror, policial e fantasias. A popularidade do autor fez com várias editoras
lançassem coletâneas com seus textos, mas poucas chegam ao nível de Contos de
Imaginação e mistério lançado pela editora Tordesilhas em 2012.
O livro, em capa dura, é uma reprodução fiel do volume
lançado em 1907 em Londres, com os desenhos do exímio ilustrador irlandês Harry
Clarke e prefácio de Charles Baudelaire. Essa edição inglesa foi considerada já
na época uma joia bibliográfica e ajudou a popularizar Poe no mundo.
Embora ignorado como um escritor menor por muitos anos, Edgar
Allan Poe foi praticamente o iniciador de algumas das mais populares
literaturas de gênero da atualidade. Ele definiu o gênero policial e a ficção
científica, além de ter lançado as bases da fantasia moderna.
A miríade de escritores influenciados por ele vão de Ray
Bradbury a Jorge Luís Borges, passando por Umberto Eco. Arthur Conan Doyle e
Júlio Verne eram seguidores fieis do escritor norte-americano.
Conan Doyle dizia sobre ele: “Cada um dos contos policiais de
Poe é uma raiz da qual desabrocha uma literatura inteira (...) O que eram os
contos policiais antes que Poe aparecesse e soprasse vida neles?”.
Já Júlio Verne escreveu: “O homem e sua obra, ambos ocupam um
lugar importante na história da fantasia, pois Poe criou um gênero diferente,
sem precedentes e, me parece, levou o segredo consigo”.
O volume de mais de 400 páginas reúne o melhor dos contos de
Poe. Há histórias bastante conhecidas, que costumam figurar na maioria das
coletâneas, como William Wilson, O poço e o pêndulo e Manuscrito encontrado em
uma garrafa. Mas há algumas pérolas
pouco exploradas.
Um dos contos excelentes que figuram na coletânea é a A
Máscara da Morte Vermelha.
Outra dica fantástica é “O mistério de Marie Roget”.
Normalmente quando se pensa no Poe policial, lembra-se de “Os
assassinatos da rua Morgue” ou “A carta roubada”, ambos protagonizados pelo
detetive Dupin, que viria a ser um dos modelos para a criação de Sherlock
Holmes.
O conto sobre Marie Roget é imerecidamente esquecido. Misto
de jornalismo e ficção, Edgar Alan Poe aproveitou um crime real, acontecido em
Nova York e transformou-o num caso a ser resolvido por Dupin.
Sem ter acesso ao local do crime, o escritor usou apenas as
notícias dos jornais da cidade como fonte de referência para desvendar o
mistério. Mas revelou uma capacidade dedutiva tão impressionante que todos os
detalhes foram confirmados posteriormente por duas testemunhas do crime. Ao por
misturar personagem e criador, ambos gênios da hipótese dedutiva, Poe mostra
estar pelo menos um século à frente de seu tempo. Além disso, o texto acaba
sendo um verdadeiro manual de como escrever uma policial dedutiva.
A Mary Rogers em questão saiu um dia de casa dizendo que iria
visitar a tia em outro bairro. Pediu ao noivo que a buscasse no final da tarde,
o que se tornou impossível em decorrência de uma tempestade. No dia seguinte a
garota não voltou para casa. Quatro dias
depois seu cadáver foi encontrado flutuando no rio Hudson.
O caso fez a festa dos jornais numa época em que os
jornalistas estavam mais interessados em dar sua interpretação das notícias do
que de fato relatá-las. Como a garota já havia sumido por uma semana em ocasião
anterior, um jornal sugeriu que tratava-se de outra pessoa a mulher encontrada
no rio Hudson. Outro creditou o crime a uma gangue de malfeitores que no mesmo
dia havia violentado uma garota na cidade. Outro chamava atenção para o fato de
que a sombrinha, o lenço e outros objetos pessoais da vítima haviam sido
encontrados em um bosque, muito longe do rio, o que demonstrava que o homem
deveria ter passado por muitas ruas com um corpo sobre as costas para ter a
ocasião de jogá-lo no rio.
O principal argumento dos que defendiam que a mulher
encontrada não era Mary Rogers é o tempo que cadáver levou para boiar, uma vez
que normalmente em casos de afogamento o corpo leva de seis a dez dias para
boiar.
Poe analisa e desconstrói cada um dos argumentos. Sobre a
flutuação do corpo ele alega que de fato esse é o tempo no caso de afogamentos.
Mas o mesmo não ocorre com pessoas jogadas na água já mortas. Com isso ele
lança as bases das atuais perícias médicas. Mais um ponto para o homem que
praticamente inventou a linha de pesquisa semiótico-informacional, a psicologia
das massas, a literatura policial e de ficção científica.
O volume da Tordesilhas não traz todos os mais importantes
textos de Poe (faltam, por exemplo, o conto “Um homem das multidões”), mas esse
é um mal comum a qualquer antologia desse autor: seus textos são tão relevantes
que só um livro com obra completa seria capaz de contemplar toda sua
importância.
Ainda assim, Contos de imaginação é obrigatório em qualquer
estante dos amantes da fantasia, do terror ou do policial. Não só pelos textos
de Poe, pela encadernação de luxo, mas também pelos soturnos desenhos de Henry
Clarke. Seu traço sujo, repleto de hachuras, captura com perfeição o clima do
texto de Poe prenunciando uma tragédia a cada linha.
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