domingo, setembro 26, 2021

O mistério dos signos

 

Em dezembro de 1990 eu já era roteirista de quadrinhos com trabalhos publicados. Tinha praticamente abandonado os gibis e lia principalmente graphic novels e minisséries. Foi quando saiu uma série Disney que me fez comprar e relembrar a infância, quando eu devorava gibis do Tio Patinhas. O mistério dos signos, lançado pela Abril em três volumes era uma história Disney totalmente atípica. A começar pela ênfase, que não era o humor, mas a aventura. Além disso, era uma história longa, no total quase 400 páginas, com uma trama bem amarrada e desenhos do meu artista Disney preferido, Massimo De Vita, cujo nome eu não conhecia, mas cujo traço eu reconheci assim que coloquei os olhos na primeira edição. Não eram quadrinhos comuns. Aquilo parecia mais uma graphic novel. Na história, Mickey e Pateta voltam ao passado em uma pesquisa para o museu de Patópolis sobre o modo de vida dos primeiros colonos. Enquanto descansam num celeiro, são surpreendidos pela reunião de um grupo de místicos e seu líder, o Professor Zodíacus, que dá a cada um uma pedra e promete que quando elas forem reunidas, será possível prever o futuro. Voltando para o futuro decidem reunir as pedras para o museu. Enquanto isso, Tio Patinhas fica sabendo da pedra zodiacal e os dois grupos (um formado pelo Pateta e pelo Mickey e outro formado pelos patos) une forças para reunir as peças. Mas sempre é necessário haver um vilão, e Bafo de Onça e Mancha Negra resolvem se apoderar da pedra.
É o que chamo de roteiro redondo: há um MacGuffin (o objeto que que os personagens procuram) muito claro dividido em doze partes cada um delas ligada de alguma forma a algum símbolo do zodíaco. Assim, por exemplo, a pedra de escorpião é encontrada no vale dos escorpiões, a pedra de aquário dentro de um aquário etc. Há episódios que puxam mais para o humor, outros mais para a aventura e outros para o policial. De todos, “Moda estelar”, correspondente ao signo de Virgem, é um dos melhores. Tentando conseguir a pedra que se encontra com um estilista famoso, Donald é abduzido junto com ele por um planeta dominado por mulheres no qual os homens ficam em casa enquanto as mulheres trabalham. A ambientação permitiu que Massimo De Vita explorasse todo o seu pontecial. Na trama, todo ano é escolhido uma roupa para o marido da rainha, roupa que será usada por todos os homens do planeta. E como estão com faltas de ideia, sequestram o tal estilista.
Além de ter um roteiro redondo, Bruno Sarda incluiu diversas referências a astros de cinema, pintores, escultores, estilistas e até personagens de quadrinhos. À certa altura Mickey e Pateta preciam pegar um avião na Amazônia e o aviador é Mister Jô, uma bela homenagem ao personagem bonneliano Mister No. E, como sua contraparte, que vive se embedando, essse também tem um defeito para um aviador: é quase cego. Nem tudo é perfeito, claro. Como De Vita não conseguiria dar conta de uma história tão longa, à certa altura ele é substituído por Franco Valussi, que os editores consideravam o artista da Disney italiana mais próximo de De Vita. Não que ele a qualidade da arte caía muito, mas é difícil ficar à altura do mestre. O mistério dos signos é até hoje a mais longa história Disney já publicada no mundo e uma das melhores de todos os tempos. Na época foram três edições da Abril, em papel gouchê. Em 2013 a editora republicou a história, agora reunida em um único volume em capa dura. Coisa de colecionador.

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