segunda-feira, fevereiro 28, 2022

Roteiro de quadrinhos: como formatar o roteiro

 


 

            Ao escrever um roteiro para quadrinhos, primeira coisa que você deve ter em mente é que um roteiro vai ser lido por alguém. Para ser mais exato, o seu roteiro será lido por um desenhista. E, creia-me, os desenhistas não costumam ser leitores vorazes. Assim, seu texto deverá ser objetivo. Eu disse objetivo, não seco.  Lembre-se, ele deve ser agradável. Se for possível contar uma piadinha que esclareça o quadro, conte. Se você tiver um objetivo com o quadro, coloque isso no roteiro. Se você quer que o quadro lembre uma obra famosa da pintura, não pode esperar que o desenhista advinhe isso.

Toda informação é importante para esclarecer o desenhista quanto ao caminho que ele deverá seguir.

Dito isso, passemos ao roteiro em si.

O essencial nesse tipo de coisa é que deverá haver uma parte destinada à descrição do quadro, e uma parte destinada ao texto e aos diálogos. Você pode fazer o roteiro em T: pegue uma folha de papel, divida-a no meio e coloque, do lado esquerdo, as descrições, e do lado direito as falas dos personagens, além da narrativa.

Pessoalmente não gosto do roteiro em T porque ele limita muito a ação do roteirista. Nele, cada página datilografada corresponde a uma página de desenho. Mas há situações em que você precisa de mais de uma página para descrever um painel. Já vi um roteiro do Alan Moore em que ele usa mais de uma página de texto para descrever um único quadro.

Outro problema do roteiro em T é que ele é um pouco complicado de fazer no computador, a não ser que você esteja usando o Page Maker, o que eu não aconselho, pois esse programa foi feito para diagramação e não para digitação. No word é muito difícil conseguir manter a página dividida ao meio e deixar cada texto ao lado da sua descrição correspondente.

O roteiro corrido é muito mais fácil de fazer no computador. Ele se parece com um roteiro de teatro, ou de cinema (o roteiro em T é muito usado na televisão).

Nele você vai simplesmente descrevendo as cenas, e, abaixo, coloca o texto correspondente. Você deve começar pelo título, seu nome, a página, e depois a descrição dos quadrinhos. Quando mudar a página, a numeração dos quadrinhos volta ao 1.

Veja um exemplo:

 

O Livro dos Dias

Roteiro de Gian Danton

Página 1

Quadro 1 - Quadro grande, de ambientação. Vemos um cavaleiro cavalgando sobre um campo florido. É um cavaleiro medieval, mas com uma série de modificações que o identificam como sendo a versão marciana de um cavaleiro medieval. Atrás dele há um céu bonito e montanhas ainda mais belas. O cavaleiro segue confiante com sua lança e espada. Detalhe: o cavalo sobre o qual ele está também é uma versão marciana de um cavalo.

Texto: Sobre as pradarias de Marte, o cavaleiro segue em direção ao seu destino.

Texto: Ao longe, um iog suspira modorrentamente. Ele permanecerá ali até que o sol se ponha. Então voltará para sua toca e dormirá durante toda a noite.

Cavaleiro: Saudades de minha linda Beatriz!

Quadro 2 - Quadro menor. Uma vista de cima do cavaleiro e seu cavalo.

Texto: Ele não conseguiria imaginar alguém que rivalizasse com ela em virtudes: Beatriz é bela, ingênua e caridosa.

Texto: Axel prometeu protegê-la.

Quadro 3 – O cavaleiro agora é mostrado de lado.

Texto: Beatriz está presa na cidade de Dju'liet B'noch e o cavaleiro teme por sua honra.

Texto: No memorável dia em que se ordenou cavaleiro, ele prometeu proteger todas as mulheres...

Quadro 4 – Em primeiro plano temos o lagarto Iog e o cavaleiro está em segundo plano, afastando-se de nós.

Texto: ...pois sabe que elas são o signo da perfeição, introduzidas por Deus no mundo para que se tenha um vislumbre do que será o paraíso.

 

Página 2

Quadro 1 - O cavaleiro atravessando os portões de uma cidade.

Texto: Axel atravessa os portões da cidade e o que vê faz com que ele duvide de suas convicções.

Texto: Há mulheres ali, mas mulheres fúteis, incapazes de se preocupar com algo que não seja a fofoca do dia.

Quadro 2 - O cavaleiro agora está percorrendo uma das ruas da cidade.

Texto: No alto de uma torre, uma mulher gorda joga uma panela sobre o marido, chamando-o de imprestável.

Texto: O cavaleiro treme. Mas não. Perigos terríveis o esperam.

 

Como você pode perceber, é especificada a página, o quadro, e só então se começa a descrição da cena. A seguir é apresentado o texto (aquilo que fica naqueles balões quadrados) e os diálogos.

Atenção: em cada fala o roteirista deve identificar quem está falando. Lembre-se, quadrinho não é literatura.

 

Não faça coisas dos tipo:

 

Quadro 2 – João e Maria estão andando na rua.

- Que dor de cabeça!

 

            Quem está falando? Maria ou João? Aposto que você não consegue advinhar. O mesmo ocorre com o desenhista. Antes do diálogo, coloque o nome do personagem, assim:

 

            Quadro 2 – João e Maria estão andando na rua.

            João: Que dor de cabeça!

 

            Agora sim, sabemos que autor da frase é João. Se Maria também tivesse uma fala no quadro, deveríamos antepor ao texto o nome de Maria.

            A mesma coisa acontece com o texto. Se for um texto, e não diálogo, coloque isso no roteiro.

            Não faça assim:

 

            Quadro 3 – João e Maria ainda estão andando na rua.

            - João está com dor de cabeça.

           

            O que é isso? O desenhista, provavelmente, vai achar que se trata de uma fala de Maria, e vai tascar-lhe um balão.

            O correto é assim:

 

            Quadro 3 – João e Maria ainda estão andando na rua.

            Texto: João está com dor de cabeça.

 

            Sempre, quando estiver escrevendo o roteiro, pense nele, visualize-o . Imagine a página pronta, desenhada, ou então faça um esboço da página. Isso vai evitar que você coloque coisa impossíveis de serem desenhadas. Devem ser especialmente evitadas aquelas descrições que incluem mais de uma ação. Tipo:

 

Página 1

Quadro 1 – João levanta da cadeira na sala e pega um copo na cozinha.

Quadro 2 – João abre a geladeira, coloca suco nos copos e traz de volta à sala e oferece para o visitantes.

 

            Esse pequeno trecho inclui uma série de ações. Primeiro temos João levantando. Depois ele está andando até a cozinha. Ele chega à cozinha. Ele pega um copo no armário. Ele abre a geladeira. Ele pega o suco. Ele coloca o suco no copo. Ele sai da cozinha com o copo de suco. Finalmente, ele oferece o suco ao visitante.

São muitas ações para dois quadros apenas, não é mesmo? Diante de uma situação dessas, o desenhista se vê diante de duas possibilidades. Ou ele quebra as várias ações em vários quadros, fazendo com que o número de páginas de sua história aumente, ou ele simplesmente corta ações, deixando-as subtendidas.

Assim, ele mostra João se levantando. No quadro seguinte ele já está na cozinha, abrindo a porta da geladeira. A ação de andar até a cozinha e abrir a geladeira fica subtendida, e o leitor apenas advinha que ela existiu.

Em todo caso, só um bom desenhista faria isso. A maioria ia tentar seguir seu roteiro à risca e então teríamos um personagem clone do homem-borracha: ele está levantando da cadeira, mas seus braços já se esticaram para a cozinha e estão, um abrindo a porta da geladeira e o outro pegando um copo. Já imaginou isso desenhado? Ia ficar horrível, não é mesmo?

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