Alan Moore geralmente é reconhecido como autor de histórias grandiosas, como Watchmen e Monstro do Pântano. Entretanto, ele era um exímio autor de histórias curtas. Perfeita demonstração disso é Histórias brilhantes, recentemente lançado pela editora Myhtos.
O álbum reúne dez histórias curtas escritas por Moore e desenhada por diversos autores e impressa em diversas publicações alternativas. É uma fase diferente do mago de Northampton, com temas frequentemente sociais e subversivos – o tipo de história que ele raramente poderia desenvolver nas grandes editoras, como a DC.
Entre as várias HQs, uma das mais impressionantes é Tapeçarias.
A história, com desenhos de John Totleben e Stan Wach, foi produzida para uma organização pacifista, a CCCO (Comitê Central de opositores conscientes). A entidade havia percebido que seus folhetos eram simplesmente ignorados e não conseguiriam concorrer com a pesada propaganda pró-alistamento militar, que mostrava a guerra como algo heroico.
Assim, surgiu a proposta de fazer uma história em quadrinhos barata, com autores desconhecidos, em preto e branco, mas que mostrasse os verdadeiros horrores da guerra. Entretanto, quando o roteirista Harvey Parker entrou na empreitada, sua esposa sugeriu mudar completamente o projeto: ao invés de uma revista barata, em preto e branco, com autores desconhecidos, por que não fazer uma publicação colorida e convidar os grandes astros do mercado de quadrinhos ? E, surpreendentemente, muita gente aceitou produzir histórias sem necessidade de pagamento.
Tapeçarias mostra de um lado a visão idealizada da guerra e do outro a dura realidade do conflito militar. |
Moore adaptou o livro de W.D Ehrhart, um veterano da guerra do Vietnã. A narrativa da história “Tapeçarias” é genial, explorando perfeitamente as possiblidades dos quadrinhos: do lado esquerdo, mostrava a infância e juventude de Ehrhart, envolvido em quadrinhos, filmes e propaganda que glorificavam a guerra; no lado direito mostrava a dura realidade do implacável treinamento militar e as atrocidades da guerra, com soldados americanos matando civis vietnamitas, destruindo templos budistas e cometendo todo tipo de atrocidade.
Moore se empolgou e fez outra história adaptando dois outros livros de Ehrhart que mostram a experiência do autor na Nicaragua, mostrando que a história se repetia.
“O amor não dura para sempre”, com desenhos de Rick Veitch, é outro destaque. Aparentemente é apenas uma história de ficção científica com final irônico, mas por trás da aparência se revela uma envolvente metáfora sobre a AIDS, produzida na época em que a doença ameaçava se tornar uma pandemia.
Quase uma continuação deste conto, “O espelho do amor”, com desenhos de Bissette e Veitch, foi escrita no auge da pandemia, quando grupos conservadores aproveitaram a doença para promover um discurso anti-gays que insinuava até mesmo que câmaras de gás seriam uma solução para a pandemia. Moore, que na época vivia uma relação a três, constrói uma bela e poética narrativa que investiga historicamente a origem da homossexualidade e da perseguição.
Outro grande destaque é “Pictopia”, que desnhos de Donald Simpson. Aqui, Moore imagina uma cidade ocupada por personagens de quadrinhos, de desenhos animados e tiras de quadrinhos. A narrativa, altamente metalinguística, é focada numa versão mooreana do mágico Mandrake. Em muitos sentidos, essa HQ é uma atencipação de materiais que o autor desenvolveria em outros trabalhos, a exemplo de Supreme.
Em Histórias brilhantes, Moore mostra que é possível desenvolver temas complexos e relevantes em meras quatro ou seis páginas.
O álbum tem ainda, extensos textos de Marc Sobel contextualizando as histórias e analisando-os num verdadeiro tratado sobre a obra do mago.
O ponto negativo é realmente o número de histórias: apenas dez.
Sem comentários:
Enviar um comentário